Wednesday, August 12, 2015

Loucuras de amor


Pedro J. Bondaczuk

A natureza dotou todas as espécies animais de um instinto específico para assegurar sua reprodução e, dessa forma, promover sua perpetuação, ou tentativa dela. Em algumas, os machos são dotados de características físicas peculiares, como o formato e as cores das penas de alguns tipos de aves, por exemplo, ou um canto próprio e tantos outros artifícios naturais. Em outras, há todo um ritual de acasalamento, que se repete geração após geração e que precede o instante que a natureza objetiva que seja atingido: o da cópula e da respectiva fecundação. Há casos e mais casos em que o macho precisa lutar com rivais pelo direito de fecundar a fêmea, em combates que, se não são mortais (às vezes são), causam ferimentos variáveis nos contendores, tanto no vencedor, quanto, principalmente, no perdedor.

E entre os humanos, como esse instinto se manifesta? Há, também, competição? Os machos da espécie têm, igualmente, que lutar pela fêmea, pelo direito de engravidá-la e, dessa forma, assegurar sua continuidade com a geração de novo ser? Sim, há. Todavia, por se tratar do único animal que se conhece, dotado de razão, os rituais de acasalamento humano ocorrem de forma, digamos, mais civilizada. Há todo um processo, que antecede o clímax, iniciado por passos preliminares que caracterizam a conquista e que tem a penúltima etapa, a que antecede a cópula, representada por uma cerimônia, conhecida como casamento. Isso tudo, frise-se, em situações ditas “normais”, consideradas como tais e, por isso, aceitas e consagradas pelas várias sociedades, quase que por consenso.

Fôssemos deixar tudo por conta exclusivamente dos instintos naturais, todos esses passos seriam prescindíveis e a conjunção carnal se daria com pleno sucesso em minutos, tão logo macho e fêmea se encontrassem. Não raro isso acontece. Todavia, tais ocorrências exclusivamente instintivas estão cercadas por sanções sociais que servem como freio para que o acasalamento ocorra de maneira mais nobre, racional e, portanto,  nada selvagem. Nossa espécie cultiva um sentimento que se manifesta de diversas maneiras, e que inúmeras pessoas tentam racionalizar e explicar (em vão), conhecido como “amor” (e suas expressões correspondentes nas mais de duas dezenas de milhar de idiomas e dialetos existentes). O homem raciocina, age e vive por símbolos, que ele próprio cria, e que transmite de geração a geração. A linguagem, falada e, sobretudo, a escrita, é um deles. E o processo de acasalamento, desde seu princípio, quando surge entre um casal a atração amorosa, o mútuo interesse, aquela centelha de paixão, até a véspera da consumação, que é o casamento, é todo ele simbólico.      

Os sacrifícios que estamos dispostos a fazer (e que muitas vezes fazemos) apenas para atrair a atenção da mulher que amamos, e cuja reciprocidade pretendemos conseguir, praticamente não têm limites. Não raro, arriscamos até a vida por sua simples atenção. Desmanchamo-nos em gestos de gentileza, boa parte dos quais simbólicos, com essa finalidade. Um deles é o hábito de ofertar flores à pessoa amada, cuja reciprocidade ansiamos conseguir. E estas são cercadas de toda uma simbologia, envolvendo espécies e cores, entendida pela parte que desejamos impressionar e, no fim das contas, claro, conquistar. Uma dessas flores que transmitem à mulher dos nossos sonhos a mensagem de que nutrimos por ela amor sincero e extremo, ou seja, desesperado, é o miosótis, mais conhecido como “Não-me-esqueças”.
    
E como surgiu esse costume específico? Qual a causa dessa denominação tão direta e objetiva? Conforme uma lenda européia, muito popular ainda hoje, datada da Idade Média, certo dia, um cavaleiro andante, jovem impetuoso e apaixonado, viu, em um barranco íngreme e quase inacessível, a flor azul de Miosótis. Percebeu que a mulher de seus sonhos também a viu e ficou encantada por ela. Sem medir conseqüências, indiferente a  riscos e sacrifícios, o guapo cavaleiro resolveu apanhá-la para oferecer como tributo à amada. Dito e feito. Só que, no afã de realizar a façanha, não se desfez da pesada armadura que usava, a exemplo de todos os cavaleiros andantes do seu tempo. Até chegou a colher a pequena e delicada florzinha, mas, quando se preparava para descer e entregá-la à sua musa, seus pés resvalaram na íngreme ribanceira e o imprudente rapaz despencou e caiu no rio. Tentou nadar, em vão. O peso da armadura puxava-o para o fundo. Antes de se afogar, num último esforço, com o miosótis na mão, gritou: “Não me esqueças!”. E afundou. Desde então, a flor simboliza o amor sincero e desesperado e é conhecida, também, pelo nome do último apelo feito pelo imprudente apaixonado.

Essa lenda tem várias versões, todas, porém, com idêntico desfecho. Uma delas diz que num belo dia de Primavera, dois jovens apaixonados se encontravam à margem de um caudaloso rio. Suas  águas eram turbulentas e nelas a moça avistou um ramo de miosótis flutuando. Ficou maravilhada pela beleza da flor. Seu amado, no afã de agradá-la, mergulhou para apanhar o ramo e oferecê-lo à mulher dos seus sonhos. Todavia, quando tentou voltar para a margem, foi arrastado pela forte correnteza. Pouco antes de desaparecer no fundo do rio, o tresloucado rapaz gritou para a amada: "Não me esqueça, me ame para sempre!". A partir desse dia, a flor miosótis passou a crescer apenas nas margens planas dos rios, para que mais ninguém tivesse que morrer por sua causa. Se preciso, porém, muitos e muitos estão dispostos a fazê-lo em nome do amor, porquanto, ao contrário do que ser propala, o romantismo (ainda?) não morreu. Quão estranhos que nós somos!!!!


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