Algumas diferenças em
relação ao cruzado
Pedro
J. Bondaczuk
O duríssimo plano de
austeridade econômica, imposto pelo presidente argentino, Raul Alfonsin, ao seu
país, em 14 de julho passado, visando conter um voraz processo
hiperinflacionário, começa, a partir de amanhã, a ser suavizado. Muita gente
procura comparar o projeto Austral com o Plano Cruzado, posto em prática, na
última sexta-feira, pelo presidente José Sarney, no Brasil. Há, de fato,
algumas semelhanças entre as duas medidas, embora existam marcantes diferenças,
tanto de intensidade, quanto de objetivos.
Enquanto a meta do
presidente Alfonsin era apenas conter a inflação argentina, que na ocasião já
alcançava um acumulado de doze meses superior a 1.000%, a do governo da Nova
República olhou um pouquinho mais à frente. Tem, é claro, também a intenção de
derrubar “as muralhas inflacionárias”, depois que as taxas se instalaram
comodamente num novo patamar, o de 15% mensais; Mas pretende, acima de tudo,
manter o País crescendo e a uma cifra anual mínima de 5%. De que maneira?
Desviando as aplicações especulativas, que nenhum lucro traziam para a
sociedade, para investimentos produtivos, através da eliminação dessa invenção
verde e amarela chamada de “correção monetária”. Incentivando o pequeno poupador
a guardar as pequenas migalhas que sobram de seu suado dinheirinho, para que
elas cresçam e se multipliquem. E, sobretudo, dando uma sacudidela na país,
para que os brasileiros entendam que a partir do instante em que o plano entrou
em vigor, só mesmo com trabalho eles poderão conquistar aquilo que antes vinham
procurando através de uma desregrada e oficializada jogatina. O fator
psicológico das medidas, certamente, é dos mais importantes.
Outro ponto falho no
Plano Austral, que no Cruzado foi corrigido, é a sua flexibilidade em relação
ao salário. Na Argentina, ao contrário do Brasil, não foi instituída nenhuma
escala móvel para proteger os ganhos do trabalhador quando, por qualquer razão,
os preços voltassem a subir. Isso, como o presidente Alfonsin já percebeu, é
uma bomba de tempo, capaz de detonar a qualquer instante, em greves e mais
greves, complicando a recuperação de uma economia convalescente. Tanto notou
esse pontop falho, que o está corrigindo. E hoje deverá anunciar ao país a
concessão de um reajuste de 1,5 a 2% da inflação nos salários. A paralisação
nacional bem-sucedida, promovida pela CGT, e que afetou toda a Argentina no dia
24 passado, abriu os olhos do governo desse país.
Resta saber se a
central sindical irá aceitar um reajuste tão pequeno, especialmente quando se
sabe que os aumentos de preços de alguns gêneros de consumo popular e de
algumas tarifas foram de 11% em média, que já vigoram desde ontem. Por isso,
Alfonsin volta a agitar uma outra tese: a do pacto social, que permita que o
processo iniciado com o Plano Austral se consolide de vez e mantenha a inflação
nos mesmos baixos níveis da época de implantação desse elenco de medidas.
O projeto brasileiro, a
meu ver, é mais completo. E menos traumatizante. Um indicador positivo do que
pode vir a acontecer entre nós, caso continue a exemplar mobilização popular,
visando fazer com que todos respeitem o congelamento, foi o que se verificou
ontem nas bolsas de valores. Houve um crescimento explosivo na compra de ações.
Esse volume enorme de dinheiro aplicado vai levar oxigênio financeiro às
empresas, permitindo que elas façam novos investimentos. Estes, por sua vez,
gerarão mais empregos, mais mercadorias, mais vendas internas e externas e mais
riquezas para dividir por toda a sociedade. É difícil, sem dúvida, fazer vingar
uma mudança tão profunda num país com 135 milhões de habitantes. Mas se as
coisas funcionarem a contento (e há grandes condições para isso), imaginem
quanta energia haverá para ser liberada na geração de riquezas. O sucesso,
portanto, aqui, como na Argentina, do Cruzado e do Austral, respectivamente,
depende, apenas, da coesão dos respectivos povos em torno de um objetivo comum.
(Artigo publicado na Editoria
Internacional, do Correio Popular, em 5 de março de 1986)
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