Tuesday, February 02, 2016

O Paraíso perdido. Perdido?

Pedro J. Bondaczuk

A busca por um hipotético Paraíso, de onde o homem teria sido expulso “no princípio dos tempos”, por haver desobedecido o Criador, é tema de cogitação e de anseio de bilhões de pessoas através do tempo, na sucessão de gerações. Trata-se de um mundo ideal, lugar idílico e perfeito onde inexistem a morte, a maldade e a dor. Todas as religiões falam desse local perfeito, com variações na sua descrição e e suas delícias, onde "o cordeiro confraterniza-se com o leão, a corsa com o tigre" e não há servos e nem senhores. Seria um recanto em que subsistiria a pureza original e não haveria sujeiras ou impurezas de nenhuma espécie, nem materiais e nem espirituais. Os grandes místicos descreveram em detalhes tal Paraíso, que os cépticos duvidam que exista e o atribuem apenas à fantasia. É possível ao ser humano criar um recanto de luz, em que a felicidade seja perene e interminável e se constitua na única regra?

Com os pressupostos atuais, não!!! Enquanto o homem não se livrar dos seus desejos, não desatar os nós da sua ambição que o prendem a objetos, não eliminar sua obsessão pelo poder, não se conscientizar que o "ser" é que é importante, e não o "ter", continuará desperdiçando sua vida, sofrendo toda a sorte de agruras, dores, frustrações e medos, mergulhado em angústias, correndo atrás do nada. Sidarta Gauthama já ensinava que a fonte de toda a desgraça humana é o desejo. Explicava que ele engendra toda a gama de sentimentos daninhos que atormentam as pessoas e fazem com que elas atormentem os semelhantes. Os grandes mestres ensinaram, com mínimas variações, a mesma coisa. E deram exemplos de vidas abnegadas para fundamentar esses ensinamentos. Tanto que nenhum deles foi rico. Não, pelo menos, com o que se entende hoje como riqueza.

Não só líderes religiosos trataram (e tratam) desse tema, mas também filósofos, como por exemplo Platão, para o qual o único paraíso do homem é “a paz no coração”. Faz sentido. Não vou entrar no mérito da questão, se as religiões têm ou não razão nas visões que pintam desse mundo ideal e nem expressar minha opinião a propósito.  Esse é um tema sobre o qual é impossível, ou quase, travar debates racionais. Tem a ver com a crença das pessoas. E quem sou eu para dizer que Fulano, Sicrano ou Beltrano estão certos (ou estão errados) em suas convicções?!! Trato-o, sim, mas com enfoque puramente literário.

Como não poderia deixar de ser, a Literatura vem explorando, há muito, desde sua origem, esse tema, e sob os mais variados aspectos. Inúmeros poemas foram escritos a respeito, com visões ora profanas, ora místicas, dependendo da crença e da formação de cada poeta. No primeiro caso, cito, a título de exemplo, o poema “Paraíso”, composto por Fernando Pessoa em 6 de novembro de 1912, que transcrevo abaixo:

“Se houver além da Vida um Paraíso,
Outro modo de ser e de viver,
Onde p’ra ser feliz seja preciso
Apenas ser;

Onde uma Nova Terra áurea receba
Lágrimas, já diversas, de alegria,
E em Outro Sol nosso olhar outro beba
Um Novo e Eterno Dia;


Onde a Áspide e a Pomba de nossa alma
Se casem, e com a Alma Exterior
Numa unidade dupla – sua e calma –
Nossa alma viva, e à flor

De nós nosso intimo sentir decorra
Em outra Coisa que não Duração,
E nada canse porque viva ou morra –
Acalmaremos então?

Não: uma outra ânsia, a de infelicidade,
Tocar-nos-á como uma brisa que erra,
E subirá em nós a saudade
Da imperfeição da Terra”.

Quanto ao aspecto espiritual desse almejado mundo de perfeição, o poeta inglês John Milton publicou, em 1667 (com uma segunda versão em memória da “Eneida” de Virgílio publicada sete anos depois, em 1674) toda uma epopéia, composta por doze cantos, com base no relato do livro de “Gênesis”, da Bíblia. Refiro-me ao clássico “Paraíso perdido”. Claro que não foram só esses dois poetas, com visões tão diversas, que escreveram a respeito. Foram milhares e milhares e milhares. Escritores de diversas épocas e tendências, igualmente registraram suas opiniões a propósito. Como Clariece Lispector, que escreveu: “Não estou à altura de ficar no paraíso porque o paraíso não tem gosto humano”. Ou como Marcel Proust, para quem “os paraísos perdidos estão somente em nós mesmos”. Ou como o genial (posto que de mal com o mundo e com a humanidade), Ambrose Bierce: “Paraíso: um sítio onde os maus deixam de nos aborrecer com os seus assuntos pessoais, e os bons ouvem atentamente quando contamos os nossos”. Essa sua definição consta do livro “Dicionário do Diabo” (cruz credo!!!).

A serenidade, advinda do despojamento, é o fundamento desse Paraíso para "O Buda", que o descreveu desta maneira: "O espaço é sereno e a tranqüilidade infinita. Nem frio, nem dores, no meu reino luminoso. O odor do nardo perfuma o ambiente e a vida dos espíritos, balançados nas asas da alegria, sem travos de saudade, não terá fim nem terá cansaços. As mães beijarão os filhos encantadas; os noivos, esquecendo os madrigais inúteis, mostrarão às suas amadas o céu repleto de canções, como o trigal cheio de espigas douradas. Não haverá noite, não haverá sono, mas somente o hálito do destino a aquecer o coração dos crentes e a banhá-los na felicidade indestrutível".

A Bíblia descreve o Éden mais ou menos da mesma forma. Fica a pergunta (e que cada um responda por si, de conformidade com suas crenças): Existe este Paraíso, este Walhala, este reino de delícias? Onde está? Em algum recanto da Terra? No Sistema Solar? Em um planeta ao redor de outra estrela da Via Láctea? Em outra galáxia, alhures? Onde está? Como chegar até ele? Para o escritor russo, Fedor Dostoievski, ele existe e estamos nele; É a “vida”. Mas ele complementa: “todavia os homens não o sabem e não se preocupam em sabê-lo”. Jorge Luís Borges, por sua vez, revelou: “Sempre imaginei que o paraíso será uma espécie de biblioteca”. Volta e meia chego a pensar da mesma forma. Mas... este Paraíso existe? Como é? Onde está? Como chegar a ele? Consulte o seu coração..

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.


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