Da crisálida emergiu
magnífica borboleta
Pedro J. Bondaczuk
O primeiro, dos tantos
livros de Machado de Assis, foi de poesias. Isso o leitor já sabe, mas nunca é
demais reiterar. Seu título? “Crisálidas”. Entendo o nome escolhido para essa
obra de estréia como uma espécie de promessa velada do autor, antecipando,
ousadamente (posto que apenas por símbolo, por metáfora que poucos entenderam e
entendem até hoje), o que pretendia fazer futuramente no incerto e frustrante
mundo das letras. Interpreto-o como uma espécie de manifestação de
autoconfiança de um jovem, que confiava sem reservas no talento que tinha (de
cuja existência tinha absoluta certeza), sem se importar com os obstáculos que
provavelmente teria que superar.
E o que me leva a essa
conclusão, da qual não tenho a menor prova? É o significado de “crisálida”.
Trata-se da última fase da formação de uma borboleta, a que antecede a
metamorfose, quando a até então repelente larva, surge à luz, como gloriosa
mistura de belas cores, como pétalas de alguma flor, que tanto nos encanta.
Afinal, Machado de Assis poderia escolher qualquer outro título para seu livro,
que não este. Talvez algum relacionado, quem sabe, com algum poema nele
inserido (como a maioria dos poetas faria, faz e fará tempos afora). Todavia, o
jovem “projeto de escritor” (e que projeto!) escolheu este, que aparentemente
nada tinha a ver com o conteúdo. E nos anos seguintes ele cumpriu de sobejo o
que “prometeu” de forma, digamos, tão “criptográfica”. Tornou-se magnífica
borboleta, eternizado depois de morto como o mais completo e criativo cultor do
que é eufemisticamente chamado por muitos como “belas letras”. Convenhamos, nem
todos os escritores conseguiram ou conseguem torná-las belas.
É certo que, quando
maduro, em 1901, quando já estava com 61 anos, Machado de Assis “repudiou” mais
da metade dos poemas que integravam “Crisálidas”, quando fez a seleção para a
publicação da coletânea “Poesias completas”. Foi excesso de zelo dele, embora
se trate de procedimento até comum de poetas que não querem deixar para a
posteridade textos que no seu entender, na sua autocrítica, são imperfeitos, ou
pueris ou comprometedores. Os que Machado expurgou não eram nada disso. Das 29
composições originais, ele cortou 17, privando leitores que não tenham a
ventura de possuir aquela primeira edição, a de 1864 (cada vez mais rara, já
que constava, apenas, de mil exemplares) de poemas magníficos (e afirmo isso
com convicção, por havê-los lido todos), dignos de figurar nas melhores
antologias de todos os tempos.
Um dos poemas, porém,
que preservou (posto que não intacto, mas modificado) foi “Versos a Corina”
(que merece análise em separado, e que pretendo empreender). Tratou-se de sua
primeira musa (entre tantas outras às quais dedicou versos) que até hoje causa
controvérsias entre os estudiosos de Machado de Assis. Quem foi essa mulher,
que encantou tanto o poeta, a quem escreveu “tu nascestes de um beijo e de um
olhar”? Sim, quem foi?.
De quem se tratou essa
figura a quem ele revelou e recomendou: “Guarda estes versos que escrevi
chorando/Como um alívio à minha soledade,/ Como um dever do meu amor; e quando/
Houver em ti um eco de saudade,/ Beija estes versos que escrevi chorando”? Para
alguns estudiosos da obra machadiana, essa mulher nunca existiu. Foi mera
idealização do poeta, fruto, apenas, da sua fantasia. Aliás, Fernando Pessoa
escreveu, certa feita, que os melhores poemas de amor são escritos para
“amadas” inexistentes, fictícias, ideais, frutos exclusivos da imaginação.
Discordo. Para mim, Corina existiu de fato, embora jamais qualquer biógrafo de
Machado de Assis tenha conseguido comprovar sua existência e nem desvendar quem
foi, onde morou, como era etc.etc.etc.
No poema original, o
jovem autor comparava sua musa à de outros poetas famosos. Em “Poesias
completas”, todavia, suprimiu todo bloco, de 22 versos, em que havia essas
referências. Achou demais compará-la a Leonor (Torquato de Tasso), Lívia
(Horácio), Beatriz (Dante Alighieri), Catarina (Luís de Camões), Corina
(Ovídio), Cíntia (Propércio), Lésbia (Catulo) ou Délia (Tibulo). Uma pena! Eu,
se fizesse essa comparação da minha amada a manteria para todo o sempre, mesmo
que o relacionamento não redundasse em nada (que não é, felizmente, meu caso).
Ao suprimir esse bloco, deixou de fora estes versos imortais: “Esta a glória
que fica, eleva, honra e consola”. Felizmente, todavia, eles foram
imortalizados em outro contexto. Foram instituídos como lema da Academia
Brasileira de Letras e o são até hoje.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuik
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