O “viajante imóvel”
Pedro
J. Bondaczuk
Os vínculos de Machado
de Assis com o Rio de Janeiro foram completos, absolutos, irrestritos, e não
somente físicos (já que foi onde nasceu, trabalhou, amou, odiou, viveu
etc;etc.etc. e finalmente morreu), mas, sobretudo, anímicos. Tanto que
praticamente nunca deixou a cidade (e não foi por falta de convites,
destaque-se) para nada. A exceção foram duas breves viagens para Nova Friburgo,
por recomendação médica, por motivos de saúde. Assim, mesmo, foi para uma localidade
bem próxima, quase vizinha, na zona serrana do atual Estado do Rio de Janeiro.
Dizem que o escritor bem que gostaria de viajar para a Europa, principalmente
para a Itália, que ainda não era (recorde-se) o país que é hoje, unificado e
estável. Não passava de um conjunto de diversas regiões autônomas, cada uma
constituindo um Estado independente.
Dizem, também, que
Machado de Assis gostaria, ainda, de conhecer Portugal, terra de origem de sua
amada e eterna musa Carolina Augusta Xavier de Novaes, principalmente o Porto,
localidade em que ela nasceu. A pergunta que se impõe é: Por que, então, o
escritor não viajou para esses lugares (e tantos outros)? Bem, o motivo
principal, pelo menos o apontado, é a fragilidade da sua saúde. Provavelmente
(ou possivelmente, sei lá) temia não resistir à travessia de navio (na época
não havia outro meio de se ir à Europa). Tenho a intuição, porém, que essa não
era a única razão e nem mesmo a principal. Suponho que suas múltiplas
atividades – como escritor e como servidor público – não lhe permitiam esse
luxo. E que o Rio de Janeiro lhe bastava para tudo o que fazia e o que
planejava fazer.
Suas “viagens” foram
outras, mais fascinantes, do tipo que todos nós – e, sobretudo, os poetas –
volta e meia fazemos, sem deslocamentos, despesas, riscos e contratempos: as da
imaginação. Por meio dela vamos onde homem nenhum jamais chegou e provevelmente
nunca chegará. Às estrelas mais remotas do Universo. E a imaginação do “Bruxo
do Cosme Velho”, convenhamos, era das mais férteis (diria “fertilíssimas”,
recorrendo à minha maníaca obsessão por superlativos) que se possa encontrar. A
esse propósito, aliás, “topei”, dia desses, com um livro que tem tudo a ver com
esse tema, e desde o seu título. Refiro-me a “O viajante imóvel – Machado de
Assis e o Rio de Janeiro do seu tempo”, do jornalista e escritor Luciano Trigo.
Uma delícia! Trata-se de obra que surgiu quase que por acaso.
O autor explica por
que: “(...) Nasceu de um convite da Editora Record para fazer um texto que
ilustrasse um livro de fotografias do Rio antigo, com frases pinçadas da obra
de Machado: contos, romances e crônicas”. E Luciano acrescenta: “No processo da
pesquisa, verifiquei que o volume do material renderia um ensaio mais alentado,
mais profundo, e seria transformado o projeto num livro de texto, no qual as
ilustrações entrassem meramente como ilustrações. E foi o que aconteceu. Daí
surgiu ‘O viajante imóvel - Machado de Assis e o Rio de Janeiro de seu tempo’,
que virou mais tarde uma exposição aqui no Espaço Machado de Assis, com texto
meu também”. Como se vê, não foi planejado. Não, pelo menos, para o que se
transformou. Ou seja, nasceu por “acaso”. Bendito acaso!
A expressão “o viajante
imóvel” cabe como uma luva no caso de Machado de Assis. É, como diriam os jovens
do meu tempo (não sei se essa gíria ainda é usada ou se já se tornou arcaica)
“uma grande sacada”. Outro ponto do livro de Luciano Trigo que me chama, em
particular, a atenção, é o que ele escreveu nas primeiras linhas da introdução
dessa obra: “Não há novidade em afirmar que Machado de Assis foi muito mais um
retratista do que um paisagista”. Só contesto sua afirmação de que isso não é
novo. Confesso que não li essa caracterização em nenhum outro livro, de nenhum
outro autor, dos tantos que tratam do nosso mais genial escritor. Para mim,
essa afirmação é novidade sim!
E qual a diferença
entre um “paisagista” e um “retratista”? Poderia citar muitas, mas citarei a
que considero a principal. O primeiro preocupa-se com o conjunto de uma imagem
(seja ela paisagem ou pessoa, não importa) sem dar maior importância a
detalhes. Já o segundo é sumamente detalhista. Concentra-se em minúcias, em
particularidades, em detalhes, no que, geralmente, escapa ao olhar distraído
dos menos atentos (ou dos desatentos). Para Trigo, a obra do nosso personagem
é, quase sempre, analisada pelo enfoque do “paisagista”.
No que ele conclui:
“Por conta disso, quase sempre que se escreve sobre ele, a ênfase cai nos
aspectos psicológicos de sua obra, na sua capacidade de criar personagens
verossímeis, na sua curiosidade quase mórbida pelos recantos mais ocultos da
alma humana. Mas esse predomínio da psicologia sobre a geografia não anula a
presença desta última em sua obra. Na verdade, é impossível isolar os contos e
romances de Machado do contexto em que eles se inscrevem (e no qual ele os
escreve) - o Rio de Janeiro do Segundo Reinado - e das transformações por que
passou a sociedade em que o autor viveu, e das quais foi espectador
privilegiado”. Minha conclusão é a mesma da que Trigo deixa apenas implícita. A
de que, o “Bruxo do Cosme Velho” faz mais uma de suas “bruxarias” e consegue a
façanha de ser, simultaneamente, “retratista” e “paisagista”, posto que com
certo predomínio do primeiro. Ou estou errado?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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