Recuo nos planos de conciliação
Pedro J.
Bondaczuk
O frágil gabinete
chamado (com muita impropriedade) de “unidade nacional”, chefiado pelo
muçulmano sunita libanês Rashid Karami, teve um final melancólico (posto que
muito aguardado), ontem, com o pedido de demissão apresentado ao presidente
Amin Gemayel por todo o ministério.
O Líbano, dessa maneira, que
completou, com duros combates (conforme já virou rotina), no sábado, uma década
inteira de guerra civil, vê recrudescer a violência em seu território e fica
muito perto de uma conflagração total entre as diversas facções em conflito.
A impressão que se tem é que,
daqui para frente, será um salve-se quem puder em todas as regiões do país. Do
Norte, policiado pelos sírios, ao Sul, que ainda conta com a presença dos
israelenses. Das montanhas que circundam Beirute, ao Vale do Bekkaa, refúgio e
santuário dos palestinos.
O motivo da renúncia de Karami
foi o não cumprimento do compromisso, por parte dos vários “senhores da
guerra”, de suspenderem as hostilidades entre si em favor do bem comum. Ninguém
sabe o motivo exato (e no Líbano de hoje quase nada tem lógica), mas o fato é
que desde 18 de março, quando a milícia cristã se fracionou, com a rebelião de
Geagea e seu grupo, a violência recrudesceu a níveis insuportáveis. E isso
ocorreu tanto na capital, que o premier já julgava pacificada, como em Sidon,
em Trípoli, em Tiro e nas montanhas Chuff.
O primeiro prenúncio de que o
gabinete de Karami estava sofrendo uma veloz erosão foi detectado em 10 de
abril passado, quando o premier, encarregado de formar o novo governo de
unidade nacional em 26 de abril de 1984, resolveu boicotar as reuniões do
ministério, enquanto os diversos focos de combate no país não cessassem.
Aí estava evidente a falta de
condições de Karami para continuar gerindo os negócios de Estado (se é que
existe alguma chance de gestão em uma sociedade tão agudamente dividida por uma
década de um confronto fratricida).
Seu boicote foi qualquer coisa de
insólito. Em muitos anos de observação dos fatos políticos mundiais, jamais
soubemos de um outro caso em que o chefe de um gabinete se recusasse a exercer
essa chefia. Sua recusa em sequer comparecer às reuniões ministeriais (que a
rigor, ultimamente, eram verdadeiras sessões de mútuos ataques pessoais),
equivaleu, já então, a um ato de renúncia do cargo.
O fulcro atual de toda a questão,
a nosso ver, é o irrealismo da Constituição libanesa vigente, que impede aos
xiitas, que são 30,7% de toda a população do Líbano (disparada a maior
comunidade religiosa do país) de assumirem os dois principais cargos no
governo: o de presidente (que necessariamente tem que ser de um cristão) e o de
primeiro-ministro (reservado a um muçulmano sunita).
Acontece que ambos constituem,
isoladamente, 18,4% cada dos libaneses. Os islâmicos, quando começou o
conflito, em 1975, eram ainda minoria no Líbano. Hoje, somadas as principais
seitas, ultrapassam a 60% d população e desequilibraram, francamente (a seu
favor, é claro), a frágil balança que sempre fez o país funcionar, desde que
obteve a sua independência da França, em 1943.
Quando Karami anunciou, no dia 10
de abril passado, seu boicote às reuniões ministeriais, uma autoridade do
governo, que na ocasião se recusou em se identificar, disse, sobre a situação
de então: “As coisas estão desabando rápido”.
Após a renúncia do gabinete,
ontem, essa constatação fica mais válida do que nunca, frustrando todo o avanço
que se obteve nesse último ano e fazendo o Líbano retroceder quase um lustro em
termos de distância de sua pacificação nacional. O país envereda por um caminho
extremamente perigoso e que talvez nem tenha mais retorno.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 18
de abril de 1(985).
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