Um caso secundário
Pedro J. Bondaczuk
O
desafio maior que o presidente soviético, Mikhail Gorbachev, terá para
enfrentar nos próximos dias nada tem a ver com a crise da Lituânia, que é um
quase nada diante da enormidade do problema que vai criar se realmente puser em
prática o que pretende. O mentor da perestroika está prestes a deflagrar uma
reforma econômica de grande profundidade em seu país, que no primeiro instante
tenderá a provocar uma alta de preços enorme nos principais gêneros e serviços
e causar o desemprego de cerca de dez milhões de trabalhadores. O pior de tudo
é que o líder do Cremlin não tem outra alternativa, diante do vertiginoso
crescimento do déficit orçamentário nacional, que está empobrecendo a
superpotência do Oriente.
Isto
talvez explique o pouco caso com que a delegação lituana que está em Moscou
para negociar a independência da República báltica está sendo tratada. O
governo soviético já manifestou a sua posição definitiva acerca dessa questão.
Ou Vilnius se enquadra na legislação vigente na federação, ou não haverá
nenhuma conversa. A atitude dura de Gorbachev em relação a esse caso era até
esperada. Afinal, a Lituânia, no entender de gente inclusive do próprio Leste
europeu (como alguns dirigentes do movimento polonês Solidariedade) agiu com
incrível senso de inoportunidade ao declarar a independência neste momento.
Desde
o ano passado não era novidade para mais ninguém que o presidente soviético
pretendia, em 1990, dar início às reformas econômicas em profundidade no país.
A
imprensa do mundo todo divulgou isso, acompanhado de editoriais e análises de
toda a espécie. Nenhum guerreiro, por mais hábil e corajoso que seja, pode
atuar simultaneamente em duas frentes e ter sucesso. O líder do Cremlin também
não. Bem que ele tentou serenar os ânimos dos lituanos. Chegou a ir a Vilnius,
em fevereiro passado, para explicar aos nacionalistas a sua posição. Estes,
todavia, não quiseram ouvir. E em 11 de março, um Parlamento renovado, com
predominância absoluta de membros do movimento separatista "Sajudis",
emitiu uma declaração de independência unilateral que foi, politicamente, no
mínimo inoportuna. Revelou ser coisa de amadores e não de gente acostumada a
negociar.
Até
o próprio presidente norte-americano, George Bush, --- certamente a
contragosto, já que simpatiza com a causa da República báltica --- reconheceu
que a secessão era inoportuna agora e não tomou nenhuma medida contra Moscou.
Gorbachev, ao que parece, está preocupado mesmo é com o que pode acontecer no
país quando começarem as reformas econômicas, sumamente dolorosas, que tentarão
trazer os soviéticos à realidade. A pergunta que fica no ar é: será que eles
querem isso?
(Artigo
publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 26 de abril de
1990)
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