Seis homens repisam as próprias pegadas
Pedro J.
Bondaczuk
As conversações de Genebra, uma tentativa a mais para
conter a corrida armamentista das superpotências, encerrou, ontem, a primeira
fase, aparentemente sem qualquer espécie de benefício para ninguém. Seis homens
mantiveram reuniões formais e informais, desde 12 de março passado, sem avançar
um só passo um na direção do outro. Ou seja, permaneceram várias semanas
repisando suas próprias pegadas, encruados nas respectivas posições.
O próprio fato das duas partes
terem feito um acordo de sigilo, a respeito do andamento das negociações, é
bastante sintomático. Comprova que essas conversações são o que sempre se disse
que seriam: mera satisfação à opinião pública internacional, especialmente aos
grupos pacifistas. Ou, o que é mais provável, não passa de simples encenação,
para dar a impressão de que alguma providência está sendo tomada a propósito da
corrida armamentista que, na verdade, não interessa a nenhuma das
superpotências frear.
A moratória unilateral, anunciada
por Mikhail Gorbachev, há duas semanas, com grande estardalhaço, da instalação
de mísseis estratégicos russos na Europa, não passou de uma visível manobra
para envolver o astuto Ronald Reagan. E mesmo que houvesse sinceridade nessa
“oferta” do Cremlin, o presidente norte-americano nada faria para retribuir a
“gentileza” soviética.
Afinal, a indústria armamentista
dos Estados Unidos foi a que teve maior lucratividade, o mais alto retorno ao
capital investido, no ano passado, conforme relatórios divulgados pelos dez
maiores fornecedores do Pentágono. Esses lucros geram múltiplos investimentos
que, por seu turno, produzem empregos que, por sua vez, aumentam o consumo no
mercado interno e a conseqüente arrecadação de impostos. Aceleram, portanto, a
circulação de riquezas.
Sociedade e governo, por essa
razão (pelo menos nos EUA), não têm nenhum interesse em conter na encosta essa
autêntica bola de neve de lucratividade, mesmo que o produto gerado por essa
cadeia produtiva possa destruir a humanidade.
Na outra superpotência, embora o
móvel não seja o mesmo, o processo é mais ou menos semelhante. Apesar da
sociedade soviética arcar com um pesado ônus para que a URSS acompanhe os
passos norte-americanos (e muitas vezes os supere), nesse campo de produção de
armas nucleares, alguém, certamente, está ganhando com isso. E muito dinheiro!
Enquanto esses seis senhores
circunspetos perdem o seu tempo em Genebra com negociações estéreis, onde fica
evidente que nenhuma das partes vai ceder um milímetro de seu terreno à outra,
toneladas de armamentos continuam deixando as fábricas nos dois países e sendo
estocadas em ultra-secretos silos.
Apenas nos últimos meses, 387
rampas de lançamento de mísseis intercontinentais SS-20 oram construídas na
União Soviética. Quantos foguetes não teriam sido produzidos no mesmo período,
para justificar a existência dessas bases lançadoras?! Porque não se concebe a
construção de rampas de lançamento sem a correspondente carga de mísseis para
serem lançados!
Estima-se, otimisticamente, que,
apenas em foguetes estratégicos, do tipo Cruise, a Europa conte, atualmente,
com mais de seis mil. A moratória de Gorbachev chega, portanto, muito tarde. Se
é que ela vai existir de fato. Quem pode garantir que os russos não vão
continuar instalando novos e mais sofisticados mísseis em território europeu?
Afinal, não há nenhuma fiscalização a respeito.
Diante de tudo isso, chega-se à
desagradável constatação a que Erich Fromm chegou em seu livro “Ter ou Ser?”:
“Pela primeira vez na história, a sobrevivência física da espécie humana
depende de uma radical mudança do coração humano. Todavia, uma transformação do
coração humano só é possível na medida em que ocorram drásticas transformações
econômicas e sociais que dêem ao coração humano a oportunidade para mudança,
coragem e a visão para consegui-la”. E nada disso sequer está sendo esboçado
nos dias atuais.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 24
de abril de 1985).
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.
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