Wednesday, June 10, 2015

Sombra e substância



Pedro J. Bondaczuk


A Organização das Nações Unidas acaba de divulgar um estudo, intitulado “Relatório sobre o Desenvolvimento Humano”, em que desmistifica determinados conceitos de riqueza nacional. Lançou mão de indicadores não somente econômicos, aqueles tradicionalmente usados em trabalhos desse tipo, como Produto Interno Bruto e renda per capita, mas também de parâmetros sociais do tipo expectativa média de vida e com saúde, atendimento médico e cuidados sanitários, educação e grau de liberdade para apurar uma “taxa de bem-estar” ou de sofrimento de vários povos.

Algumas de suas conclusões são surpreendentes e demonstram que os critérios tradicionais para avaliar a riqueza das nações dão margem a interpretações distorcidas. Por exemplo, a Arábia Saudita, nos estudos convencionais, é tida como uma das sociedades nacionais mais ricas do mundo.

Maior exportador mundial de petróleo, o reino ostenta uma renda per capita anual de US$ 6.200, mais de três vezes maior do que a do Brasil, que é de US$ 2.020. Todavia, a expectativa de vida de um saudita é bem inferior à de um brasileiro, e o percentual de seus adultos alfabetizados está muito abaixo do nosso País.

Isso ocorre porque os relatórios tradicionais não traduzem em números o fato de que a monumental massa de petrodólares que essa monarquia do Oriente Médio arrecada vai para uma família real que conta com dezenas de príncipes, possui infinidade de palácios, extensas contas nos principais bancos do Planeta e investimentos de grande monta no Exterior.

A maior parte da população, todavia, sobrevive em condições precárias, como as de qualquer país terceiro-mundista. Para detectar o grau de sofrimento dos povos, a ONU criou o Índice de Desenvolvimento Humano, IDH.

Nesse parâmetro, porém, o Brasil não vai lá muito bem das pernas. Se supera nações como a Arábia Saudita e até mesmo a China, fica muitos furos abaixo, por exemplo, de um Sri Lanka, cuja renda per capita é de incipientes US$ 400 anuais e até da Albânia, apelidada pela imprensa européia de “grande bazar da miséria humana”.

Os brasileiros estão entre os povos com a maior taxa de sofrimento do Planeta. Isso não é de se estranhar quando se sabe que o salário mínimo do País, rendimento de mais de 54% de sua População Economicamente Ativa (PEA), aprovado recentemente em meio a uma intensa batalha política, a ser pago no dia 31, é de US$ 84,3 (pelo câmbio comercial de quinta-feira).

Pela cotação da moeda norte-americana no dia 12 passado, a menor remuneração do Brasil era 1.011,11% inferior à francesa (US$ 1.000); 922,22% à canadense (US$ 920); 655,56% à norte-americana (US$ 680); 455,56% à italiana (US$ 500); 404,44% à sueca (US$ 454); 100% à paraguaia (US$ 180); 66,67% à equatoriana (US$ 150); 11,11% à mexicana (US$ 100) e 8,89% à Argentina (US$ 98).

Fosse somente a questão da renda baixa – já por si só grave – a grande problemática do brasileiro, mas houvesse um sistema público razoável de educação, saúde e assistência social, o IDH do País ainda teria um nível aceitável.

Mas no Brasil contemporâneo nada funciona. Promessas e mais promessas renovam-se através dos anos. Entra governo, sai governo, e as coisas ficam cada vez piores. A infra-estrutura nacional, construída com imensos sacrifícios (e monumentais casos de superfaturamento), hoje está completamente apodrecida. Só se ouve falar em sucateamento: dos sistemas rodoviário, ferroviário, portuário e aeroportuário; das redes escolar e hospitalar; do parque fabril etc.

O fabulista Esopo disse, em certa ocasião: “Tome cuidado para não perder a substância ao tentar agarrar a sombra”. Mas é exatamente isso o que vem ocorrendo no País. Na corrida em busca da ilusão maldefinida, denominada “progresso” (que para cada pessoa tem um significado diferente), se está esquecendo do substancial: o homem. Daí tanta angústia, miséria, tensão e sofrimento.    

(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 24 de maio de 1992)


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