Sombra
e substância
Pedro J. Bondaczuk
A Organização das Nações Unidas acaba de divulgar um
estudo, intitulado “Relatório sobre o Desenvolvimento Humano”, em que
desmistifica determinados conceitos de riqueza nacional. Lançou mão de
indicadores não somente econômicos, aqueles tradicionalmente usados em
trabalhos desse tipo, como Produto Interno Bruto e renda per capita, mas também
de parâmetros sociais do tipo expectativa média de vida e com saúde,
atendimento médico e cuidados sanitários, educação e grau de liberdade para
apurar uma “taxa de bem-estar” ou de sofrimento de vários povos.
Algumas de suas conclusões são surpreendentes e
demonstram que os critérios tradicionais para avaliar a riqueza das nações dão
margem a interpretações distorcidas. Por exemplo, a Arábia Saudita, nos estudos
convencionais, é tida como uma das sociedades nacionais mais ricas do mundo.
Maior exportador mundial de petróleo, o reino
ostenta uma renda per capita anual de US$ 6.200, mais de três vezes maior do
que a do Brasil, que é de US$ 2.020. Todavia, a expectativa de vida de um
saudita é bem inferior à de um brasileiro, e o percentual de seus adultos
alfabetizados está muito abaixo do nosso País.
Isso ocorre porque os relatórios tradicionais não
traduzem em números o fato de que a monumental massa de petrodólares que essa
monarquia do Oriente Médio arrecada vai para uma família real que conta com
dezenas de príncipes, possui infinidade de palácios, extensas contas nos
principais bancos do Planeta e investimentos de grande monta no Exterior.
A maior parte da população, todavia, sobrevive em
condições precárias, como as de qualquer país terceiro-mundista. Para detectar
o grau de sofrimento dos povos, a ONU criou o Índice de Desenvolvimento Humano,
IDH.
Nesse parâmetro, porém, o Brasil não vai lá muito
bem das pernas. Se supera nações como a Arábia Saudita e até mesmo a China,
fica muitos furos abaixo, por exemplo, de um Sri Lanka, cuja renda per capita é
de incipientes US$ 400 anuais e até da Albânia, apelidada pela imprensa européia
de “grande bazar da miséria humana”.
Os brasileiros estão entre os povos com a maior taxa
de sofrimento do Planeta. Isso não é de se estranhar quando se sabe que o
salário mínimo do País, rendimento de mais de 54% de sua População
Economicamente Ativa (PEA), aprovado recentemente em meio a uma intensa batalha
política, a ser pago no dia 31, é de US$ 84,3 (pelo câmbio comercial de
quinta-feira).
Pela cotação da moeda norte-americana no dia 12
passado, a menor remuneração do Brasil era 1.011,11% inferior à francesa (US$
1.000); 922,22% à canadense (US$ 920); 655,56% à norte-americana (US$ 680);
455,56% à italiana (US$ 500); 404,44% à sueca (US$ 454); 100% à paraguaia (US$
180); 66,67% à equatoriana (US$ 150); 11,11% à mexicana (US$ 100) e 8,89% à
Argentina (US$ 98).
Fosse somente a questão da renda baixa – já por si
só grave – a grande problemática do brasileiro, mas houvesse um sistema público
razoável de educação, saúde e assistência social, o IDH do País ainda teria um
nível aceitável.
Mas no Brasil contemporâneo nada funciona. Promessas
e mais promessas renovam-se através dos anos. Entra governo, sai governo, e as
coisas ficam cada vez piores. A infra-estrutura nacional, construída com
imensos sacrifícios (e monumentais casos de superfaturamento), hoje está
completamente apodrecida. Só se ouve falar em sucateamento: dos sistemas
rodoviário, ferroviário, portuário e aeroportuário; das redes escolar e
hospitalar; do parque fabril etc.
O fabulista Esopo disse, em certa ocasião: “Tome
cuidado para não perder a substância ao tentar agarrar a sombra”. Mas é
exatamente isso o que vem ocorrendo no País. Na corrida em busca da ilusão
maldefinida, denominada “progresso” (que para cada pessoa tem um significado
diferente), se está esquecendo do substancial: o homem. Daí tanta angústia,
miséria, tensão e sofrimento.
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio
Popular, em 24 de maio de 1992)
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