Friday, August 07, 2015

Rótulo sem sentido para agosto

Pedro J. Bondaczuk

O mês de agosto é, na concepção do povão (e de muito sujeito metido a intelectual) um período considerado “maldito”. Claro, não é atitude, digamos, racional. Não há nenhum período específico para a ocorrência de desgraças, tanto as provocadas pelo homem (a imensa maioria) quanto as ditadas pela natureza, os grandes desastres naturais, como terremotos devastadores, tsunamis apocalípticos, erupções vulcânicas aterrorizantes, tornados, furacões etc.etc.etc. Não é assim, todavia, que parte considerável das pessoas pensa.

Desde quando eu era muito criança (e isso há já um tempão), ouço dizerem por aí, de forma convicta, como se fosse certeza comprovada cientificamente, que “agosto é mês de cachorro louco”. Você, querido leitor, certamente também já ouviu isso e não apenas uma vez. Todavia, não há a menor prova, o mais remoto indício de que nesse período específico de 31 dias a hidrofobia seja uma constante, e em quantidade muito maior do que em qualquer outra época do ano, e que, de quebra, afete este animal tão querido, tido e havido como o melhor amigo do homem. E por que cachorros e não outros animais, domésticos (como o gato, por exemplo)? Não faz sentido! Mas é o que muita gente afirma, com ares sapienciais, com convicção, como se fosse algo líquido e certo, absolutamente incontestável, que só “imbecis” (como eu) não acreditem e contestem.

Se eu tivesse que caracterizar agosto de alguma forma (o que, óbvio, não tenho), jamais o caracterizaria como “mês do cachorro louco”. Por que estigmatizar esse animalzinho tão simpático e amigo, que se destaca, sobretudo, pela fidelidade? É, no mínimo, uma sacanagem com um bichinho tão companheiro. Caracterizaria agosto como “mês da loucura humana”. Claro que seria incorreto. Afinal, a insânia deste suposto “Homo Sapiens” não se restringe a um período específico anual, de meros 31 dias. É onipresente! Manifesta-se em todos os 365 dias de um ano, em todos os anos de séculos, de milênios, de eras, desde que este animal supostamente racional surgiu sobre a Terra. Ou exagero? Claro que estou generalizando. Sempre houve, há e suponho que continue havendo exceções. Mas... a loucura humana é onipresente, “também” em todos os agostos (mas não somente neles), sem excluir nenhum. A caracterização, embora imprópria, estaria, no entanto, bem mais próxima da realidade do que limitar ou definir a loucura dos cachorros (neste caso, a hidrofobia) a este específico mês.

Poderia citar dois episódios ocorridos em agostos diferentes que até justificariam batizar esse período como o da “loucura humana”. Um deles é a tal “Noite de São Bartolomeu”. Refiro-me ao dantesco massacre de centenas de milhares de pessoas, ao absurdo banho de sangue ocorrido num 23 de agosto, estendendo-se pelo dia 24, de 1572, em Paris, na luta entre católicos e protestantes. Alexandre Dumas escreveu sobre essa carnificina em seu livro “A rainha Margot”. E pensar que ambas as facções que se engalfinharam tão ferozmente se diziam “cristãs”!!! E pensar que Cristo pregava, justamente, o oposto do que tais pessoas sentiam (que era ódio avassalador), ou seja, o amor! Que recomendava, até mesmo, que quando alguém nos esbofeteasse, em vez de reagirmos na mesma medida á agressão, voltássemos a outra face ao agressor. Que nos ensinou a orar pedindo perdão por nossas ofensas “como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. O ser humano (alguns, infelizmente muitos) é ou não é sinistro animal insano?!

Outro episódio, com número menor de mortos, mas com conseqüências de longo prazo infinitamente piores, foi o lançamento de bombas atômicas contra indefesas populações civis, arrasando, em minutos, duas cidades relativamente populosas. Refiro-me, claro, aos ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki. Foi a insanidade elevada à enésima potência!!! Tão malucos quanto os que decidiram esses ataques, e os que o fizeram, foram (e são) os que tentaram e ainda tentam justificar essa barbaridade, alegando que eles levaram ao fim da Segunda Guerra Mundial, poupando, dessa forma, milhares, quiçá milhões de vidas. Cada qual julgue, por si só, quem está com a razão0: se quem condena o holocausto nuclear ou se os que tentam justificá-lo.

Há pelo menos meio século, quando tomei gosto pela escrita, assumi, perante mim mesmo, o compromisso de, em todos os meses de agosto, enquanto vivesse, trazer as tragédias de Hiroshima e Nagasaki à baila, mesmo que em apenas um reles parágrafo de algumas linhas. Desde então, não falhei um único ano. Claro, reitero, que a loucura humana não se manifesta exclusivamente em meses de agosto. Creio que episódios, como os que citei, de intolerância e de violência, sejam até estatisticamente minoritários nesse mês. São constantes, freqüentes, cotidianos, desde que nossa espécie surgiu sobre a Terra. Não pensem que faço essa constatação com prazer. Não faço! Escrevo isso com os dentes rilhando, de vergonha e desespero, sonhando com um utópico período em que a humanidade, finalmente, se “humanize”. Não creio, contudo, que viverei para ver esse “milagre”. Mas... nunca se sabe...


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