Friday, February 05, 2016

Algumas diferenças em relação ao cruzado

Pedro J. Bondaczuk

O duríssimo plano de austeridade econômica, imposto pelo presidente argentino, Raul Alfonsin, ao seu país, em 14 de julho passado, visando conter um voraz processo hiperinflacionário, começa, a partir de amanhã, a ser suavizado. Muita gente procura comparar o projeto Austral com o Plano Cruzado, posto em prática, na última sexta-feira, pelo presidente José Sarney, no Brasil. Há, de fato, algumas semelhanças entre as duas medidas, embora existam marcantes diferenças, tanto de intensidade, quanto de objetivos.

Enquanto a meta do presidente Alfonsin era apenas conter a inflação argentina, que na ocasião já alcançava um acumulado de doze meses superior a 1.000%, a do governo da Nova República olhou um pouquinho mais à frente. Tem, é claro, também a intenção de derrubar “as muralhas inflacionárias”, depois que as taxas se instalaram comodamente num novo patamar, o de 15% mensais; Mas pretende, acima de tudo, manter o País crescendo e a uma cifra anual mínima de 5%. De que maneira? Desviando as aplicações especulativas, que nenhum lucro traziam para a sociedade, para investimentos produtivos, através da eliminação dessa invenção verde e amarela chamada de “correção monetária”. Incentivando o pequeno poupador a guardar as pequenas migalhas que sobram de seu suado dinheirinho, para que elas cresçam e se multipliquem. E, sobretudo, dando uma sacudidela na país, para que os brasileiros entendam que a partir do instante em que o plano entrou em vigor, só mesmo com trabalho eles poderão conquistar aquilo que antes vinham procurando através de uma desregrada e oficializada jogatina. O fator psicológico das medidas, certamente, é dos mais importantes.

Outro ponto falho no Plano Austral, que no Cruzado foi corrigido, é a sua flexibilidade em relação ao salário. Na Argentina, ao contrário do Brasil, não foi instituída nenhuma escala móvel para proteger os ganhos do trabalhador quando, por qualquer razão, os preços voltassem a subir. Isso, como o presidente Alfonsin já percebeu, é uma bomba de tempo, capaz de detonar a qualquer instante, em greves e mais greves, complicando a recuperação de uma economia convalescente. Tanto notou esse pontop falho, que o está corrigindo. E hoje deverá anunciar ao país a concessão de um reajuste de 1,5 a 2% da inflação nos salários. A paralisação nacional bem-sucedida, promovida pela CGT, e que afetou toda a Argentina no dia 24 passado, abriu os olhos do governo desse país.

Resta saber se a central sindical irá aceitar um reajuste tão pequeno, especialmente quando se sabe que os aumentos de preços de alguns gêneros de consumo popular e de algumas tarifas foram de 11% em média, que já vigoram desde ontem. Por isso, Alfonsin volta a agitar uma outra tese: a do pacto social, que permita que o processo iniciado com o Plano Austral se consolide de vez e mantenha a inflação nos mesmos baixos níveis da época de implantação desse elenco de medidas.

O projeto brasileiro, a meu ver, é mais completo. E menos traumatizante. Um indicador positivo do que pode vir a acontecer entre nós, caso continue a exemplar mobilização popular, visando fazer com que todos respeitem o congelamento, foi o que se verificou ontem nas bolsas de valores. Houve um crescimento explosivo na compra de ações. Esse volume enorme de dinheiro aplicado vai levar oxigênio financeiro às empresas, permitindo que elas façam novos investimentos. Estes, por sua vez, gerarão mais empregos, mais mercadorias, mais vendas internas e externas e mais riquezas para dividir por toda a sociedade. É difícil, sem dúvida, fazer vingar uma mudança tão profunda num país com 135 milhões de habitantes. Mas se as coisas funcionarem a contento (e há grandes condições para isso), imaginem quanta energia haverá para ser liberada na geração de riquezas. O sucesso, portanto, aqui, como na Argentina, do Cruzado e do Austral, respectivamente, depende, apenas, da coesão dos respectivos povos em torno de um objetivo comum.

(Artigo publicado na Editoria Internacional, do Correio Popular, em 5 de março de 1986)

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