Coragem ou covardia,
eis a questão
Pedro
J. Bondaczuk
O célebre monólogo
criado por William Shakespeare no ato 3, cena 1 da peça “A trágica história de
Hamlet, príncipe da Dinamarca”, pode ser interpretado como bilhete de um
suicida, embora não seja este, a rigor, o contexto imaginado pelo autor. O
principal personagem desse drama cogita claramente dessa saída para seus
problemas, o que fica explícito neste trecho da sua fala:
“(...)
Pois quem suportaria o açoite
e
os insultos do mundo,
A
afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
As
pontadas do amor humilhado,
as
delongas da lei,
A
prepotência do mando, e o achincalhe
Que
o mérito paciente recebe dos inúteis,
Podendo,
ele próprio, encontrar seu repouso
Com
um simples punhal? (...)”.
Após a leitura desse
trecho específico, emerge, automática e instintivamente esta pergunta em nossa
mente: “Se o príncipe acha intoleráveis ‘o insulto do mundo, a afronta do
opressor, o desdém do orgulhoso, o amor humilhado, as delongas da lei, a
prepotência do mando e o achincalhe dos inúteis’, por que não recorreu ao
expediente que entendeu ser a solução para todos esses males: o punhal?” No
enredo, foi por medo, por puro medo. Pelo temor da incerteza do desconhecido.
Pela desconfiança de que a morte não seria, ou poderia não ser, o fim de tudo e
que ela poderia até mesmo reservar sofrimentos e humilhações muito maiores do
que os suportados em vida. É o que o príncipe diz na sequência do monólogo:
“
(...) Quem agüentaria fardos,
Gemendo
e suando numa vida servil,
Senão,
porque o terror de alguma
coisa
após a morte -
O
país não descoberto, de cujos confins
Jamais
voltou nenhum viajante
nos
confunde a vontade,
Nos
faz preferir e suportar males que já temos,
A
fugirmos para outros que desconhecemos? (...)”
A conclusão do
desesperado príncipe vai contra a do senso comum. Conclui: “E assim a reflexão
faz todos nós covardes”. Mas seria, mesmo, covardia buscar soluções menos
radicais para os problemas que nos assoberbam, não importa quais e nem sua
intensidade ou se trataria de atitude inteligente e de bom senso? A avaliação
do mundo, feita pelo personagem, é sumamente pessimista. Ele fala como se todos
os males que elenca sejam incontornáveis e se “todos nós” passaríamos por eles
em algum momento da vida. Eles podem ocorrer (e ocorrem), sim, mas vez ou
outra. Mas raramente vêm de forma simultânea. Dependem das circunstâncias de
cada um.
Qual a atitude que
poderia ser classificada de covardia: enfrentar os males e vicissitudes, mesmo
em desvantagem, ou fugir deles, e da própria vida, ainda mais sem saber se há
ou não um “depois” e, se houver, qual ele é? O suicídio é um dos temas mais
delicados e mais complicados de se julgar. Alguém só recorre a ele em momentos
de extremo desespero. O que a pessoa que cogita dessa atitude precisa não é de
críticas, de sermões e muito menos de julgamentos. Requer compreensão e
imediata e urgente ajuda. Não raro esta chega (quando chega) muito tarde. Com
todo o medo que o suicida possa sentir do desconhecido (e certamente sente), é preciso
muita sabedoria, paciência e bom senso para demovê-lo.
Uma das coisas que mais
me orgulho na vida é a de haver contribuído para que uma pessoa, no mais
absoluto desespero, escapasse de morrer pelas próprias mãos como se preparava
para fazer e desistisse, em cima da hora, de optar por esse trágico caminho.
Não foi a inteligência que contou nesse dramático episódio. Foi a instintiva
sensibilidade que brotou nem sei de onde do meu corpo e “contaminou” o
potencial suicida, já que palavras bonitas e pomposas, conselhos óbvios,
críticas de quaisquer natureza, reprimendas etc.etc.etc. são rigorosamente
inúteis em situações como esta.
Discordo, pois,
visceralmente da conclusão final do príncipe, ao cabo de seu desesperado
monólogo:
“(...)
E assim o matiz natural da decisão
Se
transforma no doentio pálido do pensamento.
E
empreitadas de vigor e coragem,
Refletidas
demais, saem de seu caminho,
Perdem
o nome de ação (...)".
Essa é a típica
situação em que não agir é o melhor caminho. E não, especificamente, pelo temor
do desconhecido (no caso, da morte), até porque esta fatalmente virá, algum
dia, no seu devido tempo, sem aviso e sem ser pelas próprias mãos. Ao contrário
da conclusão de Hamlet, viver é que é o supremo ato de coragem, e não o
contrário. “Ser” é a audaciosa opção, posto que jamais sabemos até quando será
possível. Temos, todos, “prazo de validade”, que desconhecemos qual é. O
monólogo comporta outras interpretações, mas creio que estas que trouxe á baila
já são suficientes para nos induzir a profundas e sempre proveitosas reflexões.
Ou não?!!!
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