Obstáculo para o entendimento
Pedro J. Bondaczuk
A
reunião de cúpula entre o presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o
secretário-geral do Partido Comunista Soviético, Mikhail Gorbachev, prevista
para acontecer no corrente ano, em Washington, tem, ao que parece, poucas
chances de ocorrer, embora ambos os dirigentes a desejem. A dificuldade, como
sempre, reside muito mais numa profunda desconfiança mútua, cultivada no correr
de quase quatro décadas de Guerra Fria, do que em questões concretas.
Os
dois lados assinalam violações nos acordos nucleares na parte contrária, meio
sem convicção, com palavras que são frutos, provavelmente, mais de arraigadas
suspeitas, do que de fatos concretos. É como se já fosse uma força de hábito.
Essa retórica é sobejamente conhecida da opinião pública mundial e não
impressiona mais ninguém. O que se deseja saber é até que ponto Reagan e
Gorbachev estão dispostos a ceder de fato, para pelo menos deter a maluca
corrida em que as superpotências estão empenhadas e que condena, a curto, médio
ou longo prazo (sabe-se lá!) a humanidade à extinção.
Enquanto
burocratas em Moscou fazem ofertas inócuas, e visivelmente inaceitáveis, ao
Ocidente, milhares de ogivas atômicas continuam se acumulando nos arsenais dos
dois lados. Enquanto funcionários do Pentágono "deliram" com novas e
mais diabólicas armas (já se fala, até, no uso da antimatéria para fins
militares), sonhando com as polpudas verbas que o Congresso (a contragosto,
como certamente dará a entender), irá aprovar, para esse fim, todos nós
continuamos caminhando numa corda-bamba, na dependência de que sistemas de
segurança de mísseis nucleares funcionem a contento, de que computadores não se
enganem com alarmes falsos e não desencadeiem o "doomsday" (Dia do
Juízo Final) ou de que alguma crise estúpida não faça os hormônios agirem com
maior presteza do que os neurônios dos que têm poder de decisão, para que
possamos sobreviver ao dia seguinte.
E
será que uma reunião de cúpula entre Reagan e Gorbachev trará algum resultado
concreto, em termos, já não dizemos de desarmamento, mas pelo menos de frenagem
da maluca corrida armamentista? É pouco provável. Afinal, em novembro do ano
passado, ambos se encontraram em Genebra, durante dois dias. Manifestaram
simpatia pessoal mútua, trocaram amabilidades, fizeram juntos um longo passeio
a pé às margens do lago que banha aquela cidade, geraram quilômetros de lauda
de textos e de páginas de jornais de notícias, mas de prático mesmo, nada se
conseguiu. Absolutamente nada quanto ao assunto que determinou a realização
daquela reunião.
É
verdade que o relacionamento entre Washington e Moscou, a partir de então,
adquiriu uma retórica mais civilizada. Reagan não voltou, por exemplo, a fazer
novas brincadeiras macabras, como a que fez em 1984, quando disse, em tom de
anedota (de humor negro, é claro), ao testar um microfone antes de proferir um
discurso, que iria "destruir a União Soviética dentro de cinco
minutos". Nem o Cremlin voltou a pintar o presidente norte-americano como
um "cowboy" maluco, disposto a fazer tropelias e a ameaçar a paz
alheia.
Mas
isto, somente isto, é muito pouco para todo um investimento de esperança feito
pela humanidade nesse encontro. Ainda se os dois líderes tivessem concordado ,
por exemplo, na destruição de armas obsoletas, embora fosse um resultado
insignificante, pelo menos seria algo concreto. Ou se ambos os lados
congelassem, digamos, por apenas 90 dias que fosse, a produção de novas ogivas
ou até de simples vetores, haveria algum avanço.
Entretanto,
os "lobbies" falaram mais alto. A indústria da morte prevaleceu sobre
qualquer bom senso. Por que, portanto, tanto alarido em torno de uma nova
reunião de cúpula dse, em termos de posições a serem discutidas, um vai falar
russo e o outro inglês e nenhuma das partes vai mesmo se entender?
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 11 de julho de
1986)
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