Tuesday, August 11, 2015

Não me esqueças...


Pedro J. Bondaczuk

A lembrança de uma pessoa ausente, salvo uma ou outra exceção, é uma espécie de homenagem que nossa memória lhe rende. Significa que, de alguma forma, ela foi importante em nossa vida (para o bem ou para o mal). Quando se trata de alguém que nos beneficiou, ou nos encantou, sua imagem nos vem á mente sempre acompanhada de saudade. Gostaríamos que o tempo retrocedesse e pudéssemos conviver, de novo, com quem nos foi tão importante algum dia. Não raro o reencontro é difícil de ocorrer, dada a distância que nos separa. Às vezes, porém, é impossível. Por que? Por razão óbvia. Porque essa pessoa tão querida e inesquecível já morreu. Nem por isso a esquecemos, claro, caso tenhamos gostado de fato dela. Aliás, suspeito que, nestes casos, a lembrança seja muito mais intensa e dolorida. Além disso, vem sempre acompanhada de frustração, de  certa revolta, de irreparável sensação de perda.

Da mesma forma que nos lembramos com carinho e afeição de ausentes que deixaram marcas positivas em nossas vidas – pais, filhos, outros parentes, amigos etc. e, sobretudo amadas – gostaríamos de também ser lembrados por eles, e com o mesmo afeto, com idêntico sentimento de carinho e com a mesma intensidade que lhes devotamos. Nem sempre somos. Nesse caso, não fomos importantes para essas pessoas como supúnhamos. Se fôssemos, jamais seríamos, em circunstância alguma, esquecidos. A memória às vezes é traiçoeira, convenhamos, mas não chega a tanto.  O lado bom dessa questão é que sequer ficamos sabendo do seu esquecimento (salvo raras exceções). Ainda bem. Poupa o nosso ego.

Há uma flor que simboliza, a caráter, nosso anseio de jamais sermos esquecidos pelos que admiramos, reverenciamos e, principalmente, pelos que amamos,  cuja reciprocidade tanto ansiamos. É o miosótis. Trata-se de uma plantinha rasteira, não muito conhecida no Brasil, mas bastante popular na Europa, sobretudo na Rússia, de onde é originária. Apresenta, na maioria, coloração azul, mas pode ser encontrada, também, nas cores branca e rosada. Há, mundo afora, notadamente na Europa e certas partes da Ásia, mais de 50 variedades dessa exótica flor.

Conheço inúmeros poemas em que ela é utilizada como metáfora de fidelidade, de amor verdadeiro e, principalmente, de recordação. Não por acaso, ela é mais conhecida, em vários países, por um nome mais expressivo e revelador: “Não-me-esqueças” (em português). E essa nomenclatura tem correspondência, com igual significado, em tantas outras línguas, como o inglês (“Forget-me-not”), alemão (“Vergissmeinnicht”), espanhol (“Nomeolvides”) e italiano (“Nontiscordardimé”), por exemplo. Em alguns lugares é chamada, simplesmente, de “Verônica”.

No Brasil, todavia, raros poetas já recorreram a esta flor como metáfora de amor verdadeiro, de fidelidade e de recordação. Isso explica-se por sua raridade entre nós, já que se trata de uma planta que prefere climas frios, onde se dá melhor. Por isso, é farta em locais mais altos, como os Alpes suíços, por exemplo. Eu compus, há 34 anos, um poema, tendo o miosótis por metáfora. Foi quando meu terceiro filho, o Alexei, nasceu. A importância desses versos, meio que confusos, é meramente emocional, com pouco, ou até mesmo nada, de literários. Embora se trate de uma espécie de relíquia familiar, partilho-o com você, paciente leitor, contando com sua indulgência:

Meu sucessor

“Quando a exótica flor da miosótis
desabrochou pétalas, de opalinas cores,
e o único olho (mágico) de turmalina
da Esperança voltou-se para o amanhã,
tomei o cetro imperativo dos deuses,
místico cinzel que molda o futuro,
e talhei, na carne, nas vísceras amorfas
com convicção, com afã e com fé,
o concreto esboço da minha imortalidade.

Da remota ancestralidade eslava
burilei profundíssimos sentimentos,
aos sons exóticos, harmônicos e sutis
das balalaikas dos barqueiros do Volga.
Dos antepassados latinos e visigóticos
minha amada, parceira e cúmplice
moldou, em sua nobilíssima estrutura,
a sôfrega voluptuosidade mediterrânea
que há de marcar seus passos no porvir.

Da olímpica, sensata, Palas Atenea,
mãe inspiradora da Helade gloriosa,
você herda, pequenino, a chama do saber
que nem o tempo, jamais, haverá de apagar.

Quando os anos passarem e meu corpo murchar,
quando, afinal, cansado desta andança,
o fogo da vida decrescer e se apagar
e de mim restar não mais do que a lembrança,
Alexei, filho de luz, imortal esperança,
desabroche novas, delicadas, miosótis,
que se reproduzam com fartura sem fim
e, assim como o significado da mística flor,
que jamais venham a se esquecer de mim”.

Tudo indica que meu apelo metafórico, feito naquela ocasião, funcionou (pelo menos vem funcionando). Até hoje, meu filho nunca me esqueceu. Espero que não me esqueça jamais. Não sou o único, todavia, a lançar mão dessa flor como metáfora. Encontrei, no livro “Permanência”, de Márcia Mendes (que tive o prazer e o privilégio de comentar dia desses), esta delicada pérola, de beleza e sensibilidade,  intitulada “Miosótis azul” e que diz:

“No lugar do insuportável
Nasceu um miosótis azul,
Viçoso!
Finjo entrar na esperança,
Em irreverente delírio.

Eu triste,
A palavra vilipendia
A angústia
E inscreve-se
Na escrita da poeta”.

Voltarei, oportunamente, ao tema, para tratar, especificamente, de lendas que deram origem a esta metáfora a propósito do miosótis.  Uma delas, todavia, adianto hoje, por ser a mais difundida em várias partes da Europa. Segundo ela, a origem do nome da flor remontaria ao bíblico Paraíso do Éden. Contam as pessoas mais velhas (que vêm transmitindo essa história geração após geração) que, no princípio do mundo, quando Adão cumpria a tarefa de dar nomes aos animais e vegetais e a tudo o mais que havia, se esqueceu de uma planta pequenina, rasteira, de florzinhas diminutas, posto que delicadas e belas, pela qual passou batido, sem a notar. Esta, inconformada, interpelou o pai da humanidade – naquele tempo animais e plantas falavam, conforme a lenda – cobrando-o pelo inexplicável esquecimento. Foi quando Adão, percebendo sua falha, decidiu batizar o miosótis de “Não-me-esqueças”, para jamais voltar a esquecer da humilde plantinha. Esta, e outras histórias a propósito dessa flor são, por si sós, magníficos poemas, posto que em forma de prosa de anônimos autores.


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