Punidas pelo “delito”
de pensar
Pedro
J. Bondaczuk
A primeira filósofa da
Idade Contemporânea (esta que estamos vivendo), citada pela enciclopédia
eletrônica Wikipédia (que tomei como fonte de informação para esta série de
considerações sobre a influência feminina na História da Filoso0fia), foi, sem
tirar e nem pôr, mártir na defesa da liberdade de expressão. Foi presa muitas
vezes, apanhou bastante, foi torturada, espezinhada, ridicularizada e,
finalmente... assassinada, em 1919, pela polícia, em uma prisão da Alemanha.
Refiro-me a Rosa de Luxemburgo (1871-1919). Essa mulher corajosa foi, além de
lúcida pensadora, conhecida ativista política de esquerda. Em Paris,
participou, em 1906, da publicação do jornal “A Causa Operária”. Atuou, também,
no Partido Social Democrata Polonês. Teve participação relevante no III
Congresso da Internacional Socialista.
Vivesse em um mundo
racional e verdadeiramente civilizado, suas idéias seriam combatidas, pelos que
se opunham a elas, com outras tantas, sólidas e lógicas. Mas não, em vez disso,
foi coagida pela força bruta e finalmente assassinada pelos que não tinham
pensamento algum. E isso, 127 anos após a instituição da Declaração dos
Direitos Humanos, no auge da Revolução Francesa de 1792!!! Se para ativistas
masculinos, rebelar-se contra o “status quo” era (e em certa medida ainda é)
temeridade, imaginem para uma mulher, cercada de preconceito e com “papel”
subalterno e de submissão milenarmente definido!
Todavia, a força bruta
pode eliminar (e elimina) pessoas, mas jamais idéias. As obras de Rosa de
Luxemburgo, como “Acumulação do Capital”, “Contribuição para a explicação do
Imperialismo”, “Militarismo, guerra e classe operária” e “A Revolução Russa”,
estão aí, para serem aprovadas ou contestadas, mas com argumentos.
Infelizmente, pensar ainda é uma atividade perigosa, sobretudo para as
mulheres. No mesmo ano em que Rosa de Luxemburgo foi morta em uma prisão da
Alemanha, outra filósofa rebelde publicava seu primeiro ensaio de argumento
psicológico, intitulado “O erotismo”. Refiro-me a Lou Andreas-Salomé, nascida
na Rússia, mas naturalizada alemã.
Essa bela mulher,
nascida em 12 de fevereiro de 1861 e que morreu em 5 de fevereiro de 1937,
escandalizou a sociedade de seu tempo não só por suas idéias tidas como
“imorais” (por tratar de tema até então considerado tabu, o da sexualidade
feminina), mas também por quebrar várias regras sociais, que hoje seriam
consideradas ridículas, mas que então eram tidas e havidas como imutáveis. Seus
temas filosóficos principais eram a arte, a religião e a experiência amorosa,
com sólidos argumentos psicanalíticos, que então eram contestados e que hoje
são triviais e elementares. Lou participou de debates com notáveis
psicanalistas e não fez feio. Seus livros principais são: “Reflexões sobre os
problemas do amor”, “Religião e cultura”, “Jesus, o judeu” e “Meu agradecimento
a Freud”. Teve mais sorte do que Rosa de Luxemburgo. Não teve que enfrentar
prisões, torturas e nem a morte. Conviveu, “apenas”, com o repúdio social.
Já Edith Theresa
Hedwing Stein não teve a mesma sorte. Nascida em 12 de outubro de 1891, na
Polônia, era de origem judia. Entretanto, converteu-se ao catolicismo,
tornando-se monja da ordem das Carmelitas Descalças. Antes da ascensão do
nazismo, lecionou na Universidade de Gottinger. Em 1915, prestou relevantes
serviços na Cruz Vermelha, durante a Primeira Guerra Mundial. A partir de 1925,
dedicou-se a intensa atividade intelectual, quando traduziu obras de Santo
Tomás de Aquino e do filósofo e cardeal John Henry Newman. Nessa ocasião,
publicou o livro “Sobre o Estado e a Fenomenologia de Husserl”.
Edith Stein, todavia,
também interessou-se pela questão feminina, tanto na filosofia, quanto na
religião. A esse propósito publicou a obra “Ethos das profissões das mulheres”.
Essa notável e erudita filósofa tinha tudo para encerrar sua vida reconhecida,
homenageada e reverenciada pelo que foi, pensou e fez. Todavia... era de origem
judia. E isso foi suficiente para que os nazistas a prendessem e a enviassem
para o “campo da morte” de Auschwitz. Ali, Edith Stein foi executada, na câmara
de gás, em 9 de agosto de 1942.
A espanhola Maria
Zambrano fez história quando se tornou a primeira mulher a ser agraciada com o
Prêmio Miguel de Cervantes, por sua notável obra literária. Ela nasceu em 22 de
abril de 1904 e morreu, meses antes de completar 87 anos de idade, em 6 de
fevereiro de 1991. Em 1936, integrou um grupo de intelectuais que tinham como
missão a educação popular, que visava atingir as camadas mais pobres da
população. Sua magnífica obra relaciona filosofia e poesia, mito e razão,
paixão e intelecto, reflexão e ação. Enfatizou, ainda, o papel dos intelectuais
e o sentido da História. Seus livros mais conhecidos são “A metáfora do coração
e outros escritos” e “O sonho criador”.
A filósofa alemã, de
origem judia, Hannah Arendt, foi uma das figuras que mais influenciaram o
pensamento filosófico do século XX, ao lado de ilustres pensadores masculinos,
aos quais não ficou nada a dever. É uma das intelectuais sobre as quais mais
tenho escrito, sobretudo por sua marcante e inteligente abordagem sobre a natureza do mal. Ela nasceu
em 14 de outubro de 1906. Durante a Segunda Guerra Mundial, deixou a Alemanha e
só por isso não teve o mesmo trágico destino da compatriota Edith Stein. Sua
filosofia foi influenciada pelo pensamento de Martin Heidegger, Immanuel Kant e
Walter Benjamim.
A partir do seu livro
“As origens do totalitarismo”, promoveu profunda reflexão sobre os
acontecimentos de sua época. Além de pensar, de um modo novo, a política, fez
duras e pertinentes críticas à tradição filosófica de então. Suas obras mais
famosas, que constam das boas bibliotecas, são: “A banalidade do mal”, “A vida
do espírito. O pensar, o querer e o julgar”, “A condição humana”, “Entre o
passado e o futuro”, “Crises da República” e “Eichman em Jerusalém”. Hannah
Arendt morreu em Nova York, em 4 de dezembro de 1975.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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