Os
vários significados de ser
Pedro J. Bondaczuk
O conceito de “ser”, trazido à
baila no célebre monólogo criado por William Shakespeare no ato 3, cena 1 da
peça “A trágica história de Hamlet, príncipe da Dinamarca”, é um dos
fundamentos da Filosofia desde que esta “mãe” de todas as ciências surgiu. A
tradição grega deu a esse verbo quatro significados distintos. De acordo com a
enciclopédia eletrônica Wikipédia, o filósofo Platão explicitou cada um deles,
de forma lógica e inquestionável, em dois de seus diálogos: nos que intitulou
de “Parmênides” e “Sofista”. O sentido mais comum de “ser” é o de “existir”. Quando afirmo que
determinada pessoa ou coisa é, imediatamente vem à mente do meu interlocutor
que ela existe. Caso não existisse, obviamente, jamais seria.
Não foi essa, porém, a conotação
que Shakespeare quis dar ao dilema de Hamlet, o célebre “ser ou não ser”.
Observe-se que para os gregos não havia distinção entre a existência de algo
concreto e de algo abstrato. Diziam, por exemplo, também, que o “unicórnio é”.
Todavia, nem preciso dizer que esse tipo de animal não existe e nunca existiu,
não é mesmo? Wikipédia lembra que esse povo extraordinário não tinha nenhuma
palavra específica para o conceito de existência. Para eles, existir era sempre
“ser”, quer o objeto ou animal existisse concretamente, quer não passasse de
abstração.
O segundo significado, definido
por Platão, para este verbo foi o de identidade. Quando digo que Zacarias é um
homem, estou esclarecendo que não é nem uma coisa, nem animal. É humano. Não
foi essa, também, a conotação que Shakespeare deu ao dilema de Hamlet. Sua
humanidade estava implícita e era óbvia. O terceiro sentido de “ser”, para
Platão, era o “predicativo”. Ou seja, o que exprimia uma propriedade, ou um
predicado do objeto ou da pessoa referida. Quando dizemos “Pedro é forte”,
deixamos clara uma característica capaz de identificá-lo. Implica em uma ação,
mesmo que potencial. Para sabermos que ele conta com a citada força,
pressupõe-se que tenhamos testemunhado alguma ação dele em que tenha
manifestado essa característica.
Creio que foi esse o sentido que
Shakespeare quis dar ao seu célebre “ser ou não ser, eis a questão”. O que me
leva a essa conclusão é a alternativa que o bardo inglês propôs, em forma
interrogativa, na sequência, nos versos seguintes do icônico monólogo:
“Será mais nobre sofrer na alma
Pedradas e flechadas do destino feroz
Ou pegar em armas contra o mar de angústias
E, combatendo-o, dar-lhe fim?”.
Hamlet somente poderia optar por
uma dessas alternativas caso “fosse”: ou um sujeito alienado e omisso, que
aceita todas as circunstâncias sem reagir, ou um lutador ousado e destemido,
que combate o mal que o aflige para dar-lhe fim. Se escolhesse o primeiro
caminho seria, para sempre, o indivíduo covarde, de certa forma cúmplice do
assassinato do pai e da infidelidade da mãe, que por medo ou por comodidade
preferiria deixar as coisas como estavam, sem nada fazer para revertê-las,
mesmo ciente da sua injustiça. De certa forma, portanto, compactuaria com os
delitos. A segunda opção era mais complicada e perigosa, posto que mais digna.
Caso essa fosse sua decisão, Hamlet poderia tanto se tornar assassino, se
escolhesse se vingar, na base da pena de Talião, quanto encontrar outra solução
diferente, mas dependente de terceiros, como, por exemplo, a de levar os
assassinos à justiça, que talvez nem acolhesse sua pretensão.
Os dilemas sempre nos cobram
algum preço, não raro proibitivo. É assim que a vida funciona. Se Hamlet
optasse “por sofrer na alma pedradas e flechadas do destino”, sem nada fazer,
depois de conhecer a verdade sobre a morte do pai, provavelmente sairia
incólume, fisicamente. O certo, porém, é que ficaria para sempre marcado com a
pecha de covarde e perderia todo o respeito de seus concidadãos e o próprio.
Seria um pária em seu reino. Talvez não tivesse coragem de sequer se olhar no
espelho. O preço da alternativa, contudo, seria muitíssimo maior, embora mais
digno. Talvez, pegando “em armas contra o mar de angústias e, combatendo-o,
dar-lhe fim”, se tornaria assassino, ou mesmo poderia ser morto antes de sequer
consumar a vingança, embora a mera decisão de vingar o pai se constituísse num
fiel cumprimento do código de honra que por tanto tempo prevaleceu nas mais
diversas sociedades.
Finalmente, o quarto significado
definido por Platão para o verbo “ser” é o veritativo. Ou seja, o filósofo
considerou-o a essência da verdade. Esse, porém, é um aspecto que lhe deixo
como desafio, paciente leitor, como uma espécie de lição de casa. Pesquisar a respeito,
certamente, só lhe fará bem. Por questão
de justiça, é mister destacar que o primeiro filósofo (ao que se saiba) a
colocar explicitamente o conceito de “ser”, foi Parmênides. Só que, ao
contrário de Platão, ele afirmou que era impossível falar ou pensar no não ser,
pois, no seu entender, ele nada significava. Mas... essa é outra história que
fica para outra vez.
No comments:
Post a Comment