Monday, February 01, 2016

Armas ou pão


Pedro J. Bondaczuk


O discurso feito pelo presidente norte-americano Ronald Reagan no dia 5 passado, por uma rede de emissoras de televisão dos EUA, abordando a imediata providência que deve ser adotada pelo seu governo para combater a inflação daquele país é, no mínimo, alarmante. Falando no Salão Oval da Casa Branca, ele abriu o seu primeiro pronunciamento à nação depois de eleito, advertindo o povo sobre a ameaça de uma "calamidade econômica" que pesa sobre a superpotência ocidental. Em princípio as providências que ele propõe para debelar essa distorção da economia do Ocidente, não apresentam maiores novidades. Reagan já as havia anunciado durante toda a sua campanha eleitoral. E elas, inclusive, foram a causa determinante da sua esmagadora e contundente vitória nas eleições presidenciais de novembro passado sobre Jimmy Carter.

O que deve assustar os países que sempre viveram na sombra dos EUA para se manterem, é o último tópico do seu pronunciamento. Disse o presidente, ao encerrar a sua fala: "Não podemos continuar desperdiçando às custas desta terra e de nossos filhos. Podemos começar a recompensar o árduo trabalho e a assunção dos riscos, fazendo com que o governo funcione dentro dos limites de seus recursos". Para os desavisados --- ou mal informados --- Reagan fez, nesse trecho do seu discurso, uma alusão indireta à decisão da Casa Branca, tomada no início da semana passada, de suspender toda e qualquer ajuda financeira aos países subdesenvolvidos, que não seja de caráter militar. E para que as falidas economias das nações mais pobres não as conduzam a convulsões sociais semelhantes às que ocorrem atualmente nas caóticas Repúblicas de El Salvador e da Guatemala, Washington está disposto a continuar provendo-as de armas para conter as eventuais revoltas populares que a fome possa inspirar.

Logo no início do seu pronunciamento, Reagan afirmou que a inflação e o desemprego nos EUA deveriam ser combatidos ao mesmo tempo. Aparentemente, segundo os padrões ortodoxos dos economistas conservadores daquele país, isso é impossível. Conforme eles, os ataques às altas inflacionárias devem necessariamente passar por medidas recessivas para "desinchar" --- deflacionar --- a economia. E a recessão, como até os leigos sabem, conduz a elevados índices de desemprego. Como Reagan conciliaria as duas coisas? Muito fácil. Protegendo a indústria nacional contra a concorrência externa. Com isso ele garantiria o mercado interno para as empresas exclusivamente norte-americanas, criando novos empregos, em vez  de diminuí-los, diante da necessidade de substanciais aumentos da produção.

No dia 2 passado, o deputado democrata de Massachusetts, Brian Donnely, anunciou que recomendará ao Executivo do seu país, não apenas o prosseguimento, mas principalmente a elevação das restrições oficiais às importações de calçados dos EUA. E justificou a providência citando a crescente competição dos produtos estrangeiros --- inclusive do Brasil --- o que estaria levando muitas indústrias do seu Estado ao fechamento, deixando, em conseqüência, milhares de novos trabalhadores sem emprego.

Alguns podem argumentar que, por esta proposta ser de autoria de um parlamentar oposicionista, dificilmente ela passará no novo Congresso, de predominância republicana. Puro engano. O próprio presidente Reagan deu seguidas indicações de que esta é, também, não apenas a sua intenção, como principalmente a fórmula que encontrou para combater a inflação nacional, sem aumentar o desemprego.

Dessa forma, aqueles que durante todos estes anos viveram quase que exclusivamente à sombra do grande gigante do Norte do continente, devem se acautelar. E buscar fontes alternativas para financiar seu desenvolvimento. Caso contrário, terão que se conformar com a nova política de Reagan; que vai buscar transformá-los --- por questões até mesmo estratégicas --- de "Repúblicas de Banana", em meros Estados policiais.

(Artigo publicado na página 2, de Opinião, do Diário do Povo em 17 de fevereiro de 1981)


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