O poeta Machado de
Assis
Pedro
J. Bondaczuk
A genialidade de
Machado de Assis foi tamanha que, ainda hoje, 107 anos após sua morte, ele
concorre apenas com ele mesmo em termos de qualidade e de importância para a
Literatura (e não somente a brasileira, frise-se). Explico. Quando seu nome vem
à baila, a imensa maioria pensa nele como autor de marcantes romances, como
“Memórias póstumas de Braz Cubas”, “Dom Casmurro”, “Quincas Borba” ou mesmo
“Esaú e Jacó”, entre os nove quer legou à posteridade. Ou, quem é um tantinho
melhor informado, associa-o á maioria dos seus revolucionários contos, dos mais
de duzentos que escreveu, reunidos em várias e excelentes antologias. Alguns,
mais estudiosos, citam, até, seus livros de crônicas. Todavia, pouquíssimos
sequer sabem (ou se sabem dão pouco valor) da sua atuação como poeta. Há
críticos, baseados não sei sequer no que, que consideram sua poesia “comum”,
convencional e indigna, portanto, de análise mais acurada.
Mas o poeta Machado de
Assis concorre com o romancista, o contista, o cronista etc. Machado de Assis.
E não há nenhum exagero nessa afirmação, que pretendo demonstrar na sequência.
Certamente muito intelectual arrogante, que julga conhecer a fundo tudo o que
se relacione à Literatura (mas que na verdade não conhece), a esta altura deve
estar torcendo o nariz, e considerando-me ignorante e mal informado, dado o
título destas reflexões: “O poeta Machado de Assis”. Muitos, se não todos,
devem, até, estar deixando de ler estas considerações informais que, no seu
entender, já estariam “contaminadas”, prejudicadas, de cara, pela forma que as
denominei. Estão enganados! É o que tentarei, insisto, demonstrar na sequência.
Pois tanto Machado de Assis foi poeta, e muito bom, e inovador, e dos melhores
da Literatura mundial, que se torna impossível abordar esse aspecto particular
da sua atividade literária em um único texto, por maior que possa ser meu poder
de síntese. Tentarei ser o mais objetivo e didático possível, para destacar sua
excelência “também” neste gênero (no qual o escritor foi tão bom, diga-se de
passagem, a ponto de haver influenciado, entre outros, poetas como Olavo Bilac e Carlos Drummond de
Andrade).
O jornalista,
professor, crítico literário e poeta pernambucano, Francisco César Leal
(falecido em 5 de junho de 2013), me daria plena razão caso estivesse vivo.
Afinal, fez (se não estou enganado em 2008) memorável conferência na Academia
Brasileira de Letras (a cópia do texto dessa preleção, na íntegra, tenho em meu
poder), cujo título foi, justamente, “Machado de Assis poeta e crítico de
poesia”. O ilustre conferencista trouxe á baila, na oportunidade, importantes
revelações, que consolidaram o que até então eu apenas intuía. Certamente citarei este material várias
vezes, por seu revelador conteúdo. Além do que, são análises e informações de
alguém plenamente habilitado a tratar do assunto, por ser versadíssimo nele.
O primeiro texto que
Machado de Assis publicou foi um soneto. Tinha, na ocasião, apenas 15 anos de
idade. Foi em 1854. Desconheço seu título, mas ele fez uma dedicatória nessa
precoce peça literária. Escreveu: “Á ilustríssima senhora D.P.J.A”. E assinou,
igualmente por iniciais: “J.M.M.A”. O soneto foi publicado num jornalzinho
artesanal, intitulado “Periódico dos Pobres”. E quem foi essa “musa
inspiradora” do então adolescente “projeto de poeta”? No final do soneto
ficamos sabendo que se tratava de Dona Petronilha, a respeito de quem, no
entanto, não consegui mais nenhuma informação. E isso importa? No início de
1855, mais especificamente em 12 de janeiro, Machado de Assis teve outros dois
poemas publicados: “Ela” e “A palmeira”. Desta vez, o veículo foi, digamos,
“mais nobre”. Foi na revista bimensal “Marmota Fluminense”, editada pelo
livreiro Paula Brito. Este personagem, aliás, tem tanta importância na vida do
futuro escritor, que merece todo um capítulo à parte. Foi quem lhe deu, por
exemplo, o primeiro emprego formal: o de aprendiz de tipógrafo.
O primeiro livro que
Machado de Assis publicou, em 1864, quando já estava com 25 anos, foi também de
poesias. Foi a coletânea “Crisálidas”, que dedicou “à memória de Francisco José
de Assis e Maria Leopoldina Machado de Assis, meus pais”. Três anos depois, em
1867, ele seria nomeado, pelo imperador Dom Pedro II, diretor-assistente do
Diário Oficial. Seu segundo livro, datado de 1870, também foi de poesia.
Recebeu o título de “Falenas”. No total, legou à posteridade quatro obras
poéticas. Além das duas que citei, há, ainda, “Americanas” e “Ocidentais”. A
pergunta que muita gente me faz é: “Se a poesia de Machado de Assis é de tanta
qualidade, como você diz, por que seus livros do gênero não fizeram, nem de
longe, o sucesso de seus romances, contos e mesmo crônicas?”. Ora, ora, ora...
Qualquer poeta de hoje faz a mesma pergunta sem que ninguém a responda de forma
convincente. Suponho porque havia e há certa resistência dos leitores em
comprarem livros de poesia. Até mesmo poetas recentemente consagrados, como
Drummond, Bandeira e Mário Quintana, entre outros, enfrentaram esse problema. E
ninguém ousa sequer insinuar que não sejam bons. São excelentes!!! Assim como a
poesia de Machado de Assis o é.
Concordo, pois, com o
argumento do professor Francisco César Leal, na citada conferência que fez na
Academia Brasileira de Letras, quando a certa altura pontuou, respondendo a um
questionamento da platéia justamente a esse propósito: “Um homem com a
autocrítica que tinha Machado não publicaria a sua obra poética com sessenta e
dois anos de idade, se não verificasse que ela tinha valor”. Recorde-se que,
além de todas suas tantas atividades, ele nunca deixou de ser crítico
literário, e com ênfase para a poesia. Quem o conheceu testemunhou que Machado
de Assis era de um rigor absoluto, implacável, e irredutível principalmente em
relação ao que ele próprio escrevia. Era um autocrítico “feroz”. Ora, se
liberou a reedição de seus quatro livros de poesia, em 1900, foi porque estava
completamente convicto que eram bons. E por essa convicção de qualidade, ponho,
sem receio, minha mão no fogo.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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