A necessidade de um
projeto
Pedro
J. Bondaczuk
Qualquer empreendimento
– não importa se a construção de uma casa ou de algum outro objeto, ou a redação de um livro, por
exemplo – para ser viável e, portanto, bem-sucedido, requer, antes e acima de
tudo, que o empreendedor saiba com exatidão o que de fato quer. Isso vale,
claro, também para o estudo e, principalmente, para pesquisa, notadamente da
filosofia. Há outros tantos requisitos a considerar, mas este que citei é
absolutamente essencial e imprescindível. Ou seja, é indispensável que haja um
“projeto” prévio, logicamente factível, para viabilizar tais empreendimentos O
norueguês Jostein Gaarder deixa isso claro no livro “O mundo de Sofia”, ao
tratar das teses levantadas pelos filósofos da Antiguidade grega, nos
primórdios da Filosofia, na tentativa de explicar os fenômenos da natureza.
O escritor explicita, a
certa na altura do seu romance – que simultaneamente é uma aula de filosofia –
ao se referir às instruções dadas à jovem adolescente, personagem do seu livro,
desafiada a responder à questão: “pode algo surgir do nada?”, referindo-se á
origem do universo: “ (...) Como a maior parte dos filósofos viveram em outra
época – e talvez numa cultura completamente diferente da nossa – é importante
nos determos um pouco no que seria o ‘projeto’ de determinado filósofo. Isso
quer dizer que devemos procurar entender exatamente o que aquele filósofo
tentava descobrir. Um filósofo podia estar investigando o surgimento das
plantas e dos animais. Outro queria saber se existe um Deus ou se os homens
possuem uma alma imortal (...)”.
Faz todo o sentido, não
é mesmo? Por mais genial que o sujeito fosse, precisaria saber o que pretendia
pesquisar especificamente. Buscar explicações pára a “origem” e funcionamento
de TUDO seria o mesmo que não querer sair do lugar e não explicar coisíssima
alguma. Jostein, na pele do até então ainda misterioso personagem, o mestre –
do qual Sofia Amudsen, aliás, não conhecia nada e que jamais vira e nem ouvira
sua voz, mas apenas recebera mensagens dele pelo correio, e que se propusera a lhe ensinar princípios de
Filosofia – explica dessa forma a necessidade do estabelecimento de um tema
definido, de uma estratégia de raciocínio específica para seguir: “(...) Quando
finalmente conseguimos definir qual o projeto de determinado filósofo, torna-se
mais fácil acompanhar a sua linha de pensamento. Porque nenhum filósofo se
preocupa em responder a rodas as questões filosóficas (...)”. Reitero: nem
poderia! Se tentasse, certamente daria com os burros n’água. Não chegaria a
lugar algum.
E o misterioso mestre
prossegue, no texto de um extenso calhamaço que havia enviado pela manhã, pelo
correio, em um envelope pardo, á estupefata e intrigada adolescente de 14 anos,
às vésperas de completar 15: “(...) Não vou passar lição de casa para você –
muito menos vou lhe ensinar fórmulas matemáticas complicadas. Como se conjugam os verbos,
também está muito distante do meu interesse. Mas de vez em quando vou lhe pedir
que faça um pequeno exercício. Se você aceitar estas condições podemos
continuar (...)”. Certamente, o ainda misterioso mestre presumiu que a menina
aceitaria a tarefa que disse que lhe passaria. Porquanto, de imediato, passou a
se referir a um grupo específico de filósofos, com uma linha de pensamento
definida.
Gaarder, sempre
travestido do personagem, escreve: “(...) Os primeiros filósofos gregos
costumam ser chamados de filósofos da natureza, porque foram eles que primeiro
se interessaram pela natureza e pelos processos naturais. Já nos indagamos de
onde vêm todas as coisas. Muitas pessoas acreditam hoje que, num determinado
momento do passado, as coisas surgiram do nada. Esse pensamento não era muito
difundido entre os gregos. De uma maneira ou de outra eles acreditavam que
‘alguma coisa’ sempre existiu. Como tudo podia surgir a partir do nada não era
a pergunta mais importante, aliás. Os gregos frequentemente se intrigavam com o
fato de peixes poderem viver na água e com o fato de árvores imensas e flores
multicoloridas nascerem da terra sem vida. Para não mencionar o fato de um
pequeno bebê surgir para o mundo de dentro da mãe (...)”.
É preciso levar em
conta que naquele remotíssimo passado não havia o mínimo vestígio disso que
hoje denominamos de “ciência”. As tentativas das pessoas de explicarem os
fenômenos mais triviais da natureza, que hoje uma criança semi-alfabetizada é
capaz de entender sem grandes dificuldades, eram todas baseadas em mitos,
atribuídas a exóticos deuses, entendidas como “magia” e, claro, tudo não
passava de um conjunto de superstições, que hoje nos pasrece risível. Jostein
Gaarder prossegue: “(...) Os filósofos testemunhavam com seus próprios olhos
como ocorriam constantemente as transformações na natureza. Mas como essas
transformações eram possíveis? Como uma substância poderia evoluir de uma coisa
para algo totalmente diferente – uma forma de vida, por exemplo? Os primeiros
filósofos concordavam que deveria haver uma ‘substância primordial’ por trás de
todas as transformações. Como chegaram a essa conclusão não é fácil explicar.
Nós sabemos apenas que existia a noção de que deveria haver ‘algo’ que a tudo
originava e para onde tudo se voltaria (...)”. Descobrir essa ‘coisa’, então
sumamente misteriosa, todavia, era o grande projeto desses filósofos da
natureza. Voltarei a tratar dele.
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