Consensual sábio da
Grécia
Pedro
J. Bondaczuk
A importância de Tales
de Mileto para a humanidade vai muito além do fato dele ser considerado o
primeiro filósofo do Ocidente. Na realidade não foi (e a mais elementar das
lógicas indica isso). Mas é, em termos cronológicos, o primeiro pensador do
Ocidente de quem restaram as principais ideias, graças, sobretudo, ao empenho
de Aristóteles. Não faz mal algum deixar que fique com essa primazia, ora
bolas! Pelo que se sabe dele, Tales foi um homem ávido por conhecimentos,
que buscou onde mais poderia encontrá-los
e absorvê-los. Para tanto, viajou, e muito, e num tempo em que se deslocar de
uma cidade para outra, localizada, digamos, a 50 quilômetros, era uma aventura
que exigia coragem e disposição. Ainda mais quando a viagem era feita a pé.
Tales, por exemplo,
aprendeu Astronomia com os maiores especialistas na matéria, na época: os
caldeus, que estavam muito à frente dos outros povos no que diz respeito a essa
ciência. E também com os babilônios. No Egito, absorveu ensinamentos preciosos
sobre construções, além de se aperfeiçoar em matemática. E vai por aí afora. Em
cada lugar que esteve, aprendeu alguma coisa nova, e útil, quer para ele, quer
para sua comunidade. Não por acaso, tem seu nome marcado na História do
conhecimento e da cultura como um dos sete sábios da Grécia.
Observe-se que essa
relação variou muito ao longo do tempo, com vinte e dois nomes diferentes
citados, sempre na escala de sete. Todavia, em nenhuma dessas listas jamais
Tales de Mileto foi excluído. E ninguém consegue tanto prestígio intelectual,
convenhamos, de graça, sem que tenha méritos para isso. Até porque, a tendência
humana (que nunca mudou) é a de depreciar pessoas notáveis e não de
reconhecê-las. A relação mais aceita (posto que não consensual) dos sete sábios
da Grécia, a elaborada pelo historiador grego, que assumiu a cidadania
romana, Plutarco, é: Tales de Mileto,
Bias de Priene, Pitaco de Mitilene, Sólon de Atenas, Quilon de Esparta,
Cleóbulo de Lindos e Anacarses. Já a lista do escritor romano Higino varia em
um único nome. Inclui Periandro de Corinto, com a exclusão de Anacarses.
Outros nomes, que
aparecem em algum desses “rankings” de sabedoria, além dos citados, são:
Periandro, Míson, Aristodemo, Epiménides, Leofanto, Pitágoras, Epicarmo,
Acusilau, Orfeu, Pisístrato, Ferecides, Hermióneo, Laso, Panfilo e Anaxágoras.
Todavia, de nenhuma dessas tantas listas Tales de Mileto é excluído. Merece,
pois, com todas as honras, a classificação de “gênio”, que de fato foi. Não
importa que sua teoria, de que a água é a substância primordial de todas as
coisas, tenha sido derrubada e que hoje muitos a considerem ridícula. Quem age
assim, todavia, com tamanha irreverência (ou seria burrice?) e falta de
respeito é incapaz, entre tantas outras coisas, de ao menos contextualizar seja
o que for. Porém, para a época em que Tales viveu, essa idéia era absolutamente
revolucionária.
Leio, na enciclopédia
eletrônica Wikipédia, a transcrição do seguinte trecho do livro do polêmico
filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “A Filosofia na idade trágica dos gregos”,
em que ele comenta as conclusões desse sábio de época tão remota: “A Filosofia
grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição: a água é a matriz
e a origem de todas as coisas. Será mesmo necessário determo-nos nela e levá-la
a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição
enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o fazs sem
imagem e fabulação e, enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em
estado de crisálida (estado latente, prestes a se transformar), está contido o
pensamento: ‘Tudo é Um’. A razão citada em primeiro lugar, deixa Tales ainda em
comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade
e o mostra como investigador da natureza, mas em virtude da terceira, Tales se
torna o primeiro filósofo grego”. E eu aduziria: pelo menos cronologicamente.
Como ocorre com quase
todo sujeito famoso, há muita lenda em torno do sábio de Mileto. Plutarco
relata uma delas, que não se sabe se é ficção ou se tem algum fundo de verdade.
Não ponho minha mão no fogo. A referida versão dá conta que, “usando seu
conhecimento astronômico e meteorológico (provavelmente herdado dos
babilônios), Tales previu excelente colheita de azeitonas com um ano de
antecedência. Sendo homem prático, conseguiu dinheiro para alugar todas as
prensas de azeite de oliva da região e, quando chegou o verão, os produtores de
azeite tiveram que pagar a ele pelo uso das prensas, o que o levou a ganhar uma
grande fortuna com esse negócio”.
É fato? É lenda? Se não
for realidade, é como dizem os italianos: “se non é vero é bem trovato”. Não se
pode duvidar, no entanto, do espírito prático de um sábio. E, como demonstrei
acima, Tales de Mileto firmou prestígio, que permanece três milênios após sua
morte, de sabedoria e praticidade. Foi, portanto, um gênio, digno de reverência
e de imitação.
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