Loucuras de amor
Pedro
J. Bondaczuk
A natureza dotou todas
as espécies animais de um instinto específico para assegurar sua reprodução e,
dessa forma, promover sua perpetuação, ou tentativa dela. Em algumas, os machos
são dotados de características físicas peculiares, como o formato e as cores
das penas de alguns tipos de aves, por exemplo, ou um canto próprio e tantos
outros artifícios naturais. Em outras, há todo um ritual de acasalamento, que
se repete geração após geração e que precede o instante que a natureza objetiva
que seja atingido: o da cópula e da respectiva fecundação. Há casos e mais
casos em que o macho precisa lutar com rivais pelo direito de fecundar a fêmea,
em combates que, se não são mortais (às vezes são), causam ferimentos variáveis
nos contendores, tanto no vencedor, quanto, principalmente, no perdedor.
E entre os humanos,
como esse instinto se manifesta? Há, também, competição? Os machos da espécie
têm, igualmente, que lutar pela fêmea, pelo direito de engravidá-la e, dessa
forma, assegurar sua continuidade com a geração de novo ser? Sim, há. Todavia,
por se tratar do único animal que se conhece, dotado de razão, os rituais de
acasalamento humano ocorrem de forma, digamos, mais civilizada. Há todo um
processo, que antecede o clímax, iniciado por passos preliminares que caracterizam
a conquista e que tem a penúltima etapa, a que antecede a cópula, representada
por uma cerimônia, conhecida como casamento. Isso tudo, frise-se, em situações
ditas “normais”, consideradas como tais e, por isso, aceitas e consagradas
pelas várias sociedades, quase que por consenso.
Fôssemos deixar tudo
por conta exclusivamente dos instintos naturais, todos esses passos seriam
prescindíveis e a conjunção carnal se daria com pleno sucesso em minutos, tão
logo macho e fêmea se encontrassem. Não raro isso acontece. Todavia, tais
ocorrências exclusivamente instintivas estão cercadas por sanções sociais que
servem como freio para que o acasalamento ocorra de maneira mais nobre,
racional e, portanto, nada selvagem.
Nossa espécie cultiva um sentimento que se manifesta de diversas maneiras, e
que inúmeras pessoas tentam racionalizar e explicar (em vão), conhecido como
“amor” (e suas expressões correspondentes nas mais de duas dezenas de milhar de
idiomas e dialetos existentes). O homem raciocina, age e vive por símbolos, que
ele próprio cria, e que transmite de geração a geração. A linguagem, falada e,
sobretudo, a escrita, é um deles. E o processo de acasalamento, desde seu
princípio, quando surge entre um casal a atração amorosa, o mútuo interesse,
aquela centelha de paixão, até a véspera da consumação, que é o casamento, é
todo ele simbólico.
Os sacrifícios que
estamos dispostos a fazer (e que muitas vezes fazemos) apenas para atrair a
atenção da mulher que amamos, e cuja reciprocidade pretendemos conseguir,
praticamente não têm limites. Não raro, arriscamos até a vida por sua simples
atenção. Desmanchamo-nos em gestos de gentileza, boa parte dos quais
simbólicos, com essa finalidade. Um deles é o hábito de ofertar flores à pessoa
amada, cuja reciprocidade ansiamos conseguir. E estas são cercadas de toda uma
simbologia, envolvendo espécies e cores, entendida pela parte que desejamos
impressionar e, no fim das contas, claro, conquistar. Uma dessas flores que
transmitem à mulher dos nossos sonhos a mensagem de que nutrimos por ela amor
sincero e extremo, ou seja, desesperado, é o miosótis, mais conhecido como
“Não-me-esqueças”.
E como surgiu esse
costume específico? Qual a causa dessa denominação tão direta e objetiva?
Conforme uma lenda européia, muito popular ainda hoje, datada da Idade Média,
certo dia, um cavaleiro andante, jovem impetuoso e apaixonado, viu, em um
barranco íngreme e quase inacessível, a flor azul de Miosótis. Percebeu que a
mulher de seus sonhos também a viu e ficou encantada por ela. Sem medir
conseqüências, indiferente a riscos e
sacrifícios, o guapo cavaleiro resolveu apanhá-la para oferecer como tributo à
amada. Dito e feito. Só que, no afã de realizar a façanha, não se desfez da pesada
armadura que usava, a exemplo de todos os cavaleiros andantes do seu tempo. Até
chegou a colher a pequena e delicada florzinha, mas, quando se preparava para
descer e entregá-la à sua musa, seus pés resvalaram na íngreme ribanceira e o
imprudente rapaz despencou e caiu no rio. Tentou nadar, em vão. O peso da
armadura puxava-o para o fundo. Antes de se afogar, num último esforço, com o
miosótis na mão, gritou: “Não me esqueças!”. E afundou. Desde então, a flor
simboliza o amor sincero e desesperado e é conhecida, também, pelo nome do
último apelo feito pelo imprudente apaixonado.
Essa lenda tem várias
versões, todas, porém, com idêntico desfecho. Uma delas diz que num belo dia de
Primavera, dois jovens apaixonados se encontravam à margem de um caudaloso rio.
Suas águas eram turbulentas e nelas a
moça avistou um ramo de miosótis flutuando. Ficou maravilhada pela beleza da
flor. Seu amado, no afã de agradá-la, mergulhou para apanhar o ramo e
oferecê-lo à mulher dos seus sonhos. Todavia, quando tentou voltar para a
margem, foi arrastado pela forte correnteza. Pouco antes de desaparecer no
fundo do rio, o tresloucado rapaz gritou para a amada: "Não me esqueça, me
ame para sempre!". A partir desse dia, a flor miosótis passou a crescer
apenas nas margens planas dos rios, para que mais ninguém tivesse que morrer
por sua causa. Se preciso, porém, muitos e muitos estão dispostos a fazê-lo em
nome do amor, porquanto, ao contrário do que ser propala, o romantismo (ainda?)
não morreu. Quão estranhos que nós somos!!!!
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