Biógrafos e biografias
Pedro
J. Bondaczuk
As biografias refletem
com fidelidade a vida dos biografados? Antes de responder, o leitor atento
certamente irá ponderar: depende do biógrafo. Como em tudo o que se faz na
vida, há os competentes e os nem tanto. Há os honestos que se apegam
ferrenhamente à verdade e a buscam obsessivamente e os que não têm essa
preocupação. E vai por aí afora. Da minha parte, eu responderia a essa pergunta
com enfático e sonoro “não”!!!
Não se trata de
questionar competência e honestidade do biógrafo. Mas a lógica me diz que é
impossível relatar, com absoluta fidelidade, uma vida, e que nem precisa ser
tão longa, em, digamos, 300 ou 400 páginas. E nem mesmo em milhares delas.
Sequer quem redige autobiografias consegue essa façanha, não, pelo menos, com
absoluta fidelidade aos fatos. Ora interpreta os episódios mais polêmicos
invariavelmente pelo aspecto mais favorável, deixando-se levar pela vaidade.
Ora é autocrítico além da conta.
Estas considerações vêm
a propósito do livro “Nada como o sol”, do britânico Anthony Burgess. Para ser
preciso, devo destacar que não se trata, propriamente, de uma biografia. É um
romance, em que o autor de “Laranja mecânica” se propõe a relatar a vida
amorosa de William Shakespeare. O autor assegurou que seu relato, romanceado,
baseou-se em fontes históricas. Só não convence o crítico sobre quais são tais
referências, que nenhum estudioso sério da vida do bardo inglês nunca encontrou
e qual sua veracidade e credibilidade. Há quem goste da sua narrativa e até a
aceite como lídima expressão da verdade. Eu não!
Não sou o único (longe
disso) a acreditar que biografias nunca relatam com fidelidade a vida dos
biografados. Há quem reverencie exageradamente a figura sobre a qual escrevem a
ponto de santificá-la. Óbvio que ninguém é santo. Todos temos (uns mais e
outros menos) nossos “esqueletos no armário”. No outro extremo, há os que a
demonize e busque o que há de escabroso e ruim na vida do biografado, os que
não têm o menor escrúpulo em destruir sua imagem. Se não encontram nada de
desabonador, inventam. Claro que há os ponderados, os equilibrados, os
honestos. Mas como distingui-los?
George Bernard Shaw
escreveu a propósito: “Ao ler uma biografia, recordai que a verdade nunca se
presta a publicação”. Acaso se presta? É sempre o aspecto mais interessante da
vida do biografado? É capaz de despertar o interesse e de prender a atenção do
leitor, promovendo, destarte, grande venda do livro? Dificilmente. Mas não foi
somente Shaw que revelou seu ceticismo a propósito. Outro escritor, que sempre
primou pelo humor ácido e implacável, o norte-americano Samuel Clemens, que se
consagrou com o pseudônimo Mark Twain, igualmente mostrou-se descrente a
respeito desse tipo de literatura. Escreveu: “As biografias são apenas as
roupas e os botões da pessoa. A vida da própria pessoa não pode ser escrita”. É
exatamente o que penso, afirmo e reitero. Daí não embarcar na onda das várias
biografias de William Shakespeare. Prefiro saborear e valorizar sua obra.
Em vez de dar crédito a
determinados “biógrafos”, que especulam com uma suposta relação homossexual do
bardo inglês, por exemplo, com base, somente, na desastrosa interpretação de um
de seus poemas, prefiro deliciar-me com pérolas de sabedoria e de
sensibilidade, como esta, do “Soneto 116”:
“De
almas sinceras a união sincera.
Nada
há que impeça: amor não é amor.
Se
quando encontra obstáculos se altera,
ou
se vacila ao mínimo temor.
Amor
é um marco eterno, dominante,
que
encara a tempestade com bravura;
É
astro que norteia a vela errante,
cujo
valor se ignora, lá na altura.
Amor
não teme o tempo, muito embora
seu
alfange não poupe a mocidade;
Amor
não se transforma de hora em hora,
antes
se afirma para a eternidade.
Se
isso é falso, e que é falso alguém provou,
eu
não sou poeta, e ninguém nunca amou”.
Infelizmente, não
consegui apurar quem foi o tradutor dessa maravilha. Quanto ao livro de
Burgess, tenho alguns comentários a fazer, o que farei oportunamente. Adianto,
porém, que a impressão que ele me deixou dá razão ao humorista peruano
Sofocleto (pseudônimo de Luís Felipe Angell), que sentenciou: “Os biógrafos e
os abutres alimentam-se de cadáveres”. Para não generalizar, eu acrescentaria:
mas há exceções (posto que não muitas). Nada como os humoristas para rasgos de
sinceridade. Afinal, é rindo, é em tom de galhofa e de brincadeira, que se
dizem as grandes verdades.
Acompanhe-me pelo twiutter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment