A trama da vida
Pedro
J. Bondaczuk
“A vida do homem é uma
trama tecida de bons e de maus fios”. Esta citação de William Shakespeare cabe,
a caráter, em sua biografia. Aliás, cabe nas de todos nós. Convivemos com
circunstâncias aleatórias, ora favoráveis, ora muito ruins. A qualidade do
tecido que resultar dessa trama que somos levados a tecer vai depender de como
teceremos esses fios. Shakespeare foi dos tais que soube fazer dos limões
azedos que o acaso lhe atirou refrescante limonada. Teceu, com os fios das
tragédias, que cercaram seus passos, preciosa obra literária e teatral, que vem
superando o tempo e o esquecimento, conservando incrível toque de atualidade.
A vida de muitos
escritores rivaliza, em termos de interesse e atratividade, com o que produzem
e legam à posteridade. Não raro os supera. Nem todos sabem tecer bons panos com
maus fios. Os que desenvolvem essa habilidade, se consagram e se perpetuam no
coração e nas mentes das gerações. Sei que estou sendo repetitivo, pois escrevi
o mesmo quando comentei biografias, por exemplo, de Edgar Alan Poe, Victor
Hugo, Virgínia Woolf e Machado de Assis, entre tantos e tantos outros homens e
mulheres que fizeram da Literatura sua forma de dizer ao mundo ao que vieram. A
reiteração, porém, é válida e se constitui em recurso precioso para fixar
conceitos. Aproveito o ensejo para reiterar também que nem tudo o que os
biógrafos escrevem é a rigorosa “fotografia” da realidade. Há muito de fantasia
e de especulação nas narrativas de determinados episódios da vida dos
biografados.
Pode-se dizer que
William Shakespeare foi, antes de tudo, um sobrevivente. Conseguiu sobreviver,
por exemplo, à epidemia de peste bubônica que assolava a Inglaterra do século
XVI, que matou suas duas irmãs mais velhas, Joan e Margaret, entre 1558 e 1563.
Foi o terceiro filho dos oito que o casal John Shakespeare – fabricante de
luvas e comerciante de lãs, que chegou a ser prefeito de Stratford-Upon-Avon –
e Mary Arden – filha de um rico proprietário de terras – gerou. Os outros cinco
irmãos, como ele também poupados pela insidiosa moléstia, foram: Gilbert
(1566), Joan (1569), Anne (1571), Richard (1574) e Edmund (1580).
Para desespero dos
biógrafos, há dois períodos distintos da vida de William Shakespeare que
somados, perfazem mais de uma década, em que não há a menor referência ao que
fez, como e onde. Não existe nenhum documento, nenhuma referência, nada,
rigorosamente nada a propósito dessa fase. Tais períodos são, respectivamente,
os compreendidos entre os anos de 1578 e 1582 e os de 1585 e 1592. São o que
seus biógrafos e estudiosos de sua obra classificam como “os anos perdidos”.
Colhi estas informações no excelente texto de Meire Kusumoto, intitulado
“Shakespeare, para além do mito”.
Por mais rigoroso que
se queira ser, é enorme desafio distinguir fatos de lendas. Ademais, há
profundas lacunas que, se preenchidas, talvez explicassem a razão do seu
sucesso. Não se sabe, por exemplo, quando ele deixou a pacata cidadezinha em
que nasceu, a Stratford-Upon-Avon de sua infância e adolescência, para se
aventurar na cidade grande, no caso, Londres. Por que escolheu,
especificamente, o teatro, onde atuou inicialmente como ator, e não outra
atividade qualquer? Qual a sua formação dramática? Com quem e quando aprendeu
as técnicas dessa milenar arte? Por mais que se procure, não há documento algum
que responda a essas questões, sobre as quais só se pode especular. E como
especulam a respeito!!!
Uma das características
que mais chamam a atenção nas peças de William Shakespeare é a naturalidade com
que mistura tragédia e comédia, sem que essa mescla sequer cause estranheza. Em
outras partes da Europa, como Itália, França e Alemanha, isso não ocorria.
Havia nítida demarcação entre o que faz rir e o que faz chorar. Talvez sua
maneira de encarar a vida, que pode ser resumida por esta sua frase ultracitada
mundo afora – “o mundo é uma história contada por um idiota, desprovida de
senso e significado e cheia de barulho e fúria” – explique. Talvez...
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