Monday, February 22, 2016

A arte da dúvida e do perguntar


Pedro J. Bondaczuk

O “motor”, que move as engrenagens do raciocínio e conduz pensadores a descobertas de quaisquer naturezas e, até, a meras suposições ou especulações, quando não se tem certeza das conclusões, é a dúvida. Ou, mais precisamente, é a arte de perguntar. Sem incertezas, alimentadas pela curiosidade, não haveria a filosofia. E, por extensão, não existiriam ciências, nascidas das conclusões dos filósofos, provocados por dúvidas e conseqüentes perguntas. Exagero? Não, paciente leitor, longe disso. Hoje em dia, atribui-se (para mim, erroneamente) essa técnica de investigação, essa  forma de busca da verdade a Sócrates. O que é, afinal, o tal “método socrático” se não uma sucessão de questionamentos a propósito de algo que queiramos saber e tentar demonstrar?

Mas seria mesmo o mítico filósofo do século V a.C. o verdadeiro criador desse processo de investigação? Ouso afirmar que não! E no que fundamento minha convicção? Em vários pontos. O primeiro é que Sócrates não escreveu uma única e miserável linha em toda a sua vida. O que conhecemos de seus diálogos, de seu método investigativo e de suas idéias, enfim, nos foram transmitidos por Platão. Quem pode jurar que esse filósofo não exagerou, ou não fantasiou, ou não distorceu o que relatou a respeito do pensamento de seu mentor? Eu não poria minha mão no fogo.

O segundo ponto a que me apego para declarar que o “método socrático” não foi criado por Sócrates é que, conforme Platão, o próprio filósofo – que foi condenado à morte, bebendo cicuta, pelo “delito” de corromper a juventude e ofender os deuses – teria admitido que teve por mestra e mentora a filósofa Aspásia, que o teria orientado em seu desenvolvimento intelectual e filosófico, sobretudo na arte da retórica. Muitos pesquisadores, das mais diversas épocas, asseguram que foi ela a criadora, de fato, do processo investigativo baseado em perguntas. Com, base não somente nas evidências, mas também na lógica, para mim Aspásia foi quem “resgatou” o que ficou conhecido como “método socrático”. E por que me refiro a “resgate” e não a “invenção”? Por que a filosofia “nasceu” dessa forma. É impossível (e injusto) pois atribuir tal método a fulano, beltrano ou sicrano.

A lógica diz que tudo começou com as quatro perguntas clássicas, não respondidas ainda, convincentemente, por ninguém, até hoje: o que sou? Onde estou? De onde venho? Para onde vou?E o que Jostein Gaard escreveu a propósito, em seu livro “O mundo de Sofia”? O escritor norueguês declarou: “(...) O mais interessante para nós não é saber a quais respostas esses filósofos (os da natureza) chegaram primeiro. O que interessa é refletir sobre as perguntas que eles fizeram e a que tipo de resposta chegaram. Para nós é mais importante saber ‘como’ e não exatamente ‘o que’ eles pensaram (...)”. Obviamente que concordo com essa colocação.

Jost Gaard escreveu mais: “(...) Sabemos que eles (os filósofos da natureza) levantaram questões sobre as transformações perceptíveis na natureza. Tentavam descobrir leis naturais que fossem também eternas. Queriam compreender os acontecimentos na natureza sem para isso recorrer aos mitos ancestrais. Acima de tudo queriam compreender os processos naturais através da observação da própria natureza. Isso era algo completamente diferente de explicar raios e trovoes, inverno e primavera, recorrendo ao mundo dos deuses. Dessa maneira, a filosofia libertou-se da religião. Podemos dizer que os filósofos da natureza deram os primeiros passos para o estabelecimento de um modo científico de pensar, fundamentando todas as ciências naturais que vieram depois (...)”.

Filosofia e religião adotam caminhos opostos na tentativa de responder, sobretudo, ás quatro questões primordiais a nosso respeito, sobre o mundo em que vivemos, acerca da nossa origem e nosso destino final. A primeira “duvida” e, a cada resposta, formula novas perguntas, e sucessivamente, num processo interminável. A segunda crê. O meio da primeira é o ceticismo. O da religião é a fé, ou seja, a crença inabalável no que não se vê, não se ouve e que não pode ser apreendido pelos sentidos. Ambos podem e devem conviver harmonicamente, sem necessidade de conflitos.

As duas disciplinas tem lá sua utilidade para o homem, sem que, necessariamente, tenham que abrir mão de suas convicções. Não é, todavia, o que ocorre. O dogmatismo e seu nefasto “subproduto”, o fanatismo, envenenam esse relacionamento. Num passado, nem tão remoto assim, foram inúmeros os filósofos que foram presos, torturados e mortos, sob acusação de “heresia”. Que direito eu tenho de coagir, agredir e eliminar quem pensa diferente do que penso? Obviamente, nenhum! Onde a lógica desse comportamento? Não há! O defeito, porém, não está nem na filosofia e nem na religião. Está em quem as abraça e as segue: o homem.

Este ser tão frágil e efêmero, contudo arrogante e prepotente, ainda está num processo de evolução, posto que mental e espiritual. E tal processo demanda tempo, muito tempo, uma infinidade de gerações. A dúvida que fica é: será que este animal que pensa (mas não deixa de ser, sobretudo, animal) chegará ao desejável estado de inteligência que implique no banimento de seus instintos de fera? Ou se destruirá antes, e a tudo o que há neste planetazinho de tamanho ínfimo, comparável a algo menor do que um reles grão de areia em uma praia sem fim se confrontado com o universo? Perguntas, perguntas e perguntas....Infinitas e irrespondíveis (por enquanto) perguntas...


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