Friday, June 26, 2015

Terrorismo de Estado


Pedro J. Bondaczuk

Os seqüestros de aviões, que começaram a acontecer a partir de 1960, quando era rotina jovens aventureiros (especialmente nos EUA) desviarem aviões para Havana, haviam diminuído de uns três anos para cá. Entretanto, em 1984 esse tipo de pirataria dos tempos modernos teve um dramático recrudescimento, especialmente no segundo semestre, e o novo pólo de atração passou a ser Teerã.

Até mesmo nós, brasileiros, tivemos neste ano um incidente dessa natureza, quando a 4 de fevereiro, o bancário cearense, Fernando Santiago, seqüestrou um Airbus-300 da Varig, com 158 passageiros a bordo (libertados, posteriormente, numa escala feita em Paramaribo, no Suriname), desviando-o para Cuba.

Em todos os casos, entretanto, os respectivos governos onde os aparelhos seqüestrados pousavam, mostravam grande empenho para coibir essa prática delituosa e prender seus autores. Não foi assim, porém, que o regime iraniano agiu no incidente do dia 4 passado, com o avião Airbus A-300 da empresa estatal do Kuwait. Denúncias feitas por quase todos os reféns, tanto os que estão no Paquistão, quanto os que retornaram  à capital kuwaitiana, comprometem seriamente as autoridades do Irã.

O xeque paquistanês, Abdul Hafiz, por exemplo, garante que quando os seqüestradores entraram no aparelho, no aeroporto de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, portavam apenas uma pequena pistola prateada e uma granada de porte reduzido.

Entretanto, em Teerã, os piratas aéreos valeram-se de um grande "arsenal" de torturas, tirado não se sabe de onde, composto, entre outras coisas, de cordas de nylon e grossas algemas de ferro com que manietaram os reféns, antes das várias sessões de selvageria que promoveram, espancando e queimando com pontas de cigarro acesas suas indefesas vítimas.

Os dois reféns funcionários da Agência Internacional de Desenvolvimento, do escritório da entidade no Paquistão, os norte-americanos Charles Hegna e William Stanford, foram friamente executados com tiros de um revólver calibre 38. Isto é, com uma arma de grande porte, impossível de ser escondida na revista que se faz nos passageiros nos aeroportos.

Se os seqüestradores levassem consigo as cordas, algemas e armas, quando embarcaram em Dubai, seria extremamente improvável que não chamassem a atenção das autoridades dos Emirados Árabes Unidos.

Portanto, são verossímeis as acusações dos reféns, de que agentes iranianos teriam fornecido todo esse instrumental para os terroristas. Caso tais denúncias se confirmem, virão, apenas, demonstrar a irresponsabilidade de conduta de pessoas que deveriam, na verdade, manter a ordem. Proteger a vida de cidadãos que ficaram sob sua responsabilidade, a partir do instante em que foi permitido o pouso do aparelho seqüestrado num aeroporto de seu território.

Atitudes irresponsáveis como esta, ainda que não sejam aprovadas pelo governo do Irã, comprometem a imagem (já bastante desgastada) do regime iraniano no Exterior. Equivalem a cumplicidade no ato de seqüestro. Mais do que isso, até podem ser caracterizadas como co-autoria, abrindo perigosos precedentes nas ações do terror, em que um Estado signatário de vários acordos e compromissos internacionais, consciente das responsabilidades que possui, não apenas faz vistas grossas a um grave delito, como dele ainda toma parte diretamente. A longo prazo, essa atitude pode servir como um autêntico "boomerangue", vindo a atingir, fatalmente, o próprio Irã na sua credibilidade externa.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 12 de dezembro de 1984)
  


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