Homens e ratos
Pedro J. Bondaczuk
O escritor russo, Máximo
Gorki, escreveu magistral conto, intitulado “A Mãe”, em que narra a história de
uma criança paralítica, incapaz de se defender, que tinha várias partes do
corpo comidas por ratos. Parece fantasia do genial autor, mas, creiam-me, é,
pelo menos, verossímil. Já aconteceu algo parecido na vida real e vezes sem
conta. No conto, os roedores produziram chagas enormes no menino indefeso, que
sua mãe adolescente, imatura e irresponsável, não pôde ou não quis evitar.
Todavia, como constatou Fedor Dostoiéwsky, “a realidade sempre supera a ficção”
em termos de crueza e dramaticidade. E nem é preciso ir muito longe para
encontrar casos que superam, em muito, as mais loucas e apavorantes fantasias
de escritores de ficção.
Algumas situações no Brasil
contemporâneo, por exemplo, em pleno terceiro milênio da Era Cristã, num país
que é detentor da sexta ou da sétima maior economia do mundo, são tão
insólitas, que nem o mais criativo dos dramaturgos ou o mais cruel dos sádicos
conseguiria inventar. É o caso da história de Edileusa Félix da Silva, na época
(1994) com 24 anos de idade, que era catadora de lixo na cidade pernambucana de
Timbaúba, e que tinha um elemento comum com o citado conto de Gorki: os ratos.
Só que, ao contrário do menino da narrativa do escritor russo, nem ela e nem
sua família eram “comidos” pelos roedores. Comiam-nos. E há muitos anos. Até
apreciavam seu sabor, conforme admitiram na oportunidade. Devoravam esses
bichos, observe-se, não, evidentemente, por razões gastronômicas, mas por causa
da necessidade. Faziam-no premidos pela fome.
Na época, citei esse caso,
amplamente divulgado pela imprensa, em um editorial que redigi para o jornal em
que trabalhava, o “Correio Popular” de Campinas, publicado na edição de 19 de
outubro de 1994. Ressalte-se que Edileusa e sua família não eram as únicas
pessoas a lançarem mão desse desesperado recurso e nem pretendi, então,
caracterizar Pernambuco como Estado em que a miséria atingia tais extremos.
Ademais, não atingia. Tínhamos, então, nas periferias de São Paulo e do Rio de
Janeiro, gente que sequer esse animal asqueroso tinha para comer.
Bem, a situação, nesse
aspecto, melhorou demais, com os vários programas sociais adotados nos últimos
anos. Ainda assim... Vocês acham que a miséria foi debelada? Que não existe
mais ninguém precisando comer ratos para sobreviver? Antes fosse assim.
Convenhamos, já não temos mais uma fome endêmica, como em passado recente, para
vergonha nacional. Mas, volta e meia, tomamos conhecimento de casos como o de
Edileusa e sua família em um desses tantos grotões deste País de dimensões
continentais.
Encontrei
em meus arquivos, por exemplo, matéria, publicada em 2013 pelo portal UOL,
dando conta de que a escassez de comida, por causa da seca, estava forçando os
moradores do Distrito de Brejinhos, no município de Assunção, no Piauí, a 273
quilômetros de Teresina, a caçarem o chamado “rato-rabudo”, como única
alternativa para prover seu cardápio com proteínas. A região é caracterizada
por muitas grutas, que servem de abrigo aos roedores. Era comum (não sei se
ainda é) ver moradores, em todos os fins das tarde, saírem de suas casas para
caçar. A caça, como explica a matéria, era artesanal, com uso de toscas
armadilhas, feitas com pedra e gravetos;
Um
morador de Brejinhos, identificado como Genivaldo Bezerra, inclusive explicou
como eram essas caçadas. "Quando o rabudo passa pela armadilha, a pedra
cai em cima e ele morre sufocado. No dia seguinte, a gente vai logo cedo ao
local buscar o animal para já ser consumido no almoço", explicou ao
repórter. Não sei se isso ainda é comum naquela região. Presumo que não. Mas...
certeza não tenho nenhuma.
Nunca
consegui entender as reações de muitas pessoas face casos como estes. Ficam
chocadíssimas com histórias, como o conto que citei, de Máximo Gorki,
mostram-se indignadas, classificam-nas como
peças de horror e de extremo mau gosto e chegam a duvidar até, não raro,
da sanidade mental dos autores. Todavia,... na vida real, agem com olímpica
indiferença quando sabem que seres humanos (muitas vezes seus vizinhos) são
forçados a comer ratos e outras
porcarias, não por prazer (óbvio), mas para sobreviver. E não são poucos os que
agem assim.
É
fato que nem todos os comedores de ratos fazem-no por necessidade. Em alguns
países, esses asquerosos roedores, transmissores de um sem-número de doenças,
são considerados manjares muito especiais. Duvidam? Pois não deveriam. Na
Tailândia, por exemplo, esses animais são devorados com prazer e glutonaria, em
várias formas de preparo, com receitas sofisticadíssimas. O mesmo ocorre na
China, no Vietnã e em diversos outros países da Ásia. Até em certas partes da
França esses roedores são consumidos, com todo o requinte e tempero da
tradicional culinária francesa. E para os que os apreciam, ratos é que não
faltam. Dificilmente faltarão;
Uma
estimativa recente da Organização Mundial de Saúde deu conta de que haveria, no
mundo, três desses roedores para cada habitante da Terra. Fazendo as contas,
concluímos que há, no mínimo, por baixo, em cifras até subestimadas, vinte e um
BILHÕES desses animais, que se reproduzem a velocidades estonteantes, à
disposição dos “gourmets” que apreciam sua carne. Os biólogos apostam que serão
os ratos, e não as baratas, como muitos supõem, que herdarão o Planeta, tão
logo o homem seja extinto (e este faz a maior força possível para consumar a
própria extinção). Afinal, enquanto a população desses não menos asquerosos
insetos diminui drasticamente, conforme apontam pesquisas, a dos roedores
cresce exponencialmente, mesmo sendo devorados por muitos. Dostoiewsky tinha ou
não tinha razão ao afirmar que “a realidade sempre supera a ficção” em termos
de crueza e dramaticidade? Ora se tinha!!!!!
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