Monday, February 01, 2016

No mundo do faz-de-conta

Pedro J. Bondaczuk

O homem não pode viver sem fantasias. Ninguém vive. Queiram ou não, admitam ou neguem, o mundo do faz-de-conta, o da imaginação, o dos nossos sonhos, o que não existe concretamente, não é restrito, apenas, às crianças. Aliás, desconfio que na fase adulta seja muito mais freqüentado por nós do que na infância. O que é a Literatura de ficção se não a descrição de fatos e de pessoas que não existem? Isso é fantasia!!! E a poesia, não é contínua idealização de um mundo melhor, posto que inexistente? Também é construída por fantasias. Ninguém suporta a realidade, nua e crua. Não pelo menos por muito tempo, quanto mais pelo tempo todo. Ademais, as fantasias têm as dimensões exatas dos nossos desejos, a maioria dos quais absolutamente irrealizáveis.

O mundo do faz-de-conta difere, óbvio, em muito, ou mesmo em tudo, do real: inconstante e incerto, sujeito às circunstâncias e ao acaso. Neste temos que lutar, sem tréguas, pela própria sobrevivência, sem muito espaço para correr atrás de abstrações. Quando eu era criança, adorava, por exemplo. abrir caixas de presentes, em datas especiais, como Natal, Páscoa e meus aniversários. Mesmo que tomado por irresistível curiosidade, controlava-me até onde fosse possível, tentando adivinhar o conteúdo dos recipientes de papelão, embrulhados caprichosamente com folhas de papel coloridas e, vez ou outra, amarrados por fitas, quase sempre vermelhas. “Fantasiava”, então, que nas caixas estivessem os brinquedos que gostaria de ganhar (mesmo que em questão de dias ou, pior, de horas, perdesse o interesse por eles). Às vezes, acertava. Outras tantas (a maioria) errava e ficava amuado, decepcionado e frustrado.

Mas aqueles momentos de expectativa, em que fantasiava sobre o conteúdo das caixas, ficaram gravados para sempre na minha memória. Dia desses topei, num desses tantos blogs que leio com freqüência, com uma crônica do saudoso jornalista e político Artur da Távola em que ele trata exatamente disso. É prova que não fui o único a fantasiar sobre presentes. Milhares de crianças mundo afora acalentam a mesma fantasia. O cronista observou, à certa altura do texto: "Abrir caixas, cestas e pacotes aos poucos é mergulhar na fantasia... A vida e o futuro são essas caixas que vamos abrindo a cada dia, sem saber o que há lá dentro: sorriso ou frustração". Era como me sentia na infância. Quando o conteúdo era o que eu havia fantasiado, abria largo sorriso, de orelha a orelha, que revelava minha satisfação. Quando não... aprendi logo a disfarçar a decepção depois de havê-la exibido descaradamente e de ser posto de castigo para não agir mais com tamanha falta de educação. 

Vez ou outra, ainda dou uma escapadinha (fuga, aliás, cada vez mais freqüente) para o mundo do faz-de-conta,  mesmo que disfarçando, pára fugir da galhofa dos que me cercam que, embora ridicularizando as fantasias alheias, têm, também, as suas, mesmo que teimosamente neguem. Ora, ora, ora, que hipócritas que as pessoas são! A realidade nua e crua nos angustia, por mais equilibrados e racionais que sejamos. Preocupações imediatas nos desafiam, da manhã até a noite, com questões tais de como conseguir um teto para nos cobrir a cabeça, o alimento que nos mantenha as forças, o acesso à educação e à cultura para que conservemos nosso tênue verniz de "civilização", o usufruto das conquistas da medicina para manter nossa saúde e prolongar nossa vida etc. etc.etc.

Temos, todavia, que administrar nossas fantasias e entender que nem todas (talvez nenhuma) podem ser concretizadas. Devemos ter em mente que, o que tanto desejamos pode ser tanto a mola que nos impulsione às grandes realizações, quanto a fonte de toda a nossa infelicidade. E é muito difícil, senão impossível, filtrar o factível, o concretizável e o realizável do somente desejável. Todavia, sou forçado a concordar entusiasticamente com William Shakespeare que, há mais de 400 anos, constatou, através da boca dos tantos e imortais personagens que criou: “Enquanto houver um louco, um poeta e um amante haverá sonho, amor e fantasia. E enquanto houver sonho, amor e fantasia, haverá esperança”. Ou o Bardo estava equivocado? Minha já longa experiência diz que não!!!


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