Monday, June 01, 2015

Antecipação ou simulação da vida?

Pedro J. Bondaczuk

A literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, amolda-a aos seus desígnios”. Quem escreveu isso foi o polêmico, mas nem por isso menos genial, escritor inglês Oscar Wilde. Esta, todavia, é apenas uma visão específica, entre tantas outras, dessa atividade que tanto fascina e apaixona (e não raro obceca seus cultores e consumidores). Não é a única e nem poderia ser. Cada praticante dessa arte tem sua opinião a respeito (muitas são parecidas, outras tantas, apenas semelhantes, mas raras são rigorosamente iguais). E mais, cada qual tem sua justificativa pessoal para ter escolhido esse caminho (fama, fortuna, desabafo, satisfação íntima, idealismo etc. etc. etc.) Todos, porém, concordam que o foco central da Literatura é a vida, com suas delícias e horrores, condições que tentam entender e transmitir aos leitores.

Fernando Pessoa enxergava essa arte de forma um tanto diferente da de Oscar Wilde. Para ele, “escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida”. Será? Enfim, foi a opinião que expôs. Na sequência, o criador dos heterônimos tentou justificar sua visão, mediante comparações. Escreveu: “A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura”.

A essa altura, Fernando Pessoa chega a conclusão mais ou menos parecida com a de Oscar Wilde. Apenas substitui a palavra “antecipação”, do escritor inglês, pela “simulação”. Escreve: “Essa (a Literatura) simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso”. E não está certo? Não fala mesmo! Estou mais propenso, contudo, a ficar com essa sua opinião, em detrimento da de Oscar Wilde. Romances, contos, novelas, poemas etc., em vez de “anteciparem” a vida, simulam-na. Às vezes, até antecipam, mas não é regra geral. Aliás, entendo que a vida sequer comporte regras.

A Literatura mudou muito ao longo dos séculos, notadamente após a chamada “Renascença” que, como o nome sugere, foi um “renascimento” das artes, após longuíssimo período de “morte” (ou de mera hibernação talvez), conhecido como Idade Média, em que o homem e suas grandezas e misérias deixou de ser o foco central das artes (e, por conseqüência, das letras). Voltou a ser, contudo, o centro das atenções, para o bem ou para o mal a partir do século XIII. A mudança mais radical, e de enfoque, ocorreu, notadamente, a partir do século XIX, acentuando-se no XX. Até então, os personagens não eram sequer verossímeis.

Os heróis das histórias do período classificado como Romantismo eram dotados de todas as virtudes possíveis e imagináveis e, em contraposição, os vilões eram diametralmente opostos: protótipos da maldade, cometendo toda a sorte de vilanias, para serem, no entanto, punidos no final dos enredos. Ocorre que o homem de carne e osso, (nós, eu, você, fulano, sicrano, beltrano etc.) não é assim. Traz, dentro de si, latentes, todos os vícios e todas as virtudes que há, que vêm ou não à tona, se refletindo em seus atos, ao sabor das circunstâncias. A vida não é assim.

Hoje em dia, quem recorre a esses extremos, raramente se dá bem (às vezes acontece! Mas é cada vez mais raro). O mais comum é que caia em ridículo, e isso quando ao menos consegue publicar seus romances (ou contos, ou novelas, não importa). E se publica, não tem porque ficar surpreso quando seu livro encalha nas prateleiras das livrarias. Nelson Rodrigues explicou, de certa forma, a razão dos escritores criarem personagens que se assemelhem às pessoas com as quais convivemos no dia a dia, ou seja, verossímeis, de forma até um tanto crua, como era de seu feitio. Escreveu: “Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos”. Não se faz mesmo! Eu aduziria: infelizmente. E isso está mais para a “simulação” da vida, proposta por Fernando Pessoa, (quer gostemos ou não, é assim) do que para a “antecipação”, sugerida por Oscar Wilde. 


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