Umberto Eco e Harper
Lee “passaram o bastão”
Pedro
J. Bondaczuk
O notável filósofo,
orador, escritor, advogado e político romano – considerado um dos intelectuais
mais ecléticos não somente da Roma antiga, mas de todos os tempos –, Marcus
Tulius Cícero escreveu (se não me falha a memória em “Cartas a Lucílio”): “As
letras são o alimento da juventude, a paixão da idade madura e a recreação da
velhice; dão-nos brilho na prosperidade, e são uma consolação, um recurso no
infortúnio; fazem as delícias do gabinete, e não embaraçam em nenhuma situação
da vida; de noite servem-nos de companhia, e vão conosco para o campo e em
viagem”. É uma das definições mais lúcidas e verdadeiras que já tive a
oportunidade de ler da importância da Literatura.
Os que amam as chamadas
“belas letras” e são condicionados, desde muito cedo, a reverenciar os que as
produzem e lhes dão vida, estabelecendo com eles uma intimidade que prescinde
da presença física, sentem que se abre um imenso vazio na alma, impossível de
se preencher, quando tomam conhecimento da morte de algum desses escritores que
aprenderam a reverenciar. É como me sinto nesta sexta-feira, 19 de fevereiro de
2016, ao ser informado, pelos meios de comunicação, do desaparecimento físico
logo de dois deles: do eclético e profundo mestre italiano da arte de escrever,
Umberto Eco e da notável norte-americana, autora do consagrado romance “O sol é
para todos” (com o qual conquistou um merecido Prêmio Pulitzer), Harper Lee.
Ambos eram
octogenários, é certo. Ele tinha 84 anos e, apesar de conviver com o câncer,
mantinha frenética atividade, deixando, inclusive, novo livro concluído que em
breve estará à disposição do público, pelo menos da Itália. Ela, por seu turno,
era cinco anos mais velha. Estava com 89 anos e vivia reclusa em uma casa de
repouso em sua cidade natal do Estado do Alabama. Embora em 2015 tenha sido
lançado seu novo livro, “Vá, coloque um vigia”, que de imediato, esgotou várias
edições – milhares de leitores fizeram fila na porta das livrarias tão logo
souberam do lançamento – este foi escrito muito tempo antes, embora não se
saiba quanto. Seu manuscrito foi descoberto, em 2014, nos arquivos de Harper
Lee e os editores imediatamente se interessaram em publicá-lo. E fizeram bem,
claro. O romance é uma continuação de “O sol é para todos”, seu premiado livro
de estréia lançado em 1960, que vendeu algo como 50 milhões de cópias e se
tornou clássico da modernidade.
A escritora, há muito
reclusa, reitero, não tinha condições físicas, ou ânimo, ou ambos, de escrever
mais nada, por sofrer de deficiências visuais e auditivas. Ainda bem que os
manuscritos de “Vá, coloque um vigia”, foram providencialmente descobertos. Os
amantes da boa literatura agradecem. Não poderiam ficar privados dessa jóia
literária. Não ficaram. Não ficarão! Esse novo livro, que já vendeu tanto
quando do lançamento, tende a vender muito mais. Pena que quem o escreveu não
escreverá mais nada, nunca mais. Na ocasião da publicação desse “novo-velho”
romance, Harper Lee mostrou-se surpresa. Chegou a afirmar, em entrevista:
"Não tinha me dado conta que havia sobrevivido, então fiquei surpresa e
feliz quando minha querida amiga e advogada Tonja Carter o descobriu", Por
isso, recomendo, sempre que posso, aos escritores: “Mantenham seus papeis
pessoais sempre em dia”. E, sobretudo, rogo aos seus parentes: “Jamais se
desfaçam dos arquivos desses artífices das palavras, mesmo não compreendendo
sua natureza e sua importância. Podem se tratar (e geralmente se tratam mesmo)
de preciosos tesouros”.
O leitor deve estar
esperando que eu escreva algo sobre Umberto Eco. Não o farei. E precisa? Este
foi um dos escritores sobre o qual mais comentei. Ainda recentemente, partilhei
com vocês, com as minhas canhestras opiniões, seus irônicos comentários a
propósito das redes sociais, quando disse o que muitos quiseram (e querem)
dizer, mas que não tiveram (e não têm) coragem: que elas deram “voz aos
imbecis”. E não deram?!!! Lemos, a todo o momento, absurdos tão surreais,
dignos de um Ionesco ou de um Kafka (posto que sem mísero milésimo do talento
desses dois), desses de irritarem até mesmo estátuas de pedra, nesses
democráticos e nem sempre bem aproveitados espaços. Não somente comentei alguns
livros de Umberto Eco (sobretudo “Número Zero” e “O nome da rosa”), como citei-o,.
em inúmeras oportunidades, em vários outros contextos, reproduzindo suas sempre
pertinentes, posto que polêmicas opiniões sobre obras de muitos escritores.
Coincidentemente, hoje
(20 de fevereiro de 2016), entre as diversas reflexões que compartilho
diariamente com os amigos no Facebook, postei uma, tratando da “passagem de
bastão”. Juro que não foi proposital. Só me dei conta da pertinência desse
curto texto, no caso das mortes de Umberto Eco e de Harper Lee, quando iniciei
este comentário. Para quem não leu o que escrevi nessa rede social, transcrevo
agora:
“Uma carreira
artística, acadêmica ou profissional, embora pareça longa (muitas vezes
interminável), é extremamente limitada no tempo. E tal limite nunca sabemos
localizar onde está. Pode ser no segundo seguinte, dada, inclusive, a nossa
própria efemeridade, nosso encontro com a morte, ou dentro de cinqüenta anos ou
mais, não importa. O fato é que sempre chega uma hora em que somos forçados a
parar, a ceder lugar para substitutos, a passar o bastão para sucessores,
melhores ou piores do que nós, não importa. Ninguém é insubstituível. Como se vê, é muito tênue (diria sutil) a
linha que separa o sucesso do fracasso. Há quem faça tudo certo, seja
preparado, dedicado, obstinado e competente e ainda assim não logre êxito.
Falta-lhe quem lhe dê a oportunidade de mostrar o que é e o que faz. E isso é
fundamental”.
Umberto Eco e Harper
Lee, portanto, completaram as respectivas missões a que se propuseram. As
circunstâncias fizeram com que “ passassem
o bastão” para novos escritores, que terão, doravante, o desafio de produzirem
obras pelo menos tão boas como as que produziram. É a lei da vida. É a
conseqüência da nossa efemeridade. Que seus sucessores, no mínimo, leguem à
humanidade livros que se aproximem, em qualidade e verdade, aos desses dois,
que acabam de deixar a vida para entrarem, definitivamente, na história da
Literatura mundial, como lídimos clássicos das letras de seus respectivos
países.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment