O poeta William
Shakespeare
Pedro
J. Bondaczuk
As peças de William
Shakespeare são praticamente unanimidade. Ninguém contesta sua qualidade, sob
risco de, se o fizer, cair em ridículo. São estudadas pelos mais diversos
especialistas na matéria e representadas mundo e tempo afora, pelos mais
competentes atores, sempre com idêntico sucesso. São clássicos da arte teatral.
É impossível sequer de se estimar quantas vezes já foram encenadas mais de 400
anos após terem sido escritas. Hoje mesmo, com certeza em algum lugar do
Planeta, algumas delas estão sendo levadas ao palco, atraindo platéias das mais
heterogêneas e variadas. É um caso raro de sucesso. Não conheço nenhum outro
que pelo menos se aproxime dele e muito menos que o iguale ou o supere.
O mesmo não ocorre,
porém – não na mesma proporção – em relação à poesia de William Shakespeare.
Não que essa sua habilidade seja desconhecida, ou que sua obra poética tenha
baixa qualidade. Muito pelo contrário. É magnífica e arrebatadora. Quem a
conhece, atesta isso até com entusiasmo. E muitos a conhecem! Ela é objeto de
estudo em escolas de países de língua inglesa, e não por eruditos em
Literatura, mas por parte de adolescentes do ensino médio. Por que, então, a
poesia de Shakespeare não faz tanto sucesso quanto suas peças? Bem, as razões
são várias.
O gênero, convenhamos,
não é dos mais populares da Literatura. Não se compara, em termos de leitura e,
sobretudo, de interesse, nem de longe com contos, crônicas e até mesmo com
ensaios. Com romances, então, não há termos de comparação. Embora os principais
poetas de cada país sejam estudados nas respectivas escolas a partir dos cursos
secundários, são raros os alunos que complementam esses estudos lendo obras
completas deles fora dos bancos escolares. São estudados apenas alguns poucos
poemas, os mais conhecidos, dos poetas mais famosos, mas, por alguma razão que
foge ao meu entendimento, a poesia, como gênero literário nobre que é, não
desperta o gosto dos estudantes, quando deixam a escola, salvo exceções. Todos
perdem com isso. Poesia é para ser lida com prazer. É para ser meditada,
degustada, sentida, devorada vorazmente e incorporada ao nosso dia a dia. Quem
a aprecia e está familiarizado com ela, sabe do que estou falando.
William Shakespeare foi
tão bom poeta (se não melhor) quanto foi esse dramaturgo tão reverenciado,
autor de peças teatrais que se tornaram clássicas (e dizem que foi também ator
de primeiríssima qualidade). Sua obra poética está ao alcance de qualquer um
para comprovar. É certo que o problema do idioma não permite que seja usufruída
com plenitude. Poemas traduzidos nem sempre refletem com exatidão o que os
poetas quiseram dizer. Há expressões que não comportam traduções, não pelo
menos ao pé da letra, como certos tradutores imperitos fazem. O ideal é que Shakespeare seja lido (e
degustado) no original. Claro que esse privilégio só é acessível para quem
domine a língua em que seus poemas foram escritos. Registro, todavia, até por
questão de justiça, que há excelentes traduções, que nem mesmo são tão raras.
Tanto a poesia de
Shakespeare é importante, que suas primeiras obras publicadas, bem antes que
qualquer de suas peças fosse transformada em livro, foram dois poemas líricos
(“Vênus e Adônis” e “O estupro de Lucrécia”), o que ocorreu entre os anos de
1593 e 1594. Nesse período, ele teve que se afastar dos palcos, porque os
teatros ingleses foram todos fechados pelas autoridades, em decorrência da
epidemia de peste bubônica que assolava a Inglaterra e principalmente sua
capital, Londres, na ocasião. Sabe-se que Shakespeare escrevia poesias antes
mesmo de ter suas primeiras experiências teatrais. Nunca deixou de ser poeta.
No primeiro poema, um
inocente Adônis rejeita os avanços sexuais de uma excitada Vênus. No segundo,
uma virtuosa esposa, no caso Lucrécia, é violada sexualmente. Esses dois poemas
causam controvérsia até hoje e não propriamente pelo seu erotismo (ambos,
aliás, influenciados pela “Metamorfose”, do poeta latino Ovídio), mas, pasmem,
por sua dedicatória. Shakespeare dedicou-os a Henry Wriothlesley, terceiro
conde de Southampton, supostamente homossexual. Foi o que bastou para muitos
inventarem, sem a mais remota prova ou ínfimo indício, um improvável
relacionamento amoroso entre ambos. Tratarei, oportunamente, com mais detalhes,
desse assunto, que considero enorme covardia com quem não pode se defender.
Para não deixar o
leitor no ar, reproduzo, abaixo, um trecho de “Vênus e Adônis”, com tradução de
Alípio Correia de Franca Neto:
“(...)
Como o sol, faces púrpuras, desponta
Com
o adeus final da aurora se carpindo,
À
caça, Adônis, rosto em cor, se apronta.
Se
ama caçar, caçoa do amor, se rindo.
Doente
de amar, Vênus se lança atrás,
Corteja-o
feito um pretendente audaz.
‘Três
vezes mais formoso que eu’, diz ela,
‘Frescor
sem par, do prado a flor preciosa,
Mais
dócil que homens, nódoa à ninfa bela,
Mais
branco e róseo do que pomba e rosa:
A
Natureza, com ela mesma em guerra,
Proclama
que, ao morreres, morre a terra.
Te
digna apeares do corcel, portento,
E
prende a arção a fronte altiva; aliás,
Pelo
favor a mim, em pagamento,
Mil
segredos de mel conhecerás;
Vem,
senta, onde não silva a serpe, e assim,
Sentado,
em beijos te sufoco, enfim.
O
lábio não sacies no que é sobejo –
Na
sua abundância atiça-lhe o apetite,
Faz
que varie, rubro e sem cor: dez beijos,
Curtos
como um, um longo como vinte.
Um
dia de estio parecerá breve hora
Haurida
num prazer que ao tempo ignora...”
Voltarei ao assunto
abordando, sobretudo, os sonetos de Shakespeare, um dos seus maiores tributos à
Literatura e, sobretudo, à arte poética, abordando, inclusive, toda a polêmica
que os cerca ainda hoje.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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