Wednesday, June 17, 2015

Seis homens repisam as próprias pegadas


Pedro J. Bondaczuk


As conversações de Genebra, uma tentativa a mais para conter a corrida armamentista das superpotências, encerrou, ontem, a primeira fase, aparentemente sem qualquer espécie de benefício para ninguém. Seis homens mantiveram reuniões formais e informais, desde 12 de março passado, sem avançar um só passo um na direção do outro. Ou seja, permaneceram várias semanas repisando suas próprias pegadas, encruados nas respectivas posições.

O próprio fato das duas partes terem feito um acordo de sigilo, a respeito do andamento das negociações, é bastante sintomático. Comprova que essas conversações são o que sempre se disse que seriam: mera satisfação à opinião pública internacional, especialmente aos grupos pacifistas. Ou, o que é mais provável, não passa de simples encenação, para dar a impressão de que alguma providência está sendo tomada a propósito da corrida armamentista que, na verdade, não interessa a nenhuma das superpotências frear.

A moratória unilateral, anunciada por Mikhail Gorbachev, há duas semanas, com grande estardalhaço, da instalação de mísseis estratégicos russos na Europa, não passou de uma visível manobra para envolver o astuto Ronald Reagan. E mesmo que houvesse sinceridade nessa “oferta” do Cremlin, o presidente norte-americano nada faria para retribuir a “gentileza” soviética.

Afinal, a indústria armamentista dos Estados Unidos foi a que teve maior lucratividade, o mais alto retorno ao capital investido, no ano passado, conforme relatórios divulgados pelos dez maiores fornecedores do Pentágono. Esses lucros geram múltiplos investimentos que, por seu turno, produzem empregos que, por sua vez, aumentam o consumo no mercado interno e a conseqüente arrecadação de impostos. Aceleram, portanto, a circulação de riquezas.

Sociedade e governo, por essa razão (pelo menos nos EUA), não têm nenhum interesse em conter na encosta essa autêntica bola de neve de lucratividade, mesmo que o produto gerado por essa cadeia produtiva possa destruir a humanidade.

Na outra superpotência, embora o móvel não seja o mesmo, o processo é mais ou menos semelhante. Apesar da sociedade soviética arcar com um pesado ônus para que a URSS acompanhe os passos norte-americanos (e muitas vezes os supere), nesse campo de produção de armas nucleares, alguém, certamente, está ganhando com isso. E muito dinheiro!

Enquanto esses seis senhores circunspetos perdem o seu tempo em Genebra com negociações estéreis, onde fica evidente que nenhuma das partes vai ceder um milímetro de seu terreno à outra, toneladas de armamentos continuam deixando as fábricas nos dois países e sendo estocadas em ultra-secretos silos.

Apenas nos últimos meses, 387 rampas de lançamento de mísseis intercontinentais SS-20 oram construídas na União Soviética. Quantos foguetes não teriam sido produzidos no mesmo período, para justificar a existência dessas bases lançadoras?! Porque não se concebe a construção de rampas de lançamento sem a correspondente carga de mísseis para serem lançados!

Estima-se, otimisticamente, que, apenas em foguetes estratégicos, do tipo Cruise, a Europa conte, atualmente, com mais de seis mil. A moratória de Gorbachev chega, portanto, muito tarde. Se é que ela vai existir de fato. Quem pode garantir que os russos não vão continuar instalando novos e mais sofisticados mísseis em território europeu? Afinal, não há nenhuma fiscalização a respeito.

Diante de tudo isso, chega-se à desagradável constatação a que Erich Fromm chegou em seu livro “Ter ou Ser?”: “Pela primeira vez na história, a sobrevivência física da espécie humana depende de uma radical mudança do coração humano. Todavia, uma transformação do coração humano só é possível na medida em que ocorram drásticas transformações econômicas e sociais que dêem ao coração humano a oportunidade para mudança, coragem e a visão para consegui-la”. E nada disso sequer está sendo esboçado nos dias atuais.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 24 de abril de 1985).

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