Brasil das estatísticas
Pedro J. Bondaczuk
As
últimas estatísticas sociais divulgadas sobre o Brasil traçam um quadro
sombrio, perverso e desolador do País. Quem se restringir apenas aos números e
não tiver viajado através do nosso vasto território, o quinto maior do mundo,
ou quem resida no Exterior e nos conheça apenas por aquilo que lê, vai pensar
que os dados se referem a algum Estado tribal africano, cuja população viva num
estágio semelhante ao homem das cavernas.
Mas
surge uma dúvida no espírito de quem esteja habituado a raciocinar por si só, a
conferir tudo o que lhe é informado antes de acreditar, a formar juízo baseado
em referências comprovadas: as cifras são confiáveis?
Concordamos
com o sociólogo Sérgio Henrique Hudson Abranches, que em entrevista publicada
nas páginas amarelas da revista "Veja" desta semana, intitulada
"O Brasil vai bem", expressa uma constatação e queixa da grande
maioria dos pesquisadores, de que as estatísticas feitas no País, salvo raras e
honrosas exceções, são muito ruins.
As
projeções não passam de meros palpites, sem qualquer suporte técnico e não
resistem à mais simples análise lógica. Mesmo os estudos internacionais, como o
mais recente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, incorrem em
erros infantis, que até os mais frios e meticulosos analistas engolem, como foi
o nosso caso.
Comparar
a distribuição de renda, por exemplo, de Botswana com a brasileira,
convenhamos... É uma brincadeira! Não negamos, e não seríamos alienados ou
estúpidos para fazer isso, que temos muitos e graves problemas sociais. Mas
eles já são suficientemente grandes para que, ou por falta de método, ou por
insuficiência de dados ou mesmo por má fé, sejam aumentados.
Não
há como discordar do raciocínio de Abranches, na citada entrevista, ao
responder a seguinte pergunta: "Onde ficam nessa conta (a que estima o
número de indigentes em 20 milhões) os 32 milhões de famintos de Betinho ou os
60 milhões de miseráveis de Lula?"
O
sociólogo respondeu: "Francamente, não sei. Não consigo encontrá-los. A
meu ver, subestima-se muito a renda do brasileiro. Usamos referências
complicadas, estatísticas ruins. Testei a distorção do salário mínimo".
A
seguir acrescenta: "Fiquei impressionado com o número de pessoas que
encontramos, supostamente nessa faixa de renda, vivendo na realidade com cinco
ou seis vezes mais. Não estou sugerindo que se multiplique por cinco ou seis o
padrão de vida do brasileiro. Mas há um considerável desvio. Com 60 milhões de
miseráveis não haveria a queda da mortalidade infantil, que em vinte anos caiu
de 120 perdas por mil nascimentos para cerca de 50. Como se vê, os dados
conflitam, não batem, não são lógicos, a comprovar que as estatísticas, por uma
razão ou outra, estão distorcidas, equivocadas, superdimensionadas na questão
da miséria, cuja existência, reiteramos, ninguém é maluco de negar".
Outra
comparação interessante, feita por Abranches, de dados fartamente divulgados e
que no entanto se contradizem é a seguinte: Se o Brasil, de fato, tem 32
milhões de famintos (e ninguém contou-os, um a um, mas chegou-se a essa cifra
mediante projeção), como explicar o aumento em 14 anos da expectativa de vida
média de nossa população?
Somos
uns fenômenos universais! Quanto mais fome passamos, mais vivemos! Temos
escrito e reiterado que uma doença grave só pode ser bem tratada e curada se
antes for feito um diagnóstico preciso e correto. Exagerar nossas carências e
desvios não fará bem algum a ninguém.
É
o mesmo que fazer um transplante cardíaco num indivíduo que apenas sofre de
enxaqueca. Estabelece e dissemina a cultura vigente do pessimismo, que com
freqüência deriva para o derrotismo. E nós não somos um povo perdedor!
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 17 de junho de 1994).
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