Saturday, February 06, 2016

Procurando a formiga sem ver o elefante

Pedro J. Bondaczuk

A grande movimentação diplomática que vem se registrando, especialmente nos últimos dois anos, na América do Sul, é um sintoma dos mais animadores. É, como o presidente argentino, Raul Alfonsin, constatou, ontem, ao recepcionar os ministros de Relações Exteriores dos membros da Bacia do Prata, que estão reunidos em Buenos Aires: “A região começou a tomar uma inédita consciência a respeito da necessidade de integrar esforços para novas propostas de ação solidária”. Isso apenas foi possível depois que a democracia renasceu, em meio a dificuldades de toda a sorte, no continente.

Nos quase 170 anos de vida independente dos povos da América do Sul, a prática mais constante, em todos os países, quase sem nenhuma exceção, foi a de ressaltar nossas reduzidas diferenças, fazendo vistas grossas às extraordinárias semelhanças culturais, políticas, históricas, sociais e econômicas que temos. Nós, sul-americanos, nos preocupamos neste tempo todo em procurar uma quase invisível formiguinha perdida no chão e acabamos atropelados pelo elefante de uma monumental crise, que não conseguimos enxergar. Nossos países teriam todas as condições possíveis para a autossuficiência continental. Contam com o petróleo venezuelano, equatoriano e argentino; com o gás e o estanho bolivianos: com o cobre chileno, com os produtos industriais brasileiros e assim por diante. No setor alimentar, Argentina e Uruguai produzem o suficiente para nos alimentar a todos e ainda sobrar para transações com outros mercados. Pouco disso, porém, é usado em nosso proveito.

Ao invés de rompermos estúpidas e incompreensíveis barreiras que nós mesmos criamos através dos anos, temos inventado novas. E dispersos, temos nos revelado bastante fracos  Nos tornamos totalmente dependentes de países em estágios mais avançados de desenvolvimento. Enredados em nossas contradições, temos dado passos para trás, ao invés de evoluirmos. No terreno das intenções, até que a coisa anda relativamente bem. Mas na hora de realizar na prática aquilo que é tão bonito no papel, nos transformamos numa autêntica Babel. Cada um de nós passa a falar uma língua completamente estranha ao outro, como se não tivéssemos origens parecidas.

Tempos atrás, ensaiou-se, no continente, algo parecido com o Mercado Comum Europeu, com a criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc). O nome desse órgão ocupou enormes espaços nos noticiários, chegou a frequentar as manchetes, mas jamais passou do mero terreno das intenções. Até que acabou morrendo, de morte natural. Por um motivo que nenhum de nós conseguiria explicar, começamos a procurar, alhures, em condições bastante desvantajosas, aquilo que está bem nas nossas cercanias, a custos extremamente compensadores. E, com isso, “perdemos o bonde da história”. É verdade que os países mais expressivos do continente viveram um longo período de obscurantismo. Brasil, Argentina, Uruguai, Peru e Bolívia tiveram um demorado e forçado “jejum democrático” a ponte de quase morrerem de inanição, por falta de liberdade. Chile e Paraguai ainda vivem esse estado de coisas, sendo vozes dissonantes na atual realidade continental.

Durante essa longa noite que se abateu sobre aq América do Sul, no plano institucional, Colômbia e Venezuela foram duas honrosas exceções. Mas pouco poderiam fazer para mudar as coisas, já que se constituíam em absoluta minoria. E afundaram juntas, como todos nós. Mas se nossos regimes eram semelhantes, embora muito distantes do ideal, nossas práticas seguiam caminhos opostos, coincidindo, apenas, nos pontos negativos: todos nos endividamos além do que poderíamos pagar, nãso nos preocupamos com investimentos de longo prazo e nos esquecemos que “dona cegonha” nunca espera o tempo que o nosso empirismo precisaria para que, de experiência em experiência, de fracasso em fracasso, achássemos o caminho que nos conduzisse ao harmonioso desenvolvimento.

Nunca, porém, em nossa história as condições foram tão propícias às políticas integracionistas como agora. Há uma longa estrada aberta à nossa frente, o ânimo geral está fortalecido e temperado pela crise e só basta que iniciemos nossa caminhada rumo à criação do Mercado Comum Latino-Americano. Esse é o único caminho que temos para evitar a bancarrota total de nossas sociedades: a união irrestrita de vontades e de esforços.

(Artigo publicado na editoria Internacional, do Correio Popular, em 4 de abril de 1986)

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