Sunday, June 14, 2015

Terceiro erro seria fatal


Pedro J. Bondaczuk


O ex-chanceler alemão-ocidental, Willy Brandt, sempre foi tido como conciliador durante sua longa e brilhante carreira política. Foi dele, por exemplo, a tentativa, feita em 1969, para reunificar as duas Alemanhas e reaproximar a sociedade germânica do Leste Europeu, no que foi chamado, na ocasião, de “Ostpolitik”.

Aliás, isso acabou lhe trazendo contratempos, que interromperam, ou pelo menos desaceleraram, uma brilhante carreira política. Por causa do seu empenho de reaproximação com os alemães orientais, seus opositores não lhe perdoaram a ousadia e nem o fato de que seu secretário particular, Günther Guillaume, fosse agente duplo e espionasse a favor da outra Alemanha, a de regime comunista.

É evidente que Willy Brandt nada tinha a ver com o fato, a não ser, somente, o erro de avaliação na escolha desse assessor. E todos estamos sujeitos a esse tipo de equívoco, pois um pilantra não traz estampada na face essa condição. O ex-chanceler foi responsabilizado pelo ato de espionagem em si, como se fosse cúmplice do celerado, e forçado a renunciar ao cargo, em 6 de maio de 1974, quando o degelo político entre as Alemanhas já era mais do que mero desejo. Transformava-se, a olhos vistos, em fato.

Nos últimos anos, todas as grandes bandeiras do chamado Terceiro Mundo têm sido empolgadas, com coragem e determinação, por esse visionário que, mesmo fazendo parte da minoritária parte rica e privilegiada do mundo, não se cansa de “quixotear” (e vale aqui o neologismo), pelas arenas políticas internacionais, em defesa de uma divisão mais equânime da riqueza do Planet.

Ao receber, ontem, o prêmio de que se fez merecedor, na sede das Nações Unidas, em Nova York, Willy Brandt fez duas observações, que nos chamaram, em particular, a atenção. A primeira refere-se ao fato de cinco bilhões de seres humanos estarem à mercê de um pequeno grupo de pessoas, para poderem continuar, simplesmente, vivendo.

Com a acuidade política de quem conhece, porque já esteve no meio dos notáveis, alertou para o perigo, por demais evidente (e teimosamente negado, e até ridicularizado por alguns inconseqüentes) de uma Terceira Guerra Mundial.

Sabedor da inutilidade de conferências para tratar de desarmamento – como a pantomima que soviéticos e norte-americanos encenam agora em Genebra –, Brandt constatou que apenas um contato direto entre o presidente Ronald Reagan e o líder Mikhil Gorbachev pode levar as superpotências a alguma espécie de acordo, que diminua o risco (crescente) de um confronto nuclear.

O fato da guerrinha verbal entre o Cremlin e a Casa Branca ter diminuído de intensidade, não quer dizer que as duas partes abriram mão de suas estratégias, deixaram de lado suas diverg6encias ideológicas, eliminaram o ódio mútuo e, subitamente, passaram a se amar de paixão.

Não significa, portanto, que o mundo esteja, finalmente, se encaminhando para um raro, e sempre desejável, período de paz. Pode representar, até, um sintoma de perigo. Controvérsias, entre os EUA e a URSS, é que não faltam para os lançar um contra o outro, quer econômica, quer diplomática ou quer militarmente.

O segundo ponto do discurso de Brandt que nos chamou a tenção foi o atinente aos riscos oriundos do alargamento das desigualdades entre o Norte, miliardário, e o Sul, miserável, do nosso Planeta. O ex-presidente norte-americano, Jimmy Carter, ainda na década passada (quando o problema da insolvência da dívida externa do Terceiro Mundo sequer tinha vindo à tona), sentenciava: “É muito provável que num futuro próximo o problema da paz e da guerra estará mais relacionado com os problemas econômicos e sociais entre o Norte e o Sul, do que com os problemas de segurança militar entre o Leste e o Oeste, que dominaram as relações internacionais desde a Segunda Guerra”.

Ambas as questões, contudo, podem estar diabolicamente entrelaçadas. Os desníveis econômicos provavelmente serão os estopins de um eventual (e impensável, pelas conseqüências), conflito nuclear entre as duas superpotências.

Mas este somente será deflagrado (se o for) porque EUA e URSS possuem o indispensável para que o seja: as monstruosas bombas de destruição em massa. O mundo, que já conheceu duas guerras neste século, não pode mais permanecer impassível, esperando que, a qualquer momento, ocorra o pior, enquanto esse grupelho de “iluminados” decide se devemos continuar vivendo ou não.

Precisamos fzer lgo para prevenir a catástrofe pois, como diz um conhecido provérbio árabe: “Se um homem me enganar uma vez, Deus o amaldiçoe; se me enganar duas vezes, Deus o amaldiçoe e a mim também; mas se me enganar três vezes, Deus amaldiçoe somente a mim, por cair tão facilmente em enganos”.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 26 de abril de 1985).

          

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