Ressurreição
da memória
Pedro J. Bondaczuk
O sucesso, seja no que for que
fizermos (óbvio), será sempre bem-vindo. Ninguém inicia qualquer empreendimento
com a convicção ou mesmo com a intuição de que irá fracassar. Tal atitude não
faria o menor sentido. Quando somos
bem-sucedidos em algo é sinal de que fomos competentes, previdentes e
aplicados. Tanto pode ser na invenção de um novo processo industrial que
beneficie a coletividade, por exemplo, quanto na produção de alguma obra de
arte de reconhecida qualidade, como pintar um quadro que beire á perfeição,
elaborar uma escultura que pareça ter vida, escrever um livro que atraia
milhões de leitores etc.etc.etc.
Todavia, temos que ter em mente
que o sucesso não é duradouro (nada é). Tem prazo de validade, que é variável,
ao sabor do acaso, que tanto pode ser de alguns meses, quanto de séculos e,
mais raramente, até de milênios. Mas algum dia, seja pela razão que for, um dia
se esgota. Pior se isso acontecer quando ainda estivermos vivos. A transição da
fama para o esquecimento tende a ser brusca e sem nenhum aviso. Não estou
sequer pensando em termos de vaidade, mas em algo mais prático, no aspecto
patrimonial. O súbito esquecimento implicará em cessação, por exemplo, da venda
da obra antes tão reconhecida. Afetará, pois, nossos herdeiros, filhos, netos
etc. Afinal, salvo exceções, em termos práticos aspiramos ao sucesso pensando
neles, pois temos plena consciência da nossa efemeridade.
Muitos podem contestar essa minha
afirmação com o caso de William Shakespeare que, às vésperas de se completarem
400 anos da sua morte, permanece mais famoso do que nunca, com suas peças sendo
encenadas mundo afora, por milhares e milhares de companhias teatrais, sem
perderem interesse (pelo contrário) e gerando enormes receitas de bilheteria
aos seus produtores. Seu sucesso hoje, aliás, é muito maior do que quando
estava vivo. Naquela ocasião, era restrito ao seu país, a Inglaterra e na
verdade, nem a isso, mas quando muito, à cidade de Londres e a uma ou outra
localidade nos arredores. Hoje, no entanto, é mundial. Seu caso, porém,
inscreve-se no das raras exceções. Ademais, nem sempre foi assim.
Muitos ignoram que Shakespeare
chegou a ser praticamente esquecido ao longo de todo o século XVII. Já no
XVIII, voltou, é verdade, a ser lembrado, mas para ser ironizado por diversos
pensadores, sobretudo pelo filósofo francês Voltaire, sem que, obviamente,
pudesse se defender. Mas esses ataques acabaram tendo efeito contrário ao
pretendido pelos detratores. É aquela história do “falem mal, mas falem de
mim”. A roda da fortuna girou, o acaso lançou seus dados e eis que,
subitamente, a obra de Shakespeare voltou à tona, no século XIX, com muito mais
força do que antes e se mantém no topo até hoje.
Isso se deu com o surgimento, no
horizonte das artes, do Romantismo, do qual ele se tornou uma espécie de
paradigma. Meire Kusumoto, no artigo “Shakespeare, para além do mito”, escreveu
o seguinte a propósito: “Em seu famoso ensaio ‘Sobre William Shakespeare’, o
poeta francês Victor Hugo encontrou no bardo inglês um símbolo da luta
romântica contra a ordem estabelecida e o bom gosto clássico, um artista capaz
de unir o ‘teatro do Olimpo e o teatro de feira’, o grotesco e o sublime”.
Nenhum outro autor teatral demonstrou a mesma habilidade.
Embora não possam (e não sejam)
levados a sério, são muitos os contestadores, na verdade detratores da obra do
dramaturgo inglês nos dias atuais. Alguns buscam encontrar contradições em seus
enredos, incoerências nos seus diálogos e falta de verossimilhança em seus
personagens. Há quem vá, até mesmo, ao extremo de contestar sua autoria das
peças mais célebres, como “Hamlet”, “Otelo”, “Romeu e Julieta”, “Sonhos de uma
noite de verão” etc. Indiferentes ao ridículo a que se expõem, vários desses
pseudo-especialistas vão ao extremo de colocar em dúvida até mesmo a existência
física de um William Shakespeare, levantando a ilógica hipótese de se tratar de
mero pseudônimo adotado por suposto
membro da realeza. Tolices, claro, mas às quais muitos basbaques aderem.
Fico com a conclusão de Meire
Kusumoto: “Com uma biografia incompleta e obras contestadas, William
Shakespeare, hoje, 450 anos após seu nascimento, causa mais comoção do que
controvérsia. Referência dentro da dramaturgia, seu nome ultrapassa a alcunha
de um autor para se estabelecer quase como um estilo literário e teatral”. Acho
interessante o que escreveu o romancista italiano Alberto Moravia: “O sucesso é
como um jantar pesado – cumpre comê-lo todo, digeri-lo, eliminá-lo. E depois se
preparar para outro jantar”. Ou seja, depois de gozarmos a justa euforia do
êxito, devemos colocar à nossa frente novos objetivos a conquistar e agir com a
mesma competência, previdência e aplicação nesse novo empreendimento. E isso a
vida inteira. Afinal, nem sempre o acaso atua no sentido de resgatar nossa obra
do esquecimento e recolocá-la no pedestal da fama, como ocorreu com William
Shakespeare.
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