Os frutos amargos do Irangate
Pedro J.
Bondaczuk
Os efeitos danosos, do ponto de vista estratégico, da
ajuda militar concedida pelos Estados Unidos ao Irã, começam a aparecer com
maior destaque agora, que a República Islâmica consolidou suas cabeças-de-ponte
em território iraquiano, conteve o ímpeto dos ataques inimigos contra seus
objetivos econômicos e deslocou o eixo do conflito para um ponto sumamente
estratégico do Golfo Pérsico: o Estreito de Hormuz.
Por esse local passam,
diariamente, dezenas de gigantescos superpetroleiros ocidentais, inclusive do
Brasil, transportando petróleo da Arábia Saudita, Omã, Qatar, Kuwait e Emirados
Árabes Unidos.
Nenhum setor, portanto, presta-se
mais à chantagem, do que este. Pelo que se informa, é justamente ali que os
iranianos instalaram baterias de mísseis, tornando o tráfego naval na área um
verdadeiro jogo lotérico.
A permanência da navegabilidade
dessa zona marítima está na dependência dos caprichos e dos humores dos
aiatolás fanáticos, que acreditam que os meios justificam os fins. E a sua
finalidade, definida com meridiana clareza desde a ascensão do atual regime, em
fevereiro de 1979, é restabelecer um império muçulmano, à feição do que existiu
ali por volta do século VII da nossa era, e que foi governado por Ciro (não
confundir com o imperador medo-persa de mesmo nome de três milênios atrás).
O irônico em tudo isso é que os
mísseis que os iranianos estão instalando para exercer a sua chantagem, não
somente sobre os Estados Unidos, mas também sobre os vários países que
participaram da secreta operação de transporte do material bélico para eles,
podem ser os mesmos fornecidos por “Tio Sam”.
Se assim for, o feitiço estará,
mais uma vez, se voltando contra o feiticeiro. E além da libertação de dois
reféns, imediatamente substituídos por outros seis, capturados a posteriori, o
que foi que a Casa Branca conseguiu de prático, de útil e de rendoso com a
estranha operação?
Não pôde concretizar uma
aproximação com os moderados iranianos, se é que eles existem. Não concluiu uma
guerra, que tantos prejuízos já causou e foi responsável por quase dois milhões
de vítimas em seis anos e meio de duração. Não obteve nem mesmo a gratidão dos
persas, e nem teria porque, já que os armamentos foram pagos e por preço quase
100% mais alto do que o em vigor no mercado.
“Bem”, poderia afirmar alguém que
fosse favorável a esse tipo de transação (se é que ainda existe algum), “os
anti-sandinistas pelo menos receberam um importante reforço de dinheiro”. Só
que, se tais recursos tiveram esse destino, se pode parodiar uma famosa canção
popular que diz em seu refrão que “ninguém sabe, ninguém viu”.
Dos US$ 20 milhões que se afirma
terem sido destinados a esse auxílio, por sinal contrário à legislação
norte-americana e, por conseguinte, criminoso, os “contras” garantem terem
recebido, quando muito, uns US$ 100 mil, e não mais. Até hoje um dos maiores
“mistérios” do “Irangate” é saber em que bolso foi parar tamanha bolada.
Portanto, agora que a tensão
voltou a subir no Golfo Pérsico, com o anúncio, inclusive, de um pretenso plano
militar contingencial norte-americano para a região, se percebe que tanto
sacrifício acabou sendo feito por absolutamente nada.
A rigor, os únicos que podem
afirmar que lucraram alguma coisa, foram os opositores do presidente Ronald
Reagan. Com a sua imagem desgastada por mais esta gafe, os democratas, batidos
de forma humilhante no último pleito presidencial nos Estados Unidos, têm, pelo
menos, uma pequena perspectiva de retorno à Casa Branca, após a desastrada passagem
por lá de Jimmy Carter.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 25
de março de 1987).
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