Contribuição feminina
para a Filosofia
Pedro
J. Bondaczuk
O livro “O mundo de
Sofia”, do norueguês Jostein Gaarder, tem, como principal personagem, que
inclusive dá título à obra, uma figura feminina. Até aí, eu não disse nada de
novo. Limitei-me ao óbvio, que o saudoso dramaturgo e jornalista Nelson
Rodrigues classificaria de “ululante”, termo que criou para caracterizar o
máximo de obviedade. Destaco, todavia, esse aspecto não gratuitamente. Tenho um
objetivo específico com essa menção óbvia. Nesse livro, originalíssimo, misto
de romance e de retrospecto da História da Filosofia, o autor não cita uma
única filósofa. Deveria, já que a “aula” é toda voltada para uma adolescente,
Sofia Amudsen, claro, do sexo feminino. Não se trata de crítica, mas de
constatação.
Gaarder como que
justifica essa omissão, nesta única e lacônica informação que presta: “(...) Nenhum filósofo se
preocupa em responder a todas as questões filosóficas. Estou me referindo
especificamente aos filósofos homens. Pois a história da filosofia é permeada
pela presença de homens. Isso porque a mulher foi historicamente menosprezada,
como ser do sexo feminino e também como ser pensante. Isso é triste, uma vez
que assim se perderam muitas experiências importantes. Somente no nosso século
é que as mulheres entraram de fato para a história da filosofia (...)”;
Jostein Gaarder está
certo e errado ao mesmo tempo. Parece contradição, mas já já explicarei. Quando
o escritor afirma que “somente no nosso século é que as mulheres entraram de
fato para a história da filosofia”, referiu-se ao século XX, quando escreveu
seu livro. Gaarder está certo ao destacar a preponderância masculina nesse
campo específico do pensamento. Isso não quer dizer, todavia, que o mundo não
teve nenhuma filósofa antes do século XX. Curioso, como sou, saí á cata de
pesquisas a respeito. E encontrei, na Wikipédia, menções a pelo menos 37 mulheres
que se dedicaram à Filosofia. Claro que é um número irrisório se o compararmos
ao de homens, que ascende a várias dezenas de milhares, se não mais. Mas a
contribuição feminina para a história da filosofia não foi nada desprezível.
Muito pelo contrário. Quantidade nem sempre (ou quase nunca) é certeza de
qualidade.
Outro ponto em que
Gaarder tem razão é que nenhuma obra filosófica das filósofas da Antiguidade
chegou até nós, mesmo que incompleta. Há, sim, citações a elas, feitas por
filósofos masculinos como Pitágoras, Platão e, sobretudo, Aristóteles, entre
outros. O autor do verbete que consultei na Wikipédia observou: “A história da
filosofia demonstra a presença de várias mulheres filósofas”. Mas aduz, na
sequência: “Seus trabalhos não foram reconhecidos e difundidos por questões
culturais”. Dá, portanto, posto que parcialmente, razão ao escritor norueguês.
Porém arremata: “Mas a filosofia desde as suas origens pertenceu ao gênero
humano independente de sexo”. Pena que pouquíssima coisa do pensamento
feminino, a propósito de quem somos, de onde viemos, onde estamos e para onde
vamos chegou até nós, dada a extrema burrice do preconceito masculino.
Proponho-me a
abordar, mesmo que em uma única linha, todas as 37 filósofas que a Wikipédia
registra, nesta série de comentários sobre o livro de Jostein Gaarder e, de
lambuja, sobre a história da Filosofia. É pouco? É pouquíssimo (e lá venho eu
com minha mania de superlativos que neste caso, pelo menos, mais que se
justifica)!!! Mas é o que pude arranjar em minhas pesquisas. Citá-las é questão
de justiça.
E menciono, logo
de cara, uma pioneira que, de acordo com a Wikipédia, foi a “primeira pensadora
da história”. E não foi grega, como o leitor possa imaginar. Foi suméria.
Refiro-me a Enheduana. Ela foi o primeiro ser humano de que se tem notícia a
assinar as próprias obras. E estas, ao contrário de tantas outras filósofas,
sobreviveram ao tempo e ao esquecimento em tabuletas de barro na escrita
cuneiforme. Nesse aspecto, os sumérios deram “de goleada” nas demais culturas.
Enheduana viveu
em período muito anterior à chegada das hordas indo-europeias ao território que
constituiria séculos mais tarde as várias cidades-Estado gregas. Não havia,
portanto, sequer embrião do que ficou conhecido como a Hélade, ou como Grécia.
O pioneirismo dessa mulher não se restringiu ao pensamento filosófico. Ela foi,
também, de acordo com a Wikipédia, “a primeira
sacerdotisa (sábia, filósofa) do templo da deusa lua”. Nesse local, essa mulher
notável “dirigia várias atividades”, como comércio e artes. Ali “também eram
ensinados matemática, ciências e especialmente o movimento das estrelas e dos
planetas”. Enheduana “escreveu 42 hinos para a deusa Inana e é por isso uma das
principais fontes da mitologia suméria”. Além do que, observe-se, foi uma
mulher muito bonita, pelas imagens que restaram dela e que chegaram até nós.
Das 37 filósofas citadas pela Wikipédia, eu já havia lido algo a respeito
de dez, mas sequer desconfiava que a maioria delas fosse dada a “filosofar”.
Boa parte das que conhecia é constituída por sacerdotisas dos templos dos
vários deuses gregos. Elas merecem, sem dúvida, ser pelo menos mencionadas
nominalmente, para que seus nomes não se apaguem jamais da memória das
gerações, dado seu pioneirismo e, claro, sua contribuição para que a humanidade
fosse pelo menos um pouquinho mais esclarecida, embora não tanto quanto poderia
e deveria ser. Mas... esta é uma outra história que ficará para outra vez...
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