Monday, June 22, 2015

Onze anos de ódio


Pedro J. Bondaczuk


O Líbano vai viver, neste domingo, um aniversário que, certamente, nenhum libanês ousará comemorar. E não é para menos. O país completará onze anos sob infernal e interminável guerra civil, responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas, por destruição de toda a sorte e pela virtual desorganização do Estado. E, às vésperas desse novo 13 de abril – data, certamente, infausta para sua população – não há a menor perspectiva de que o pesadelo esteja próximo do final. Pelo contrário.

Ao término do ano passado, após intensas negociações coordenadas pelo presidente sírio, Hafez Assad, as diversas facções em combate chegaram a um acordo e tudo levava a crer que o martírio da guerra civil iria, finalmente, ter um fim.

É verdade que o anúncio desse novo pacto foi recebido com reservas, senão com ceticismo, pelos libaneses, já calejados com fracassos anteriores, de planos de paz patrocinados pela Síria, anunciados com estardalhaço, mas que nunca chegaram a ser postos em prática.

Os líderes das principais milícias beligerantes, chamados, pomposamente de “Senhores da Guerra”, foram a Damasco e firmaram, solenemente, mais um documento, comprometendo-se a pôr fim, imediatamente, aos combates e a empreender esforços para promover as indispensáveis reformas institucionais no país.

Ocorre que uma das partes representadas (os cristãos) não reconhecia o signatário do acordo como estando apto para isso. E os sírios tinham plena consciência dessa inaptidão. Afinal, importantes líderes maronitas não chegaram, sequer, a ser inteirados das negociações, principalmente o presidente Amin Gemayel (que os vários grupos julgavam que estivesse sem força e sem prestígio dentro da própria comunidade).

Enganaram-se. Dá, até, para se concluir (ou, no mínimo, para se suspeitar) que Hafez Assad não estava seriamente interessado em conseguir, de fato, a paz no Líbano. E que a sua suposta ação diplomática não passou de mero jogo de cena, para posar, perante o mundo, como pacificador. E tudo voltou à estaca zero.

Poucos dias depois da assinatura do acordo, eis que, de novo, as armas voltaram a falar mais alto no Líbano. Isso sequer chega a surpreender, de tão previsível que era. O líder cristão, que havia firmado o pacto em Damasco, Elie Hobeika, foi cercado com os seus combatentes e vencido pelas forças leais a Amin Gemayel. Estava reacesa a fogueira de ódio, que consome os libaneses há onze anos.

É evidente que os muçulmanos não se conformaram com a violação do que havia sido acordado. E, da noite para o dia, o país retornou à sangrenta rotina de tiroteios sem fim, nas horas e locais mais inesperados, seqüestros, assassinatos políticos, prisões arbitrárias, execuções de adversários e uma interminável sucessão de explosões de carros-bombas.

Numa situação tão confusa, como a existente no Líbano, sequer se sabe quem é aliado de quem. Num determinado dia, xiitas e drusos unem suas forças contra os sunitas. No dia seguinte, trocam tiros entre si, rompendo a aliança da véspera. No terceiro dia, todos se juntam, de novo, para atacar os cristãos. E o tempo vai passando, o país ficando mais e mais destruído e o desespero toma conta da população, que não vê a menor perspectiva de que essa insânia esteja próxima do fim.

Para complicar este quadro, já por si só complicadíssimo, há os palestinos, hóspedes indesejados e praticamente compulsórios que, além de terem sido os causadores diretos da guerra civil, são alvos de freqüentes represálias israelenses.

É óbvio que as bombas lançadas por Israel, a despeito da tecnologia, não são tão certeiras a ponto de atingirem, somente, objetivos da OLP. Sempre que despejadas (e a cidade mais atingida pelas ofensivas do Estado judeu no Líbano é o milenar porto fenício de Sidon, hoje denominada de Saída) causam mortes e ferimentos em inúmeros libaneses. Destroem seus lares, levando luto, lágrimas e dor a um número incontável de famílias.

Aliás, passado tanto tempo do início dessa carnificina, é difícil de se encontrar algum cidadão que não tenha pago pesado tributo a tamanha insanidade. A despeito de tudo o que lhe aconteceu nesta mais de uma década, porém, o povo continua amando sua pátria ferida, suas tradições, suas raízes e sua cultura. Tanto que não arreda pé do Líbano.

Acredita numa pacificação nacional, um dia, embora ache que esteja tardando tanto, que não crê mais que isso ocorra nesta geração. Tem esperanças de ver o país ostentar, de novo, os pomposos títulos que ostentou no passado, não tão distante, e que a população gostava de dizer e repetir, com inegável orgulho, como “Pérola do Mediterrâneo”, “Suíça do Oriente Médio”, e outros tantos mais.

É preciso um esforço concentrado, sério, efetivo, em âmbito internacional, para levar a paz a essa sofrida população. É necessário que organismos como as Nações Unidas intervenham e que as potências mundiais financiem a reconstrução desse país, berço de tantas culturas, mas que não consegue, por si só, restabelecer um, mesmo que frágil (porém eficiente) equilíbrio entre comunidades religiosas com crenças tão diferentes (que não precisam, necessariamente, ser antagônicas) que um dia já existiu, mas que pessoas de fora contribuíram para que se rompesse. Mundo, socorra o Líbano!!!            

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 8 de abril de 1986).


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