Wednesday, August 26, 2015

Os frutos amargos do Irangate


Pedro J. Bondaczuk


Os efeitos danosos, do ponto de vista estratégico, da ajuda militar concedida pelos Estados Unidos ao Irã, começam a aparecer com maior destaque agora, que a República Islâmica consolidou suas cabeças-de-ponte em território iraquiano, conteve o ímpeto dos ataques inimigos contra seus objetivos econômicos e deslocou o eixo do conflito para um ponto sumamente estratégico do Golfo Pérsico: o Estreito de Hormuz.

Por esse local passam, diariamente, dezenas de gigantescos superpetroleiros ocidentais, inclusive do Brasil, transportando petróleo da Arábia Saudita, Omã, Qatar, Kuwait e Emirados Árabes Unidos.

Nenhum setor, portanto, presta-se mais à chantagem, do que este. Pelo que se informa, é justamente ali que os iranianos instalaram baterias de mísseis, tornando o tráfego naval na área um verdadeiro jogo lotérico.

A permanência da navegabilidade dessa zona marítima está na dependência dos caprichos e dos humores dos aiatolás fanáticos, que acreditam que os meios justificam os fins. E a sua finalidade, definida com meridiana clareza desde a ascensão do atual regime, em fevereiro de 1979, é restabelecer um império muçulmano, à feição do que existiu ali por volta do século VII da nossa era, e que foi governado por Ciro (não confundir com o imperador medo-persa de mesmo nome de três milênios atrás).

O irônico em tudo isso é que os mísseis que os iranianos estão instalando para exercer a sua chantagem, não somente sobre os Estados Unidos, mas também sobre os vários países que participaram da secreta operação de transporte do material bélico para eles, podem ser os mesmos fornecidos por “Tio Sam”.

Se assim for, o feitiço estará, mais uma vez, se voltando contra o feiticeiro. E além da libertação de dois reféns, imediatamente substituídos por outros seis, capturados a posteriori, o que foi que a Casa Branca conseguiu de prático, de útil e de rendoso com a estranha operação?

Não pôde concretizar uma aproximação com os moderados iranianos, se é que eles existem. Não concluiu uma guerra, que tantos prejuízos já causou e foi responsável por quase dois milhões de vítimas em seis anos e meio de duração. Não obteve nem mesmo a gratidão dos persas, e nem teria porque, já que os armamentos foram pagos e por preço quase 100% mais alto do que o em vigor no mercado.

“Bem”, poderia afirmar alguém que fosse favorável a esse tipo de transação (se é que ainda existe algum), “os anti-sandinistas pelo menos receberam um importante reforço de dinheiro”. Só que, se tais recursos tiveram esse destino, se pode parodiar uma famosa canção popular que diz em seu refrão que “ninguém sabe, ninguém viu”.

Dos US$ 20 milhões que se afirma terem sido destinados a esse auxílio, por sinal contrário à legislação norte-americana e, por conseguinte, criminoso, os “contras” garantem terem recebido, quando muito, uns US$ 100 mil, e não mais. Até hoje um dos maiores “mistérios” do “Irangate” é saber em que bolso foi parar tamanha bolada.

Portanto, agora que a tensão voltou a subir no Golfo Pérsico, com o anúncio, inclusive, de um pretenso plano militar contingencial norte-americano para a região, se percebe que tanto sacrifício acabou sendo feito por absolutamente nada.

A rigor, os únicos que podem afirmar que lucraram alguma coisa, foram os opositores do presidente Ronald Reagan. Com a sua imagem desgastada por mais esta gafe, os democratas, batidos de forma humilhante no último pleito presidencial nos Estados Unidos, têm, pelo menos, uma pequena perspectiva de retorno à Casa Branca, após a desastrada passagem por lá de Jimmy Carter.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 25 de março de 1987).


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