Monday, June 15, 2015

O Bruxo do Cosme Velho

Pedro J. Bondaczuk

O “Bruxo do Cosme Velho”... Qual amante de Literatura (ou mesmo quem não a ame, mas que seja um tiquinho bem informado) nunca ouviu essa expressão em referência a Machado de Assis? Raros. Diria, raríssimos! Até porque, o maior escritor brasileiro de todos os tempos já foi, entre tantas outras coisas, até enredo de escola de samba, no Carnaval do Rio de Janeiro, na passarela da Marquês de Sapucaí. Popularidade, portanto, não falta ao personagem. E nem ao apelido que lhe foi dado e que “colou”, à sua revelia. Ninguém chama Machado de Assis dessa maneira em sentido pejorativo, claro. Muito pelo contrário! Até porque ninguém se atreveria a tal. É, isso sim, uma forma íntima, informal e carinhosa de expressar admiração por ele, considerando seu admirável talento como magia, sortilégio, enfim, como “bruxaria”, tamanho que ele foi.

Quanto à popularidade do escritor, esta é incontestável, tanto entre os intelectuais, os literatos, os eruditos, quanto, até, entre analfabetos de pai e mãe. Exagero? Longe disso. Em 1999, por exemplo, a revista IstoÉ promoveu uma eleição, convocando 30 especialistas que foram instados a escolher as 30 maiores personagens brasileiras do século XX, nas mais variadas áreas de atividade. No quesito Literatura é preciso informar quem foi o vencedor? Claro, foi Machado de Assis!!! Deu de 10 a 0 nos concorrentes, justo ele que teve atuação marcante não propriamente no século XX, mas um século antes. O segundo colocado, igualmente, não surpreendeu ninguém. Certamente você, leitor perspicaz, já adivinhou quem foi. Foi ele mesmo, Carlos Drummond de Andrade, outro gênio das letras nacionais.

O tal apelido do autor de “Memórias Póstumas de Braz Cubas” popularizou-se, ainda mais, em 2008, centenário de sua morte, quando um canal de televisão (infelizmente não me recordo qual. Ah, essa memória que começa a me trair!)) exibiu um muito bem produzido documentário intitulado, justamente, “O Bruxo do Cosme Velho”. Mas qual é a origem dessa forma carinhosa de se referir a Machado de Assis. Como, quando e onde ela surgiu? Bem, há duas versões a respeito e entendo que ambas têm lá sua lógica, pois não se excluem, antes se completam.

De acordo com a Doutora em Literatura Brasileira, Deise Freitas, o apelido surgiu no próprio bairro onde Machado de Assis residia, no Cosme Velho, entre os vizinhos do escritor. Este tinha o hábito de queimar cartas, documentos e anotações que julgava que não iria mais precisar, no jardim de sua casa. Até aí, nada demais. Acontece que fazia essa incineração em um caldeirão velho, para não espalhar cinzas pelo quintal. Como se tratava de uma pessoa reservada, taciturna e um tanto misteriosa, as pessoas passaram a chamá-lo de “bruxo”. Quem o chamava assim (pelo menos no início), eram só os moradores das redondezas da sua moradia. Não tardou, porém, para que a designação se espalhasse, na mesma proporção da sua fama. Faz sentido, não faz?

Há, porém, outra versão, também carregadíssima de lógica. O apelido teria surgido (intuo que “ressurgido”), de um poema de Carlos Drummond de Andrade, dedicado a Machado de Assis, publicado no livro “A vida passada a limpo”, de 1959. O título dessa magnífica peça literária é “A um Bruxo, com amor” (que tenho agora em mãos e que li e reli vezes sem conta). O poeta de Itabira inicia o citado (e longo) texto com estes versos:

“Em certa casa da Rua Cosme Velho
(que se abre no vazio)
venho visitar-te; e me recebes
na sala trajestada com simplicidade
onde pensamentos idos e vividos
perdem o amarelo
de novo interrogando o céu e a noite (...)”

Era óbvio, até paras o leitor mais bronco, que a casa a que Drummond se refere é a de número 18, onde Machado residia. E que o tal “bruxo” do título é o imortal escritor. Dizer quer o poema é magnífico chega a ser redundante, de tão óbvio. Pudera! Não é de qualquer versejador mambembe, “aprendiz de feiticeiro”. É de ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade! O poeta de Itabira traça, praticamente, toda a biografia do homenageado, através de metáforas magníficas, de causar inveja em quem se julga apto a compor boa poesia (entre os quais me incluo). E ele encerra dessa forma o tal poema, imortal tanto pela qualidade quanto pelo tema escolhido:

“(...) Um som remoto e brando
rompe em meio a embriões e ruínas,
eternas exéquias e aleluias eternas,
e chega ao despistamento de teu pencenê.
O estribeiro Oblivion
bate à porta e chama ao espetáculo
promovido para divertir o planeta Saturno.
Dás volta à chave,
envolves-te na capa,
e qual novo Ariel, sem mais resposta,
sais pela janela, dissolves-te no ar”.

Embora não conteste a versão da Doutora Deise Freitas (nem há porque contestar), prefiro esta, de Carlos Drummond de Andrade. Afinal, é um “bruxo” (o de Itabira) resgatando a memória de outro “bruxo” (o de Cosme Velho). Feliz a Literatura Brasileira por contar, como parâmetros de qualidade e fontes de inspiração para todas as gerações, com dois gênios, dois milagreiros, dois magos das letras como estes. E pensar que Machado e Drummond nunca foram ganhadores de um Prêmio Nobel de Literatura!!! Mas... deixa pra lá... Sem comentários.


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