A arte da dúvida e do
perguntar
Pedro
J. Bondaczuk
O “motor”, que move as
engrenagens do raciocínio e conduz pensadores a descobertas de quaisquer
naturezas e, até, a meras suposições ou especulações, quando não se tem certeza
das conclusões, é a dúvida. Ou, mais precisamente, é a arte de perguntar. Sem
incertezas, alimentadas pela curiosidade, não haveria a filosofia. E, por
extensão, não existiriam ciências, nascidas das conclusões dos filósofos,
provocados por dúvidas e conseqüentes perguntas. Exagero? Não, paciente leitor,
longe disso. Hoje em dia, atribui-se (para mim, erroneamente) essa técnica de
investigação, essa forma de busca da
verdade a Sócrates. O que é, afinal, o tal “método socrático” se não uma
sucessão de questionamentos a propósito de algo que queiramos saber e tentar
demonstrar?
Mas seria mesmo o
mítico filósofo do século V a.C. o verdadeiro criador desse processo de
investigação? Ouso afirmar que não! E no que fundamento minha convicção? Em
vários pontos. O primeiro é que Sócrates não escreveu uma única e miserável
linha em toda a sua vida. O que conhecemos de seus diálogos, de seu método
investigativo e de suas idéias, enfim, nos foram transmitidos por Platão. Quem
pode jurar que esse filósofo não exagerou, ou não fantasiou, ou não distorceu o
que relatou a respeito do pensamento de seu mentor? Eu não poria minha mão no
fogo.
O segundo ponto a que
me apego para declarar que o “método socrático” não foi criado por Sócrates é
que, conforme Platão, o próprio filósofo – que foi condenado à morte, bebendo
cicuta, pelo “delito” de corromper a juventude e ofender os deuses – teria
admitido que teve por mestra e mentora a filósofa Aspásia, que o teria
orientado em seu desenvolvimento intelectual e filosófico, sobretudo na arte da
retórica. Muitos pesquisadores, das mais diversas épocas, asseguram que foi ela
a criadora, de fato, do processo investigativo baseado em perguntas. Com, base
não somente nas evidências, mas também na lógica, para mim Aspásia foi quem
“resgatou” o que ficou conhecido como “método socrático”. E por que me refiro a
“resgate” e não a “invenção”? Por que a filosofia “nasceu” dessa forma. É
impossível (e injusto) pois atribuir tal método a fulano, beltrano ou sicrano.
A lógica diz que tudo
começou com as quatro perguntas clássicas, não respondidas ainda,
convincentemente, por ninguém, até hoje: o que sou? Onde estou? De onde venho?
Para onde vou?E o que Jostein Gaard escreveu a propósito, em seu livro “O mundo
de Sofia”? O escritor norueguês declarou: “(...) O mais interessante para nós
não é saber a quais respostas esses filósofos (os da natureza) chegaram
primeiro. O que interessa é refletir sobre as perguntas que eles fizeram e a
que tipo de resposta chegaram. Para nós é mais importante saber ‘como’ e não
exatamente ‘o que’ eles pensaram (...)”. Obviamente que concordo com essa
colocação.
Jost Gaard escreveu
mais: “(...) Sabemos que eles (os filósofos da natureza) levantaram questões
sobre as transformações perceptíveis na natureza. Tentavam descobrir leis
naturais que fossem também eternas. Queriam compreender os acontecimentos na
natureza sem para isso recorrer aos mitos ancestrais. Acima de tudo queriam
compreender os processos naturais através da observação da própria natureza.
Isso era algo completamente diferente de explicar raios e trovoes, inverno e
primavera, recorrendo ao mundo dos deuses. Dessa maneira, a filosofia
libertou-se da religião. Podemos dizer que os filósofos da natureza deram os
primeiros passos para o estabelecimento de um modo científico de pensar,
fundamentando todas as ciências naturais que vieram depois (...)”.
Filosofia e religião
adotam caminhos opostos na tentativa de responder, sobretudo, ás quatro
questões primordiais a nosso respeito, sobre o mundo em que vivemos, acerca da
nossa origem e nosso destino final. A primeira “duvida” e, a cada resposta,
formula novas perguntas, e sucessivamente, num processo interminável. A segunda
crê. O meio da primeira é o ceticismo. O da religião é a fé, ou seja, a crença
inabalável no que não se vê, não se ouve e que não pode ser apreendido pelos
sentidos. Ambos podem e devem conviver harmonicamente, sem necessidade de
conflitos.
As duas disciplinas tem
lá sua utilidade para o homem, sem que, necessariamente, tenham que abrir mão
de suas convicções. Não é, todavia, o que ocorre. O dogmatismo e seu nefasto
“subproduto”, o fanatismo, envenenam esse relacionamento. Num passado, nem tão
remoto assim, foram inúmeros os filósofos que foram presos, torturados e
mortos, sob acusação de “heresia”. Que direito eu tenho de coagir, agredir e
eliminar quem pensa diferente do que penso? Obviamente, nenhum! Onde a lógica
desse comportamento? Não há! O defeito, porém, não está nem na filosofia e nem
na religião. Está em quem as abraça e as segue: o homem.
Este ser tão frágil e
efêmero, contudo arrogante e prepotente, ainda está num processo de evolução,
posto que mental e espiritual. E tal processo demanda tempo, muito tempo, uma
infinidade de gerações. A dúvida que fica é: será que este animal que pensa
(mas não deixa de ser, sobretudo, animal) chegará ao desejável estado de
inteligência que implique no banimento de seus instintos de fera? Ou se
destruirá antes, e a tudo o que há neste planetazinho de tamanho ínfimo,
comparável a algo menor do que um reles grão de areia em uma praia sem fim se
confrontado com o universo? Perguntas, perguntas e perguntas....Infinitas e
irrespondíveis (por enquanto) perguntas...
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