No mundo do
faz-de-conta
Pedro
J. Bondaczuk
O homem não pode viver
sem fantasias. Ninguém vive. Queiram ou não, admitam ou neguem, o mundo do
faz-de-conta, o da imaginação, o dos nossos sonhos, o que não existe
concretamente, não é restrito, apenas, às crianças. Aliás, desconfio que na
fase adulta seja muito mais freqüentado por nós do que na infância. O que é a
Literatura de ficção se não a descrição de fatos e de pessoas que não existem?
Isso é fantasia!!! E a poesia, não é contínua idealização de um mundo melhor,
posto que inexistente? Também é construída por fantasias. Ninguém suporta a
realidade, nua e crua. Não pelo menos por muito tempo, quanto mais pelo tempo
todo. Ademais, as fantasias têm as dimensões exatas dos nossos desejos, a
maioria dos quais absolutamente irrealizáveis.
O mundo do faz-de-conta
difere, óbvio, em muito, ou mesmo em tudo, do real: inconstante e incerto, sujeito
às circunstâncias e ao acaso. Neste temos que lutar, sem tréguas, pela própria
sobrevivência, sem muito espaço para correr atrás de abstrações. Quando eu era
criança, adorava, por exemplo. abrir caixas de presentes, em datas especiais,
como Natal, Páscoa e meus aniversários. Mesmo que tomado por irresistível
curiosidade, controlava-me até onde fosse possível, tentando adivinhar o
conteúdo dos recipientes de papelão, embrulhados caprichosamente com folhas de
papel coloridas e, vez ou outra, amarrados por fitas, quase sempre vermelhas.
“Fantasiava”, então, que nas caixas estivessem os brinquedos que gostaria de
ganhar (mesmo que em questão de dias ou, pior, de horas, perdesse o interesse
por eles). Às vezes, acertava. Outras tantas (a maioria) errava e ficava
amuado, decepcionado e frustrado.
Mas aqueles momentos de
expectativa, em que fantasiava sobre o conteúdo das caixas, ficaram gravados
para sempre na minha memória. Dia desses topei, num desses tantos blogs que
leio com freqüência, com uma crônica do saudoso jornalista e político Artur da
Távola em que ele trata exatamente disso. É prova que não fui o único a
fantasiar sobre presentes. Milhares de crianças mundo afora acalentam a mesma
fantasia. O cronista observou, à certa altura do texto: "Abrir caixas,
cestas e pacotes aos poucos é mergulhar na fantasia... A vida e o futuro são
essas caixas que vamos abrindo a cada dia, sem saber o que há lá dentro:
sorriso ou frustração". Era como me sentia na infância. Quando o conteúdo
era o que eu havia fantasiado, abria largo sorriso, de orelha a orelha, que
revelava minha satisfação. Quando não... aprendi logo a disfarçar a decepção
depois de havê-la exibido descaradamente e de ser posto de castigo para não
agir mais com tamanha falta de educação.
Vez ou outra, ainda dou
uma escapadinha (fuga, aliás, cada vez mais freqüente) para o mundo do
faz-de-conta, mesmo que disfarçando,
pára fugir da galhofa dos que me cercam que, embora ridicularizando as
fantasias alheias, têm, também, as suas, mesmo que teimosamente neguem. Ora,
ora, ora, que hipócritas que as pessoas são! A realidade nua e crua nos
angustia, por mais equilibrados e racionais que sejamos. Preocupações imediatas
nos desafiam, da manhã até a noite, com questões tais de como conseguir um teto
para nos cobrir a cabeça, o alimento que nos mantenha as forças, o acesso à
educação e à cultura para que conservemos nosso tênue verniz de
"civilização", o usufruto das conquistas da medicina para manter
nossa saúde e prolongar nossa vida etc. etc.etc.
Temos, todavia, que
administrar nossas fantasias e entender que nem todas (talvez nenhuma) podem
ser concretizadas. Devemos ter em mente que, o que tanto desejamos pode ser
tanto a mola que nos impulsione às grandes realizações, quanto a fonte de toda
a nossa infelicidade. E é muito difícil, senão impossível, filtrar o factível,
o concretizável e o realizável do somente desejável. Todavia, sou forçado a
concordar entusiasticamente com William Shakespeare que, há mais de 400 anos,
constatou, através da boca dos tantos e imortais personagens que criou:
“Enquanto houver um louco, um poeta e um amante haverá sonho, amor e fantasia.
E enquanto houver sonho, amor e fantasia, haverá esperança”. Ou o Bardo estava
equivocado? Minha já longa experiência diz que não!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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