Sunday, February 21, 2016

Umberto Eco e Harper Lee “passaram o bastão”

Pedro J. Bondaczuk

O notável filósofo, orador, escritor, advogado e político romano – considerado um dos intelectuais mais ecléticos não somente da Roma antiga, mas de todos os tempos –, Marcus Tulius Cícero escreveu (se não me falha a memória em “Cartas a Lucílio”): “As letras são o alimento da juventude, a paixão da idade madura e a recreação da velhice; dão-nos brilho na prosperidade, e são uma consolação, um recurso no infortúnio; fazem as delícias do gabinete, e não embaraçam em nenhuma situação da vida; de noite servem-nos de companhia, e vão conosco para o campo e em viagem”. É uma das definições mais lúcidas e verdadeiras que já tive a oportunidade de ler da importância da Literatura.

Os que amam as chamadas “belas letras” e são condicionados, desde muito cedo, a reverenciar os que as produzem e lhes dão vida, estabelecendo com eles uma intimidade que prescinde da presença física, sentem que se abre um imenso vazio na alma, impossível de se preencher, quando tomam conhecimento da morte de algum desses escritores que aprenderam a reverenciar. É como me sinto nesta sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016, ao ser informado, pelos meios de comunicação, do desaparecimento físico logo de dois deles: do eclético e profundo mestre italiano da arte de escrever, Umberto Eco e da notável norte-americana, autora do consagrado romance “O sol é para todos” (com o qual conquistou um merecido Prêmio Pulitzer), Harper Lee.

Ambos eram octogenários, é certo. Ele tinha 84 anos e, apesar de conviver com o câncer, mantinha frenética atividade, deixando, inclusive, novo livro concluído que em breve estará à disposição do público, pelo menos da Itália. Ela, por seu turno, era cinco anos mais velha. Estava com 89 anos e vivia reclusa em uma casa de repouso em sua cidade natal do Estado do Alabama. Embora em 2015 tenha sido lançado seu novo livro, “Vá, coloque um vigia”, que de imediato, esgotou várias edições – milhares de leitores fizeram fila na porta das livrarias tão logo souberam do lançamento – este foi escrito muito tempo antes, embora não se saiba quanto. Seu manuscrito foi descoberto, em 2014, nos arquivos de Harper Lee e os editores imediatamente se interessaram em publicá-lo. E fizeram bem, claro. O romance é uma continuação de “O sol é para todos”, seu premiado livro de estréia lançado em 1960, que vendeu algo como 50 milhões de cópias e se tornou clássico da modernidade.

A escritora, há muito reclusa, reitero, não tinha condições físicas, ou ânimo, ou ambos, de escrever mais nada, por sofrer de deficiências visuais e auditivas. Ainda bem que os manuscritos de “Vá, coloque um vigia”, foram providencialmente descobertos. Os amantes da boa literatura agradecem. Não poderiam ficar privados dessa jóia literária. Não ficaram. Não ficarão! Esse novo livro, que já vendeu tanto quando do lançamento, tende a vender muito mais. Pena que quem o escreveu não escreverá mais nada, nunca mais. Na ocasião da publicação desse “novo-velho” romance, Harper Lee mostrou-se surpresa. Chegou a afirmar, em entrevista: "Não tinha me dado conta que havia sobrevivido, então fiquei surpresa e feliz quando minha querida amiga e advogada Tonja Carter o descobriu", Por isso, recomendo, sempre que posso, aos escritores: “Mantenham seus papeis pessoais sempre em dia”. E, sobretudo, rogo aos seus parentes: “Jamais se desfaçam dos arquivos desses artífices das palavras, mesmo não compreendendo sua natureza e sua importância. Podem se tratar (e geralmente se tratam mesmo) de preciosos tesouros”.

O leitor deve estar esperando que eu escreva algo sobre Umberto Eco. Não o farei. E precisa? Este foi um dos escritores sobre o qual mais comentei. Ainda recentemente, partilhei com vocês, com as minhas canhestras opiniões, seus irônicos comentários a propósito das redes sociais, quando disse o que muitos quiseram (e querem) dizer, mas que não tiveram (e não têm) coragem: que elas deram “voz aos imbecis”. E não deram?!!! Lemos, a todo o momento, absurdos tão surreais, dignos de um Ionesco ou de um Kafka (posto que sem mísero milésimo do talento desses dois), desses de irritarem até mesmo estátuas de pedra, nesses democráticos e nem sempre bem aproveitados espaços. Não somente comentei alguns livros de Umberto Eco (sobretudo “Número Zero” e “O nome da rosa”), como citei-o,. em inúmeras oportunidades, em vários outros contextos, reproduzindo suas sempre pertinentes, posto que polêmicas opiniões sobre obras de muitos escritores.

Coincidentemente, hoje (20 de fevereiro de 2016), entre as diversas reflexões que compartilho diariamente com os amigos no Facebook, postei uma, tratando da “passagem de bastão”. Juro que não foi proposital. Só me dei conta da pertinência desse curto texto, no caso das mortes de Umberto Eco e de Harper Lee, quando iniciei este comentário. Para quem não leu o que escrevi nessa rede social, transcrevo agora:

“Uma carreira artística, acadêmica ou profissional, embora pareça longa (muitas vezes interminável), é extremamente limitada no tempo. E tal limite nunca sabemos localizar onde está. Pode ser no segundo seguinte, dada, inclusive, a nossa própria efemeridade, nosso encontro com a morte, ou dentro de cinqüenta anos ou mais, não importa. O fato é que sempre chega uma hora em que somos forçados a parar, a ceder lugar para substitutos, a passar o bastão para sucessores, melhores ou piores do que nós, não importa. Ninguém é insubstituível.  Como se vê, é muito tênue (diria sutil) a linha que separa o sucesso do fracasso. Há quem faça tudo certo, seja preparado, dedicado, obstinado e competente e ainda assim não logre êxito. Falta-lhe quem lhe dê a oportunidade de mostrar o que é e o que faz. E isso é fundamental”.

Umberto Eco e Harper Lee, portanto, completaram as respectivas missões a que se propuseram. As circunstâncias fizeram com que “      passassem o bastão” para novos escritores, que terão, doravante, o desafio de produzirem obras pelo menos tão boas como as que produziram. É a lei da vida. É a conseqüência da nossa efemeridade. Que seus sucessores, no mínimo, leguem à humanidade livros que se aproximem, em qualidade e verdade, aos desses dois, que acabam de deixar a vida para entrarem, definitivamente, na história da Literatura mundial, como lídimos clássicos das letras de seus respectivos países.


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