Sunday, June 07, 2015

Guerra civil sem motivo ou propósito



Pedro J. Bondaczuk


O Líbano está vivendo uma situação humilhante e muito incômoda, no mais recente episódio da sua guerra civil, de quase dez anos de duração, cujos estragos são como se o conflito tivesse séculos. Enquanto tropas estrangeiras, as de Israel, começam a deixar o país (não sem antes trocar tiros e hostilizar muçulmanos libaneses) no Sul do território que ocupam há dois anos, outras forças alienígenas, as sírias, aumentam a sua presença no Norte.

Dessa forma, a sua soberania nacional continua sendo mera ficção, algo tão somente retórico. Os soldados de Damasco têm como pretexto para o aumento de sua presença na região a garantia da manutenção de Amin Gemayel na presidência libanesa, ameaçada, desta feita, pelo seu próprio clã familiar, que constitui o cerne da milícia cristã.

Um seu sobrinho e a própria cunhada do presidente (esposa de Bachir Gemayel, assassinado em 1982, pouco após ser eleito) questionam seriamente a liderança do mais jovem dos filhos do outrora todopoderoso criador da Falange, o falecido Pierre.

O irônico, em tudo isso, é o fato dos sírios, no início da guerra civil considerados os maiores inimigos dos milicianos cristãos, estarem defendendo com tanto empenho um presidente da comunidade maronita. É mais uma reviravolta de um conflito que poderia ser considerado cômico, não fosse a tragédia de ter sido o responsável pela perda de centenas de milhares de vidas e por prejuízos materiais impossíveis de dimensionar, tal a sua proporção.

De uma guerra que transformou um Líbano modelar, cuja convivência entre suas diversas comunidades era mencionada como exemplo há menos de uma década atrás, num saco de gatos, onde as pessoas se matam e se hostilizam entre si, sem sequer saberem a razão.

E o que fez o mundo durante o desenrolar de toda essa tragédia? Assistiu passivamente, quando não colocou mais lenha nessa fogueira, obtendo lucros incalculáveis com a venda de armas para que essa luta fratricida atingisse proporções incontroláveis.

O que fez a ONU para que as partes conflitantes se sentassem ao redor de uma mesa e resolvessem civilizadamente suas pendências? Enviou meia dúzia de “gatos pingados” ao Líbano, que jamais justificaram o por quê de suas presenças ali. E as superpotências, perdidas em suas elucubrações hegemônicas e seus sonhos megalomaníacos de domínio mundial, o que fizeram?

Os russos, através de seus fiéis prepostos, os sírios, entupiram aquele país de armas e de tropas. E de “slogans” e doutrinas, que nunca encheram a barriga de ninguém. Os norte-americanos, embora perdendo centenas de vidas na região, poderiam ter feito mais. Mas estão presos a compromissos conflitantes, na maioria das vezes, com as aspirações libanesas, às quais jamais ligaram a mínima.

Parece que ninguém aprendeu coisa alguma com os horrores da Segunda Guerra Mundial, que todos diziam, seria a última que o mundo veria. É a história que, embora com outro cenário e outros atores, repete a tragicomédia da estupidez humana.

(Artigo publicado na página 19, Internacional, do Correio Popular, em 17 de março de 1985).


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