Morrer... Dormir...
Pedro
J. Bondaczuk
O célebre monólogo
criado por William Shakespeare no ato 3, cena 1 da peça “A trágica história de
Hamlet, príncipe da Dinamarca”, trata, entre outras coisas, de um assunto do
qual fugimos, ou procuramos fugir quando podemos. Admitamos ou não, todavia, é
uma fuga inútil. Por mais alienados que possamos ser, temos consciência de se
tratar de algo de que jamais poderemos escapar, seja qual for nossa condição de
saúde ou posição econômica e social: a morte. Só não sabemos como e quando ela
irá nos colher. Ainda bem. Mas temos a íntima certeza de que, façamos ou que fizermos,
não escaparemos dela jamais. É a grande niveladora das pessoas. Pobres e ricos,
néscios e ignorantes, poderosos e servis, belos e monstruosos etc.etc.etc.
terão todos (rigorosamente todos) esse mesmíssimo destino. A “ignorância” sobre
o “quando” e o “como” é apenas um pequeno alento. Permite-nos, pelo menos,
tocar a vida como se esta nunca fosse acabar. Ou seja, sem preocupação de
verdade quanto ao seu fim. Este, todavia, fatalmente virá e sem nenhum
aviso.
Após saber da verdade
sobre a morte do pai, assassinado pelo tio e não vitimado por causas naturais,
como supusera até então, pelo seu “fantasma”, o jovem príncipe da Dinamarca se
viu diante do dilema: ser ou não ser? No primeiro caso, tinha diante de si dois
caminhos a escolher, ambos sumamente ruins. Poderia (e sua consciência dizia
que esta seria a atitude digna a seguir), vingar a morte do pai e restabelecer
a verdade dos fatos. Nesse caso, todavia,
certamente teria que matar o assassino e usurpador. Passaria, pois, a
ser, mesmo que supusesse por bom motivo, assassino. O segundo caminho era mais
cômodo, porém moralmente pior. Poderia deixar as coisas como estavam, fazer de
conta que continuava ignorando a verdadeira causa da morte do pai e, ainda
assim, “seria”. Não assassino, é verdade, contudo um poltrão omisso e
acomodado, um covarde e, de certa forma, conivente com o crime (quem cala,
consente).
Hamlet vislumbrou,
todavia, a alternativa de “não ser”, á qual passou a analisar. Neste caso, a
negação do ser tinha o sentido de “não existir”. E como poderia assumir essa
condição de inexistência? Óbvio, pela morte, que comparou com o sono, posto que
sem a certeza de que a comparação fosse exata. Esta poderia vir ou por mãos
alheias – por exemplo por parte do assassino do pai, ao se defender de sua
tentativa de vingança – ou, então, mediante suicídio. É sobre isso que Hamlet
pondera, na sequência do seu dramático monólogo:
.
“ (...) Morrer; dormir;
Só isso. E com o sono -
dizem - extinguir
Dores do coração e as
mil mazelas naturais
A que a carne é
sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável.
Morrer, dormir...
Dormir! Talvez sonhar.
Aí está o obstáculo!
Os sonhos que hão de
vir no sono da morte
Quando tivermos
escapado ao tumulto vital
Nos obrigam a hesitar:
e é essa reflexão
Que dá à desventura uma
vida tão longa (...)”.
A dúvida o torturava.
Morrer seria mesmo como dormir? Conseguiria “extinguir dores do coração e as
mil mazelas naturais a que a carne é sujeita”, como era ardentemente desejável?
E se, no sono da morte tivesse sonhos, sim, mas não os agradáveis como quando
se dorme vivo? E se, pelo contrário, tivesse pesadelos atrozes e sem fim, que
lhe trouxessem somente sofrimentos eternos, muito maiores e mais intensos do
que qualquer um que pudesse ter em vida? Haveria consciência depois de morrer?
Quanto? Como? A dúvida sobre esse “depois”, que atormentou Hamlet, atormenta a
humanidade desde que o primeiro homem surgiu na terra. Há quem creia (ou alegue
crer) em outro tipo de “vida” depois da morte. Mas... saber, saber de fato, o que
ocorre após nossa extinção física, digam o que disserem, ninguém sabe.
Não tenho como não
concordar com o escritor português Antonio Lobo Antunes quando afirma: “Ninguém
sabe o que é a morte, mas não faz muita diferença porque também nunca sabemos o
que é a vida”. Porventura sabemos? Você sabe, paciente leitor? Certamente tem
sua teoria a propósito, mas saber, saber de fato, garanto que não sabe. Ninguém
sabe! Nem mesmo Victor Hugo, que expressou entusiasmo pelo fim físico, ao
afirmar que “morrer não é acabar, é a suprema manhã” sabia. Creio que em sua
mente havia somente infinita esperança, sem ínfima fração de certeza.
Nesse “dormir, talvez
sonhar” foi que o príncipe da Dinamarca vislumbrou o principal obstáculo de
optar pelo não ser. Daí haver reconhecido: “Os sonhos que hão de vir no sono da
morte quando tivermos escapado ao tumulto vital nos obrigam a hesitar”. Afinal,
haveria algum sonho? De que natureza? Valeria correr o risco? E Hamlet conclui:
“e é essa reflexão que dá à desventura uma vida tão longa”. Ou seja, entendeu
que por essa causa, por essa insolúvel dúvida, muitos preferem os sofrimentos
conhecidos, por mais atrozes e intensos que possam ser, a se arriscarem a
mergulhar no desconhecido do não ser, cujas penas e dores podem, quem sabe, ser
infinitamente maiores. E, pior: podem ser eternas.
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