Saturday, August 15, 2015

A trama da vida

Pedro J. Bondaczuk

A vida do homem é uma trama tecida de bons e de maus fios”. Esta citação de William Shakespeare cabe, a caráter, em sua biografia. Aliás, cabe nas de todos nós. Convivemos com circunstâncias aleatórias, ora favoráveis, ora muito ruins. A qualidade do tecido que resultar dessa trama que somos levados a tecer vai depender de como teceremos esses fios. Shakespeare foi dos tais que soube fazer dos limões azedos que o acaso lhe atirou refrescante limonada. Teceu, com os fios das tragédias, que cercaram seus passos, preciosa obra literária e teatral, que vem superando o tempo e o esquecimento, conservando incrível toque de atualidade.

A vida de muitos escritores rivaliza, em termos de interesse e atratividade, com o que produzem e legam à posteridade. Não raro os supera. Nem todos sabem tecer bons panos com maus fios. Os que desenvolvem essa habilidade, se consagram e se perpetuam no coração e nas mentes das gerações. Sei que estou sendo repetitivo, pois escrevi o mesmo quando comentei biografias, por exemplo, de Edgar Alan Poe, Victor Hugo, Virgínia Woolf e Machado de Assis, entre tantos e tantos outros homens e mulheres que fizeram da Literatura sua forma de dizer ao mundo ao que vieram. A reiteração, porém, é válida e se constitui em recurso precioso para fixar conceitos. Aproveito o ensejo para reiterar também que nem tudo o que os biógrafos escrevem é a rigorosa “fotografia” da realidade. Há muito de fantasia e de especulação nas narrativas de determinados episódios da vida dos biografados.   

Pode-se dizer que William Shakespeare foi, antes de tudo, um sobrevivente. Conseguiu sobreviver, por exemplo, à epidemia de peste bubônica que assolava a Inglaterra do século XVI, que matou suas duas irmãs mais velhas, Joan e Margaret, entre 1558 e 1563. Foi o terceiro filho dos oito que o casal John Shakespeare – fabricante de luvas e comerciante de lãs, que chegou a ser prefeito de Stratford-Upon-Avon – e Mary Arden – filha de um rico proprietário de terras – gerou. Os outros cinco irmãos, como ele também poupados pela insidiosa moléstia, foram: Gilbert (1566), Joan (1569), Anne (1571), Richard (1574) e Edmund (1580).

Para desespero dos biógrafos, há dois períodos distintos da vida de William Shakespeare que somados, perfazem mais de uma década, em que não há a menor referência ao que fez, como e onde. Não existe nenhum documento, nenhuma referência, nada, rigorosamente nada a propósito dessa fase. Tais períodos são, respectivamente, os compreendidos entre os anos de 1578 e 1582 e os de 1585 e 1592. São o que seus biógrafos e estudiosos de sua obra classificam como “os anos perdidos”. Colhi estas informações no excelente texto de Meire Kusumoto, intitulado “Shakespeare, para além do mito”.

Por mais rigoroso que se queira ser, é enorme desafio distinguir fatos de lendas. Ademais, há profundas lacunas que, se preenchidas, talvez explicassem a razão do seu sucesso. Não se sabe, por exemplo, quando ele deixou a pacata cidadezinha em que nasceu, a Stratford-Upon-Avon de sua infância e adolescência, para se aventurar na cidade grande, no caso, Londres. Por que escolheu, especificamente, o teatro, onde atuou inicialmente como ator, e não outra atividade qualquer? Qual a sua formação dramática? Com quem e quando aprendeu as técnicas dessa milenar arte? Por mais que se procure, não há documento algum que responda a essas questões, sobre as quais só se pode especular. E como especulam a respeito!!!        

Uma das características que mais chamam a atenção nas peças de William Shakespeare é a naturalidade com que mistura tragédia e comédia, sem que essa mescla sequer cause estranheza. Em outras partes da Europa, como Itália, França e Alemanha, isso não ocorria. Havia nítida demarcação entre o que faz rir e o que faz chorar. Talvez sua maneira de encarar a vida, que pode ser resumida por esta sua frase ultracitada mundo afora – “o mundo é uma história contada por um idiota, desprovida de senso e significado e cheia de barulho e fúria” – explique. Talvez...


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