Tuesday, June 09, 2015

Obstáculo para o entendimento


Pedro J. Bondaczuk

A reunião de cúpula entre o presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o secretário-geral do Partido Comunista Soviético, Mikhail Gorbachev, prevista para acontecer no corrente ano, em Washington, tem, ao que parece, poucas chances de ocorrer, embora ambos os dirigentes a desejem. A dificuldade, como sempre, reside muito mais numa profunda desconfiança mútua, cultivada no correr de quase quatro décadas de Guerra Fria, do que em questões concretas.

Os dois lados assinalam violações nos acordos nucleares na parte contrária, meio sem convicção, com palavras que são frutos, provavelmente, mais de arraigadas suspeitas, do que de fatos concretos. É como se já fosse uma força de hábito. Essa retórica é sobejamente conhecida da opinião pública mundial e não impressiona mais ninguém. O que se deseja saber é até que ponto Reagan e Gorbachev estão dispostos a ceder de fato, para pelo menos deter a maluca corrida em que as superpotências estão empenhadas e que condena, a curto, médio ou longo prazo (sabe-se lá!) a humanidade à extinção.

Enquanto burocratas em Moscou fazem ofertas inócuas, e visivelmente inaceitáveis, ao Ocidente, milhares de ogivas atômicas continuam se acumulando nos arsenais dos dois lados. Enquanto funcionários do Pentágono "deliram" com novas e mais diabólicas armas (já se fala, até, no uso da antimatéria para fins militares), sonhando com as polpudas verbas que o Congresso (a contragosto, como certamente dará a entender), irá aprovar, para esse fim, todos nós continuamos caminhando numa corda-bamba, na dependência de que sistemas de segurança de mísseis nucleares funcionem a contento, de que computadores não se enganem com alarmes falsos e não desencadeiem o "doomsday" (Dia do Juízo Final) ou de que alguma crise estúpida não faça os hormônios agirem com maior presteza do que os neurônios dos que têm poder de decisão, para que possamos sobreviver ao dia seguinte.

E será que uma reunião de cúpula entre Reagan e Gorbachev trará algum resultado concreto, em termos, já não dizemos de desarmamento, mas pelo menos de frenagem da maluca corrida armamentista? É pouco provável. Afinal, em novembro do ano passado, ambos se encontraram em Genebra, durante dois dias. Manifestaram simpatia pessoal mútua, trocaram amabilidades, fizeram juntos um longo passeio a pé às margens do lago que banha aquela cidade, geraram quilômetros de lauda de textos e de páginas de jornais de notícias, mas de prático mesmo, nada se conseguiu. Absolutamente nada quanto ao assunto que determinou a realização daquela reunião.

É verdade que o relacionamento entre Washington e Moscou, a partir de então, adquiriu uma retórica mais civilizada. Reagan não voltou, por exemplo, a fazer novas brincadeiras macabras, como a que fez em 1984, quando disse, em tom de anedota (de humor negro, é claro), ao testar um microfone antes de proferir um discurso, que iria "destruir a União Soviética dentro de cinco minutos". Nem o Cremlin voltou a pintar o presidente norte-americano como um "cowboy" maluco, disposto a fazer tropelias e a ameaçar a paz alheia.

Mas isto, somente isto, é muito pouco para todo um investimento de esperança feito pela humanidade nesse encontro. Ainda se os dois líderes tivessem concordado , por exemplo, na destruição de armas obsoletas, embora fosse um resultado insignificante, pelo menos seria algo concreto. Ou se ambos os lados congelassem, digamos, por apenas 90 dias que fosse, a produção de novas ogivas ou até de simples vetores, haveria algum avanço.

Entretanto, os "lobbies" falaram mais alto. A indústria da morte prevaleceu sobre qualquer bom senso. Por que, portanto, tanto alarido em torno de uma nova reunião de cúpula dse, em termos de posições a serem discutidas, um vai falar russo e o outro inglês e nenhuma das partes vai mesmo se entender?

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 11 de julho de 1986)


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk       

No comments: