Antecipação ou
simulação da vida?
Pedro
J. Bondaczuk
“A literatura antecipa
sempre a vida. Não a copia, amolda-a aos seus desígnios”. Quem escreveu isso
foi o polêmico, mas nem por isso menos genial, escritor inglês Oscar Wilde.
Esta, todavia, é apenas uma visão específica, entre tantas outras, dessa
atividade que tanto fascina e apaixona (e não raro obceca seus cultores e
consumidores). Não é a única e nem poderia ser. Cada praticante dessa arte tem
sua opinião a respeito (muitas são parecidas, outras tantas, apenas
semelhantes, mas raras são rigorosamente iguais). E mais, cada qual tem sua
justificativa pessoal para ter escolhido esse caminho (fama, fortuna, desabafo,
satisfação íntima, idealismo etc. etc. etc.) Todos, porém, concordam que o foco
central da Literatura é a vida, com suas delícias e horrores, condições que
tentam entender e transmitir aos leitores.
Fernando Pessoa
enxergava essa arte de forma um tanto diferente da de Oscar Wilde. Para ele,
“escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a
vida”. Será? Enfim, foi a opinião que expôs. Na sequência, o criador dos
heterônimos tentou justificar sua visão, mediante comparações. Escreveu: “A
música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de
representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um
sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de
fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana.
Não é o caso da literatura”.
A essa altura, Fernando
Pessoa chega a conclusão mais ou menos parecida com a de Oscar Wilde. Apenas
substitui a palavra “antecipação”, do escritor inglês, pela “simulação”.
Escreve: “Essa (a Literatura) simula a vida. Um romance é uma história do que nunca
foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de
ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém
fala em verso”. E não está certo? Não fala mesmo! Estou mais propenso, contudo,
a ficar com essa sua opinião, em detrimento da de Oscar Wilde. Romances,
contos, novelas, poemas etc., em vez de “anteciparem” a vida, simulam-na. Às
vezes, até antecipam, mas não é regra geral. Aliás, entendo que a vida sequer
comporte regras.
A Literatura mudou
muito ao longo dos séculos, notadamente após a chamada “Renascença” que, como o
nome sugere, foi um “renascimento” das artes, após longuíssimo período de
“morte” (ou de mera hibernação talvez), conhecido como Idade Média, em que o
homem e suas grandezas e misérias deixou de ser o foco central das artes (e,
por conseqüência, das letras). Voltou a ser, contudo, o centro das atenções,
para o bem ou para o mal a partir do século XIII. A mudança mais radical, e de
enfoque, ocorreu, notadamente, a partir do século XIX, acentuando-se no XX. Até
então, os personagens não eram sequer verossímeis.
Os heróis das histórias
do período classificado como Romantismo eram dotados de todas as virtudes
possíveis e imagináveis e, em contraposição, os vilões eram diametralmente
opostos: protótipos da maldade, cometendo toda a sorte de vilanias, para serem,
no entanto, punidos no final dos enredos. Ocorre que o homem de carne e osso,
(nós, eu, você, fulano, sicrano, beltrano etc.) não é assim. Traz, dentro de
si, latentes, todos os vícios e todas as virtudes que há, que vêm ou não à
tona, se refletindo em seus atos, ao sabor das circunstâncias. A vida não é
assim.
Hoje em dia, quem
recorre a esses extremos, raramente se dá bem (às vezes acontece! Mas é cada
vez mais raro). O mais comum é que caia em ridículo, e isso quando ao menos
consegue publicar seus romances (ou contos, ou novelas, não importa). E se
publica, não tem porque ficar surpreso quando seu livro encalha nas prateleiras
das livrarias. Nelson Rodrigues explicou, de certa forma, a razão dos
escritores criarem personagens que se assemelhem às pessoas com as quais
convivemos no dia a dia, ou seja, verossímeis, de forma até um tanto crua, como
era de seu feitio. Escreveu: “Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma
partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos”. Não
se faz mesmo! Eu aduziria: infelizmente. E isso está mais para a “simulação” da
vida, proposta por Fernando Pessoa, (quer gostemos ou não, é assim) do que para
a “antecipação”, sugerida por Oscar Wilde.
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