Thursday, February 25, 2016

Consensual sábio da Grécia

Pedro J. Bondaczuk

A importância de Tales de Mileto para a humanidade vai muito além do fato dele ser considerado o primeiro filósofo do Ocidente. Na realidade não foi (e a mais elementar das lógicas indica isso). Mas é, em termos cronológicos, o primeiro pensador do Ocidente de quem restaram as principais ideias, graças, sobretudo, ao empenho de Aristóteles. Não faz mal algum deixar que fique com essa primazia, ora bolas! Pelo que se sabe dele, Tales foi um homem ávido por conhecimentos, que  buscou onde mais poderia encontrá-los e absorvê-los. Para tanto, viajou, e muito, e num tempo em que se deslocar de uma cidade para outra, localizada, digamos, a 50 quilômetros, era uma aventura que exigia coragem e disposição. Ainda mais quando a viagem era feita a pé.

Tales, por exemplo, aprendeu Astronomia com os maiores especialistas na matéria, na época: os caldeus, que estavam muito à frente dos outros povos no que diz respeito a essa ciência. E também com os babilônios. No Egito, absorveu ensinamentos preciosos sobre construções, além de se aperfeiçoar em matemática. E vai por aí afora. Em cada lugar que esteve, aprendeu alguma coisa nova, e útil, quer para ele, quer para sua comunidade. Não por acaso, tem seu nome marcado na História do conhecimento e da cultura como um dos sete sábios da Grécia.

Observe-se que essa relação variou muito ao longo do tempo, com vinte e dois nomes diferentes citados, sempre na escala de sete. Todavia, em nenhuma dessas listas jamais Tales de Mileto foi excluído. E ninguém consegue tanto prestígio intelectual, convenhamos, de graça, sem que tenha méritos para isso. Até porque, a tendência humana (que nunca mudou) é a de depreciar pessoas notáveis e não de reconhecê-las. A relação mais aceita (posto que não consensual) dos sete sábios da Grécia, a elaborada pelo historiador grego, que assumiu a cidadania romana,  Plutarco, é: Tales de Mileto, Bias de Priene, Pitaco de Mitilene, Sólon de Atenas, Quilon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Anacarses. Já a lista do escritor romano Higino varia em um único nome. Inclui Periandro de Corinto, com a exclusão de Anacarses.

Outros nomes, que aparecem em algum desses “rankings” de sabedoria, além dos citados, são: Periandro, Míson, Aristodemo, Epiménides, Leofanto, Pitágoras, Epicarmo, Acusilau, Orfeu, Pisístrato, Ferecides, Hermióneo, Laso, Panfilo e Anaxágoras. Todavia, de nenhuma dessas tantas listas Tales de Mileto é excluído. Merece, pois, com todas as honras, a classificação de “gênio”, que de fato foi. Não importa que sua teoria, de que a água é a substância primordial de todas as coisas, tenha sido derrubada e que hoje muitos a considerem ridícula. Quem age assim, todavia, com tamanha irreverência (ou seria burrice?) e falta de respeito é incapaz, entre tantas outras coisas, de ao menos contextualizar seja o que for. Porém, para a época em que Tales viveu, essa idéia era absolutamente revolucionária.

Leio, na enciclopédia eletrônica Wikipédia, a transcrição do seguinte trecho do livro do polêmico filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “A Filosofia na idade trágica dos gregos”, em que ele comenta as conclusões desse sábio de época tão remota: “A Filosofia grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição: a água é a matriz e a origem de todas as coisas. Será mesmo necessário determo-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o fazs sem imagem e fabulação e, enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida (estado latente, prestes a se transformar), está contido o pensamento: ‘Tudo é Um’. A razão citada em primeiro lugar, deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e o mostra como investigador da natureza, mas em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego”. E eu aduziria: pelo menos cronologicamente.

Como ocorre com quase todo sujeito famoso, há muita lenda em torno do sábio de Mileto. Plutarco relata uma delas, que não se sabe se é ficção ou se tem algum fundo de verdade. Não ponho minha mão no fogo. A referida versão dá conta que, “usando seu conhecimento astronômico e meteorológico (provavelmente herdado dos babilônios), Tales previu excelente colheita de azeitonas com um ano de antecedência. Sendo homem prático, conseguiu dinheiro para alugar todas as prensas de azeite de oliva da região e, quando chegou o verão, os produtores de azeite tiveram que pagar a ele pelo uso das prensas, o que o levou a ganhar uma grande fortuna com esse negócio”.

É fato? É lenda? Se não for realidade, é como dizem os italianos: “se non é vero é bem trovato”. Não se pode duvidar, no entanto, do espírito prático de um sábio. E, como demonstrei acima, Tales de Mileto firmou prestígio, que permanece três milênios após sua morte, de sabedoria e praticidade. Foi, portanto, um gênio, digno de reverência e de imitação.


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