Saturday, August 08, 2015

Projeção coletiva


Pedro J. Bondaczuk


A trágica morte do piloto Ayrton Senna da Silva surpreendeu-nos e comoveu-nos, não apenas pela forma inesperada com que chegou, mas pela intensidade das emoções que nos despertou. Provocou uma comoção nacional e manifestações espontâneas de carinho, misturadas à dor e à tristeza da perda.

Todos nos sentimos como se houvéssemos perdido um irmão, um filho, um parente muito querido. E perdemos. Profissionais de imprensa, calejados pelos anos de profissão, acostumados a lidar com as mais brutais tragédias, choraram feito crianças, incapazes de controlar a emoção. Um sentimento de dor uniu todos os brasileiros, de todas as classes e todas as partes desse complexo país-continente, que lhe tributaram a maior manifestação de carinho e saudade provavelmente da história.

O que nos aconteceu para que nos sentíssemos como estamos nos sentindo desde o domingo, quando Senna encontrou a morte na curva Tamburello, do circuito de Ímola, na Itália, quando buscava completar a sétima volta do Grande Prêmio de San Marino de Fórmula 1? Podem ser tentadas várias explicações. Provavelmente, nenhuma será convincente.

O jovem piloto projetou, em nosso inconsciente, a imagem que secretamente todos fazemos de nós mesmos: a do vencedor. Foi o catalisador das nossas carências, especialmente afetivas, nesta fase difícil e prolongada que o País atravessa.

O brasileiro – agora ficou demonstrado – ama como ninguém sua Pátria, mas precisava de um motivo, qualquer que fosse, para justificar esse amor. Projetou-o em Senna, que sempre fez questão de mostrar, publicamente, o orgulho que tinha pela sua nacionalidade, ao contrário de tantos outros homens bem-sucedidos. Sem que nos apercebêssemos, conquistou mais do que o nosso respeito: a nossa profunda afetividade.

Ele simbolizava, mesmo que não soubéssemos, tudo o que gostaríamos e achávamos que poderíamos ser. Mesmo que não intencionalmente, se transformou num fator de união nacional. Despertou aquele orgulho que sempre trouxemos dentro de nós, mas que não tínhamos motivos para expressar: o de sermos brasileiros.

Sua morte, por outro lado, trouxe à tona, em cada um de nós, a lembrança da nossa própria mortalidade. Revelou-nos que, a qualquer instante, sem nenhum aviso, sem hora marcada, cada um de nós vai encontrar a sua “curva Tamburello”, o que não deixa de ser assustador.

O que vimos em São Paulo, entre anteontem e ontem, ficará marcado para sempre em nossa retina. Levará muito tempo para ser explicado, se é que um dia o será. Senna e o seu arrojo, e principalmente seu sucesso nas pistas de corrida ao redor do mundo, amenizavam nossos complexos de um país que não vem dando certo, pelo menos no que diz respeito à solidariedade, à fraternidade e à justiça social. Mostrou que o brasileiro também pode ser (e de fato é) um vencedor!

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 6 de maio de 1994)


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