Evolução vagarosa e
parcial
Pedro
J. Bondaczuk
“Os homens são animais
muito estranhos: uma mistura do nervosismo de um cavalo, da teimosia de uma
mula e da malícia de um camelo”. O autor dessa contundente e nada lisonjeira
constatação foi o escritor Aldous Huxley, em um de seus tantos livros (não me lembro
qual). É verdade que se trata de uma generalização. Ele não apontou quantas
pessoas são assim e nem se agem dessa maneira o tempo todo. Sequer poderia
particularizar, em um universo de mais de 7 bilhões de indivíduos que habitam o
Planeta, nos mais variados graus culturais, econômicos, sociais, anímicos etc.
Não é preciso ser nenhum gênio para saber que o desenvolvimento mental,
intelectual etc. do homem (ou dos homens) não é uniforme.
Há pessoas que estão
além do nosso tempo, por sua mentalidade evoluída e por seu preparo
intelectual, enquanto, em contrapartida, há, também, comunidades inteiras que
estão, ainda, na idade da pedra lascada em termos de costumes e de formas de
encarar a vida e, sobretudo, de viver. Creiam-me, não exagero. Não faz muito, por
exemplo, questão de poucas décadas, foi descoberta uma tribo de aborígenes, em
uma área remota da Austrália, que vivia como nossos remotíssimos ancestrais dos
tempos das cavernas. Eu não ficaria nada surpreso se, em pleno século XXI,
quando as comunicações e os transportes “encolheram” o Planeta, transformando-o
em uma aldeia global, fossem encontradas outras comunidades com idêntico grau
de atraso.
Aliás, nem é preciso
tanto. Volta e meia topamos, aqui e ali, na cidade em que vivemos, com pessoas
com tamanho grau de atraso mental e espiritual que causariam pena até aos
nossos remotíssimos e supostamente atrasados ancestrais cavernícolas. Claro que
a culpa não é totalmente delas. Tem muito a ver com o ambiente em que vivem,
com as oportunidades que recebem (no caso, que deixam de receber) de educação e
de informação, enfim, com tantas e tão variadas circunstâncias que as impedem
de progredir. Não só não progridem, como muitas vezes regridem em relação aos
seus pais, avós e bisavós.
A evolução da nossa espécie
não é rápida, uniforme, contínua e nem generalizada. Caracteriza-se por avanços
e retrocessos, através das gerações. Ademais, não envolve todas as pessoas.
Umas evoluem, enquanto outras estagnam, quando não retrocedem. E não me refiro
apenas à questão material, às descobertas e invenções que facilitam demais
nossa vida cotidiana. Penso, no caso, no comportamento e na mentalidade que o
determina. A humanidade evoluiu, do ponto de vista tecnológico, de forma
miraculosa, em especial nos últimos dois séculos, impulsionada por esta “mola”
irresistível chamada de “necessidade”. Essa evolução, todavia, não foi e não é
acompanhada (não pelo menos no mesmo ritmo) por um progresso espiritual
equivalente, consistente, contínuo e generalizado.
Huxley generalizou sua
pitoresca comparação pela impossibilidade de particularizá-la. Por isso, também
se incluiu nela. Cá para nós, paciente leitor, você já não agiu, não digo o
tempo todo, mas em determinadas circunstâncias, “com o nervosismo de um cavalo,
com a teimosia de uma mula e com a malícia de um camelo”? Eu já agi dessa
maneira, e em várias ocasiões. Não dominei, por exemplo, a ansiedade, face
tarefas de grande responsabilidade e nem exercitei a paciência com determinadas
pessoas quando até poderia (embora não saiba se deveria) fazê-lo. Ou seja, fui
nervoso, como um cavalo.
Quanto à teimosia...
Deus do céu, esta é quase um distintivo meu! É verdade que, para agradar meu
ego, denomino-a com o pomposo nome de “persistência”, o que lhe confere alguma
nobreza. Mas houve momentos em que não deveria teimar e que teimei. É o
comuníssimo comportamento de “não dar o braço a torcer”, como diz o povão,
teimando, teimando e teimando em sustentar idéias e teses insustentáveis. Minha
teimosia deixaria qualquer mula no chinelo. Mas... deixa pra lá.
Já a malicia... é
caracterizada por uma certa “esperteza”: a de querer levar vantagem em tudo.
É comportamento para lá de comum a nós,
brasileiros, convenhamos (posto que não exclusividade nossa, óbvio).
Ressalte-se que Huxley não se referiu, aqui, a uma intenção deliberada de
causar males, de prejudicar os outros, que é o significado principal dessa
palavra. Quando falou em “malícia” estava pensando naquilo que há algum tempo
era conhecido entre nós como a “lei de Gerson” (expressão que há já bom tempo
desapareceu do nosso vocabulário).
Nos tempos em que a
propaganda de cigarros ainda era permitida, se não me falha a memória nos anos
70 do século passado, o craque da Seleção foi contratado por determinada
agência de publicidade para gravar um comercial de certa marca, cujo mote era
exatamente este: o de “levar vantagem em tudo”. Claro que os incautos fumantes
que se deixaram levar pela mensagem do anúncio não obtiveram vantagem alguma,
em absolutamente nada. Pelo contrário... só tiveram desvantagens, tanto para
sua saúde quanto para seu bolso, gastando dinheiro desnecessariamente em um produto que só lhes trouxe toda a sorte
de prejuízos. É este tipo de malícia que supera a do camelo que, à menor
distração de quem o monta, morde-lhe, sem a menor cerimônia, os joelhos.
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