Encarando dilemas
Pedro
J. Bondaczuk
O célebre monólogo
criado por William Shakespeare no ato 3, cena 1 da peça “A trágica história de
Hamlet, príncipe da Dinamarca”, vai além, muito além de sua função específica
nesse famoso drama. É uma grande metáfora dos dilemas que todos vivemos, em
todos os momentos do cotidiano, mesmo que não nos demos conta. Alguns (a
maioria), é verdade, são insignificantes. Tanto que sequer deixam qualquer
marca ou reles lembrança em nossa mente e em nosso espírito. Isso, mesmo que
façamos escolhas erradas que, neste caso, são irrelevantes, por não gerarem
conseqüências irreparáveis. Implicam, é verdade, em perdas, mas estas são tão
pequenas que nem mesmo as levamos em consideração.
Há, todavia, sempre um
dilema maiúsculo (e às vezes mais de um) e que determina se seremos vencedores
ou perdedores na batalha da vida. Não raro, a decisão que tomarmos então irá
determinar até nossa sobrevivência física, ou nossa extinção, dependendo da
correção ou do erro da escolha que fizermos. Para fazermos a opção correta,
precisamos ter todas as informações, e todas rigorosamente exatas, do dilema
(ou dos dilemas) posto diante de nós. Devemos analisar friamente cada uma das
alternativas existentes, com as respectivas consequências. Em suma, temos que
“ser” ou “não ser”, dependendo do que as circunstâncias exijam para que a
escolha seja a única adequada.
O dilema, criado por
Shakespeare, para o jovem Hamlet, tão logo descobriu que a morte do pai não se
deu por causas naturais, como até então supunha, mas que ele foi assassinado
pelo tio, com a cumplicidade da mãe, é uma grande metáfora dos tantos que
enfrentamos em alguma época da vida e que exigem de nós decisões corretas, sob
pena de fracassarmos em nossas pretensões. Qual o curso a seguir: o de
engenharia, atividade para a qual me sinto vocacionado, ou de medicina, para
atender expectativas dos pais? Devo ou não devo me casar com essa mulher, que
acredito que me ame e me complete e à qual creio amar e completar, a despeito
da nossa incompatibilidade de temperamentos? Enfrento ou não enfrento o
grandalhão que me ameaça? E os desafios, de todos os tamanhos, naturezas e
importâncias, multiplicam-se, exigindo de nós escolhas corretas. "Ser ou
não ser, eis a questão”.
Destaque-se que as
peças de Shakespeare são muito mais do que parecem ser aos desavisados. Não se
destinavam a simplesmente entreter ou divertir os espectadores, como por muito
tempo se pensou. Não foi, é verdade, a visão que se teve delas na época em que
foram encenadas. Façam, todavia, criteriosa análise dos 37 dramas que nos legou
e concluirão que todos contam, á sua maneira, mais do que meras e interessantes
histórias dramáticas, dessas que nos divertem, mas que na sequência esquecemos.
São mais, muito mais do que simples entretenimento. São repletas de metáforas,
recheadas de significados ocultos e de questões que surgem nas entrelinhas.
Creiam-me que o "Ser ou não ser" vai muito além do que simples frase
de efeito para demonstrar o momento terrível que o jovem príncipe da Dinamarca
estava vivendo.
Um detalhe que chama a
atenção de poucos, mas que é dos mais relevantes, é o do significado do nome
Hamlet. Em inglês, a palavra significa "pequena aldeia rural". Creio
que Shakespeare, ao optar por essa denominação para o principal personagem,
teve a intenção de sugerir que ele tinha olhar ingênuo, crédulo, estreito,
diria “caipira” da realidade. Mas somente até a revelação da verdade, vinda da
parte do “fantasma do pai”. Destaco que essa ingenuidade, essa falta de malícia
que caracteriza algumas (a maioria?) das pessoas que vivam em áreas rurais, e
em pequenas vilas interioranas, pode ser catalogada, até, como virtude.
Constitui-se, porém, em desvantagem quando confrontada com a experiência dos
moradores das grandes cidades, que têm visão mais realista, desconfiada e alerta e, por isso, menos limitada e
pequena do mundo.
Entendo que Shakespeare,
ao denominar dessa forma (Hamlet”) seu principal personagem, recorreu a uma
metáfora de alguém que estava enxergando a vida de forma limitada e ingênua.
Mas isto chegou ao fim no exato dia em que, confrontado com a verdade dita pelo
fantasma do pai, caiu na real. Por isto, é que só depois de saber dos fatos
como aconteceram foi que pode escolher "ser" ou “não ser”. Seu dilema tornou-se
"vingar ou não vingar a morte do rei". A decisão que viesse a tomar
implicaria em quem "seria". Se vingasse o pai, "seria"
assassino. Caso contrário, "seria" covarde, ou, no mínimo, conivente
com seu assassinato. Fez a primeira opção, embora matando a pessoa errada. E
isso determinou o que Hamlet veio a ser. É como observou o saudoso escritor
português Vergílio Ferreira: “ Só numa situação concreta sabemos o que
realmente somos”. E o trágico príncipe da Dinamarca soube assim.
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