Sunday, August 09, 2015

Nosso maior desafio


Pedro J. Bondaczuk

A vida é constituída de desafios que temos que enfrentar do nascimento até a morte. Somos desafiados, principalmente, a superar as circunstâncias que surgem em nosso caminho, de maneira aleatória e surpreendente. Alguns acreditam em “destino”, em determinismo, em dependência prévia de decisões alheias, como se fôssemos meros bonecos de marionetes, manipulados por algum títere, por alguma entidade superior e soberana. Não somos! A experiência e a lógica indicam que essa postura é absurda. Não passa de pueril tentativa de quem pensa assim de justificar, previamente, seus possíveis fracassos.

Nosso desafio, no caso, é o de procurar ampliar (e perpetuar) as circunstâncias favoráveis e de alterar (ou extinguir) as que sejam ruins, A maioria fracassa nessa empreitada. É condenada a uma vida cinzenta, sofrida, dramática e infeliz. Tratei desse tema muitas vezes, descobrindo, a cada nova abordagem, ângulos novos da questão. Em um texto, escrito há uma década (creio), observei, à certa altura: “O homem, desde o nascimento até a hora da morte, é confrontado, diariamente, por pequenos e grandes desafios. Recém nascido, é desafiado a fazer o reconhecimento do mundo ao seu redor e fixar no cérebro ainda ‘virgem’, e portanto mais receptivo, os primeiros conceitos, que não entende, mas que ficarão gravados em seu subconsciente até morrer. Depois, é incitado pelo instinto a segurar a cabeça, a sentar, a engatinhar, a andar, a falar...”

E prossegui: “Posteriormente, vem o delicioso período da fantasia infantil. Chega a época dos brinquedos, que nada mais são do que treinamentos para a realidade que o indivíduo terá de enfrentar no correr do resto da sua existência. Esta fase é seguida pela da educação. Primeiro, no lar, com os pais e irmãos, aprendendo, instintivamente, os conceitos de autoridade, dever, interação social etc. E os desafios prosseguem vida afora”. À certa altura, ponderei: “Os desafios que temos que enfrentar... são individuais e coletivos. Envolvem pessoas, famílias, comunidades, países ou gerações. É a sua capacidade de enfrentá-los que permitiu a esse animal estranho e frágil sair da caverna primitiva, rumo à conquista do espaço, para se tornar o mais forte de todos os seres viventes”.

Enumerei alguns desses desafios vencidos, com os respectivos resultados: “Esta criatura forçou a própria natureza e jamais se entregou ao seu rígido domínio. Aprendeu a andar ereto, desenvolveu habilidades manuais e expandiu o próprio cérebro. ‘Refez-se’. Sua insaciável curiosidade levou-o a obrar maravilhas: desde a fabricação dos primeiros e rústicos instrumentos de pedra, aos reatores nucleares; dos rabiscos nas paredes das cavernas, às ‘rodovias de informação’, que trazem o mundo a uma telinha em nossa casa com o simples comprimir de um botão; da descoberta da agricultura, às viagens espaciais”. Concluí, no entanto, desolado: “Só não venceu, ainda, o desafio da solidariedade...”

E não venceu mesmo. Continua tão competitivo quanto sempre foi. Pior, salvo exceções, compete sem atentar para regras de lealdade, justiça e piedade com os vencidos. Mostra-se ganancioso, cruel e impiedoso com os mais fracos. Lança mão de todos os expedientes possíveis e imagináveis para superar seu semelhante, como se fosse a máxima glória, esquecido que sozinho não é ninguém. Conserva (quando não amplia) seu instinto animal de “predador”. Trata todos, até inconscientemente, como presas, indiferente se estas são animais de outras espécies, se vegetais ou se próprios humanos. Porém, só vencendo o desafio da solidariedade o homem se salvará, bem como a toda a humanidade, da extinção. Todavia, indiferente ao perigo iminente, pavimenta celeremente o caminho da catástrofe e nem se dá conta.  

O filósofo e ensaísta francês, Henri Bergson, escreveu:  “A vida é um caminho de sombras e luzes. O importante é que se saiba vitalizar as sombras e aproveitar a luz”. Será que estamos sabendo como fazer isso? Estamos vitalizando o lado sombrio da existência e aproveitando seu aspecto luminoso? Quanto mais a humanidade se multiplica – e ela já chega a mais de sete bilhões de indivíduos – maior se torna o desafio da necessária conscientização. Conscientizar um punhado de pessoas, não importa se um milhar, um milhão ou mesmo um bilhão, pode ser complicado (e é), mas não é impossível. A impossibilidade, contudo, está em promover a conscientização de TODAS as que habitam o Planeta, dada suas ostensivas diferenças físicas, mentais, intelectuais etc.etc.etc. E quanto em maior número elas forem, mais impossível essa imperiosa tarefa se tornará.   

Creio que até o mais alienado dos alienados concorda que o que ai está é ruim, é perverso, é destrutivo, é inadequado e precisa ser mudado. O artista plástico norte-americano Andy Warhol, expoente da chamada “pop arte”, que entre outras coisas se tornou célebre por citações de efeito, afirmou, certa feita: “Dizem que o tempo muda as coisas, mas é você quem tem de mudá-las”. Pelo menos nesta questão, estava certo. Não será o tempo que mudará o que tem que ser mudado. Cabe a nós esse desafio. 

Peço licença ao paciente leitor para encerrar estas aparentemente pessimistas reflexões com este trecho de outra crônica minha a propósito de desafios: “Compete-nos sonhar. Sonhar a não mais poder. Compete-nos agir. Agir até o limite das nossas resistências. Compete-nos criar. Criar universos de fantasia, embora com a pobre matéria-prima da realidade. Compete-nos avançar para além da vida. Jorge Luís Borges escreveu: ‘Fomos feitos para a arte: fomos feitos para a memória e a poesia: ou fomos feitos, quem sabe, para o esquecimento. Mal algo sobra; e esse algo é a história ou a poesia, que não são essencialmente distintas’. Somos desafiados a cada instante a nos definir: o que somos, o que queremos, para o quê viemos a este mundo louco? Borges revela que ‘cada um de nós se define para sempre, num único instante de sua vida – instante esse em que cada qual se encontra para sempre consigo mesmo’. Alguns adiam ‘sine die’ esse encontro. Outros jamais o promovem. Mas os que têm a coragem de afrontar seus fantasmas concluem, invariavelmente: ‘apenas a vida não nos basta...’" Ao que eu aduziria: “é esta vida, que aí está, que não nos basta. Ou que não deveria nos bastar”.


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