Homens e ratos
Pedro J. Bondaczuk
O
escritor russo, Máximo Gorki, escreveu um magistral conto, “A Mãe”, em que
narra a história de uma criança paralítica, incapaz de se defender, que tem
várias partes de seu corpo comidas por ratos. Os roedores produzem-lhe chagas
enormes que sua mãe, imatura e irresponsável, não pode ou não quer evitar.
Todavia, como constatou Fedor Dostoiéwsky, “a
realidade sempre supera a ficção” em termos de crueza e dramaticidade. Algumas
situações no Brasil contemporâneo, na virada para o terceiro milênio da Era
Cristã, num país que é detentor da décima maior economia do mundo, são tão
insólitas, que nem o mais criativo dos dramaturgos ou o mais cruel dos sádicos
conseguiria elaborar.
É o caso da história de Edileusa Félix da Silva, de
24 anos, catadora de lixo na cidade pernambucana de Timbaúba, que tem um
elemento comum com o citado conto de Gorki: os ratos. Só que ao contrário do
menino da narrativa do escritor russo, nem ela e nem sua família são comidos
pelos roedores.
Comem-nos, há muitos anos, e até apreciam o seu
sabor, conforme admitiram. Não, evidentemente, por razões gastronômicas, mas
por causa da necessidade. Premidos pela fome.
Ressalte-se que não são as únicas pessoas a lançar mão
desse desesperado recurso e nem se deseja caracterizar Pernambuco como um
Estado onde a miséria atinja extremos. Temos, nas periferias de São Paulo e do
Rio de Janeiro, e talvez da própria Campinas, gente que sequer esse animal
asqueroso tem para comer. Daí causar revolva a ostensiva tentativa de alguns
para fazer com que o Plano Real tenha o mesmo destino do Cruzado e mediante a
mesma estratégia: o desabastecimento induzido.
Já estão sendo soltos os primeiros “balões de
ensaio” nesse sentido, divulgando-se uma inexistente “corrida às compras”.
Talvez uma ínfima parcela da parte “Bélgica”, dessa “Belíndia” que é o Brasil,
esteja, de fato, consumindo mais. Certamente, contudo, não são os assalariados.
Estes se dão por satisfeitos quando terminam o mês
sem deixar contas para trás. A situação, desta feita, é muito diversa da época
do Cruzado, que foi lançado junto com um reajuste salarial amplo.
Portanto, em nome das milhões de Edileusas que há
por esse País afora, forçadas a comer ratos – não somente em decorrência das
“vacas magras”, mas da ausência delas – dos milhões de subnutridos, de
subalimentados e dos reduzidos à condição subumana, convém não dar guarida aos
que conseguem prosperar às custas das desgraças e carências alheias.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 19 de outubro de 1994).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment