Saturday, August 01, 2015

Ancestral e pioneiro meio de comunicação

Pedro J. Bondaczuk

O teatro é uma das expressões artísticas mais completas, e mais antigas, já inventadas pelo bicho homem. Supõe-se que tenha surgido nos primórdios da civilização, na Idade da Pedra Lascada, ou quase,  quando mal o Homo Sapiens havia tomado consciência de si e do mundo em que estava e começado a tentar entender tudo que o rodeava, até por questão de sobrevivência. Dizer, evidentemente, que foi assim ou assado, ou que não foi, é rigorosamente impossível, por razões óbvias. Não há a menor prova concreta de como, onde e, principalmente de quando o teatro surgiu. E nem poderia haver. Afinal, não havia sequer linguagem escrita para registrar tudo isso. Os alfabetos surgiram milênios (quantos?) após essa arte já ter plena existência. Por isso, os historiadores são unânimes em situar sua origem mais proximamente de nós: na Grécia Antiga e no século IV antes de Cristo (ou por volta dele).

E por que podemos especular com razoável margem de probabilidade sobre a origem do teatro (e sobre tantas e tantas outras coisas atinentes a nosso remotíssimo passado)? Por intuição. Pelo que o sociólogo francês, Maurice Halbwachs (que cunhou o termo) denominou de “memória coletiva”. Ele observou (e seu conterrâneo David Émile Durkheim havia pensado nisso antes dele) “que as representações coletivas do mundo, incluindo as do passado, tinham suas origens na interação de entidades coletivas desde o início. E que não poderiam ser reduzidas a contribuições de indivíduos. Eventos e experiências lembrados são raramente constituídos por indivíduos à parte de outros ou de seu grupo social”. Como não sou especializado na obra de Halbwachs (embora conheça alguma coisa dela), colhi essa informação específica na sempre providencial enciclopédia eletrônica Wikipédia.

Essa nossa “intuição” sobre fatos e comportamentos datados de milênios anteriores ao nosso nascimento cabe direitinho no conceito de “inconsciente coletivo”, do psicanalista suíço Carl Gustav Jung. Bem, por esse critério pode-se “intuir” que o teatro surgiu quase que simultaneamente com a primitiva pintura. Só fica a dúvida se ambas as manifestações nasceram juntas ou se uma antecedeu a outra. Pouco importa. O que importa é que as duas teriam (e neste caso o correto é sempre usar os verbos no condicional) finalidades mágicas. As figuras de animais desenhadas nas paredes das cavernas teriam a função de prender suas almas e torná-las presas fáceis dos caçadores. Já o teatro serviria como uma espécie de rito, ora de celebração e agradecimento aos deuses pelo sucesso da caça, ora de pedido às divindades antropomórficas para que favorecessem as atividades destinadas à obtenção de alimentos.

As primitivas manifestações teatrais teriam se caracterizado por danças coletivas. Na sequência, teriam evoluído para a arte da representação. Ou seja, para a suposta “incorporação” dos deuses que nossos remotos ancestrais adoravam, pelos primitivíssimos “atores” de então. Já na fase mais evoluída, a da Grécia Antiga, o teatro viria a dar origem (aí sim é dispensável o condicional)  ao que viria a se constituir, muitos séculos depois, na Literatura de ficção, como a conhecemos. Ou seja, no romance, no conto, na novela e, mais recentemente, nos roteiros de cinema.

Os ficcionistas primitivos não inventavam suas histórias, como fazemos hoje. Davam suas versões a notícias de que tomavam conhecimento, claro, dando livre curso às próprias fantasias. Seus enredos baseavam-se no que achavam serem “fatos reais” (que talvez nem fossem, mas que tinham convicção de que eram). O teatro, pois, de certa forma, também pode ser considerado o embrião do jornalismo, em uma época em que as notícias levavam não dias, semanas ou meses para chegar de uma parte a outra, mas anos, quando não décadas. Óbvio que chegavam distorcidas, diria, “poluídas”. Afinal, ontem e sempre o clichê que diz que “quem conta um conto, aumenta um ponto”, era e ainda é mais do que nunca válido. Por isso, as “informações” eram adaptadas (pela visão dos que as adaptavam) para serem representadas por atores em um palco, para atentas e interativas platéias.

O teatro passou por inúmeras transformações ao longo do tempo, mas não perdeu sua característica básica: a do contato direto de quem transmite uma mensagem ou “concretiza” uma história (fictícia, na imensa maioria dos casos, ou não) e seu destinatário, o público. Foram muitas as ocasiões em que se previu sua extinção, em vista de surgimento de outros meios, mais modernos, ágeis e considerados mais “racionais”, como o cinema e mais recentemente a televisão, para transmitir a mesma coisa que ele transmitia (e transmite, óbvio). Todavia, embora em constante crise de uns tempos para cá, sobreviveu e segue sobrevivendo, contra todos os prognósticos pessimistas. Pois é, em sua essência, o mais genuíno modo de comunicação entre quem cria e transmite sua criação de forma concreta, com a ação de atores, e quem é o destinatário dessa criação.


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