Os dez endereços de
Machado de Assis
Pedro
J. Bondaczuk
As casas (ou “a casa”,
se for única por toda a vida) em que habitamos podem (ou não) indicar como é ou
como foi nossa trajetória ao longo do tempo. Raros (raríssimos) terminam seus
dias na Terra na mesma habitação em que nasceram. Não digo que não haja quem
tenha essa ventura (ou desventura, sei lá). Só afirmo, com base na experiência
e na observação, que é algo bastante raro. Há quem se mude com muita
freqüência, às vezes até duas ou três vezes em um ano. Outros tantos permanecem
no mesmo lugar por décadas. E no que se refere a Machado de Assis, em quantas
(e quais) casas ele morou? É uma pesquisa bastante complicada, principalmente
porque o Rio de Janeiro (a única cidade que viveu em seus 69 anos e da qual
raramente se afastou, mesmo que a passeio a outras localidades) sofreu muitas
transformações desde a primeira metade do século XIX até este ano de 2015 do
século XXI.
Creio, porém, que da
mesma forma que esse aspecto da vida de Machado de Assis despertou minha
curiosidade, desperta, também, a sua, meu assíduo leitor. Arregacei, pois, as
mangas e parti para a pesquisa, enfrentando obstáculos de toda a sorte, e,
curiosamente, não por carência de fontes, mas pelo excesso. Ocorre que há uma
série de controvérsias entre um e outro registro de biógrafos e pesquisadores,
em especial no que se refere à numeração das respectivas residências. Muitas,
comprovadamente, mudaram de número com o tempo. Outras tantas, porém, mesmo
mantidas, são fornecidas de uma forma, por determinados biógrafos e de outra
por outros. Optei pela informação oficial. Pelo excelente e detalhado relatório
da “Coordenação e Proteção” da Prefeitura do Rio de Janeiro, mais
especificamente, da sua “Gerência de Cadastro e Pesquisa”.
Não entrarei em
detalhes – são tantos que, sem exagero, preencheriam um alentado volume, de
algumas centenas, quiçá milhares de páginas – mas me limitarei às conclusões do
citado relato. Pelo que pude apurar (e não juro que minhas informações sejam
rigorosamente exatas, embora acredite que sim), Machado de Assis, em seus 69
anos de vida residiu em nove casas diferentes, incluindo a que nasceu. A mais
“famosa” , por ter originado seu “apelido” de “Bruxo”, foi a da Rua do Cosme
Velho, número 18, onde, inclusive, faleceu. Nosso maior escritor nasceu no
casarão de número 131 da Rua Nova do Livramento, no morro do mesmo nome. Hoje
esse imóvel se transformou em cortiço, degrado e em ruínas. Considero isso
heresia, embora seja até rotina neste país desmemoriado em que vivemos. Mas...
A casa seguinte, para
onde Machado de Assis se mudou, após a morte da mãe, provavelmente em 1847, foi
a de número 48, da Rua São Luiz Gonzaga, em São Cristóvão. Foi ali que o então
adolescente trabalhou como vendedor ambulante de doces feitos pela madrasta.
Foi nesse bairro, também, que aprendeu francês com o padeiro da padaria de
Madame Gallot. A residência seguinte foi a da Rua Matacavalos (atual Rua
Riachuelo), no Centro do Rio, que dividiu com o amigo Ramos Paz, entre os anos
de 1860 e 1861. Não foi possível apurar a numeração desse imóvel. Pouco
importa. O fato é que morou ali, mesmo que por pouco tempo.
Em 1869, Machado de
Assis tornou-se “homem sério”, como se dizia no seu tempo. Casou-se com
Carolina e o casal foi morar no número 119 da Rua dos Andradas, também no
Centro. Permaneceu dois anos ali. Em 1871, o casal mudou-se para o segundo
andar do imóvel situado na Rua Santa Luzia, número 54, também na zona central
da cidade. Morou por três anos nesse local. Quem já fez mudanças sabe o
transtorno que isso dá. Não é fácil e nem tranqüilo mudar todos os móveis,
arquivos, livros etc. de um lugar para outro. Muita coisa se perde, outras
tantas sofrem avarias, e isso sem falar das chateações burocráticas do aluguel:
contrato, fiador etc.etc.etc.
Pois é, em 1874,
Machado de Assis e Carolina foram parar na Rua da Lapa, 94, no bairro do mesmo
nome (imóvel que teve, mais tarde, numeração alterada pela Prefeitura para
número 90). Não parou muito ali. O casal residiu nessa casa por praticamente um
ano. Em 1875, mudou-se para a Rua das Laranjeiras, número 4, no Largo do
Machado. Devias ser um inferno essas sucessivas mudanças. Sequer entro no
mérito sobre os motivos disso acontecer com tamanha freqüência. Machado de
Assis e a esposa permaneceram por três anos no imóvel do Largo do Machado. Em
1878, o casal mudou-se outra vez. Estão contando essas mudanças? Mas, com todos
esses chatérrimos contratempos, o escritor ainda tinha cabeça para produzir
obras e mais obras excepcionais que vencem o tempo e o esquecimento. Não sei
se, no lugar dele, eu teria. Provavelmente, não.
A nova mudança foi para
a Rua do Catete, 206, no bairro do mesmo nome.
A esta altura, Machado já havia crescido muito, não só como escritor,
mas na carreira de funcionário público federal. Era chefe de seção da Diretoria
de Agricultura do Ministério dos Negócios de Agricultura, Comércio e Obras
Públicas. E mais: havia sido condecorado com a comenda de “Cavaleiro da Ordem
da Rosa”. Em 1884 mudou-se, finalmente, para seu “penúltimo endereço: o da Rua
Cosme Velho, 18, onde viveu seus derradeiros vinte e quatro anos. O último (e
décimo) foi o definitivo: o mausoléu do Cemitério São João Batista, para onde
seus restos mortais foram trasladados e permanecem até hoje, quase 107 anos
após sua morte (que serão completados em junho).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment