Wednesday, August 19, 2015

Um caso secundário


Pedro J. Bondaczuk


O desafio maior que o presidente soviético, Mikhail Gorbachev, terá para enfrentar nos próximos dias nada tem a ver com a crise da Lituânia, que é um quase nada diante da enormidade do problema que vai criar se realmente puser em prática o que pretende. O mentor da perestroika está prestes a deflagrar uma reforma econômica de grande profundidade em seu país, que no primeiro instante tenderá a provocar uma alta de preços enorme nos principais gêneros e serviços e causar o desemprego de cerca de dez milhões de trabalhadores. O pior de tudo é que o líder do Cremlin não tem outra alternativa, diante do vertiginoso crescimento do déficit orçamentário nacional, que está empobrecendo a superpotência do Oriente.

Isto talvez explique o pouco caso com que a delegação lituana que está em Moscou para negociar a independência da República báltica está sendo tratada. O governo soviético já manifestou a sua posição definitiva acerca dessa questão. Ou Vilnius se enquadra na legislação vigente na federação, ou não haverá nenhuma conversa. A atitude dura de Gorbachev em relação a esse caso era até esperada. Afinal, a Lituânia, no entender de gente inclusive do próprio Leste europeu (como alguns dirigentes do movimento polonês Solidariedade) agiu com incrível senso de inoportunidade ao declarar a independência neste momento.

Desde o ano passado não era novidade para mais ninguém que o presidente soviético pretendia, em 1990, dar início às reformas econômicas em profundidade no país.

A imprensa do mundo todo divulgou isso, acompanhado de editoriais e análises de toda a espécie. Nenhum guerreiro, por mais hábil e corajoso que seja, pode atuar simultaneamente em duas frentes e ter sucesso. O líder do Cremlin também não. Bem que ele tentou serenar os ânimos dos lituanos. Chegou a ir a Vilnius, em fevereiro passado, para explicar aos nacionalistas a sua posição. Estes, todavia, não quiseram ouvir. E em 11 de março, um Parlamento renovado, com predominância absoluta de membros do movimento separatista "Sajudis", emitiu uma declaração de independência unilateral que foi, politicamente, no mínimo inoportuna. Revelou ser coisa de amadores e não de gente acostumada a negociar.

Até o próprio presidente norte-americano, George Bush, --- certamente a contragosto, já que simpatiza com a causa da República báltica --- reconheceu que a secessão era inoportuna agora e não tomou nenhuma medida contra Moscou. Gorbachev, ao que parece, está preocupado mesmo é com o que pode acontecer no país quando começarem as reformas econômicas, sumamente dolorosas, que tentarão trazer os soviéticos à realidade. A pergunta que fica no ar é: será que eles querem isso?

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 26 de abril de 1990)


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