A Voz do Rio de Janeiro
Pedro
J. Bondaczuk
O jornalista e escritor
Luciano Trigo, na introdução do seu livro “O viajante imóvel – Machado de Assis
e o Rio de Janeiro de seu tempo”, indaga, a certa altura: “Até que ponto a
criação literária é influenciada por aspectos sociais e mesmo geográficos do
ambiente?”. Considero essas influências fundamentais, mesmo quando não se
revelem ostensivas, ou que seja difícil, se não impossível identificá-las. Mas
elas estão ali, em sua obra, ora visíveis, bem à mostra, ora camufladas,
desafiando o leitor, o estudioso de Literatura e, sobretudo, o crítico a
encontrá-las e revelá-las. Só mesmo uma pessoa insensata, imprudente e tola
(para dizer o de menos) escreve sobre o que não conhece. Se o fizer, estará sujeita
ao ridículo. Ademais, se escrever algum livro “chutando” para todos os lados,
sem saber nada, rigorosamente nada do que se propõe a abordar, por maior que
seja seu talento, gerará, ao fim e ao cabo, um monstrengo caricato e disforme,
sem a menor chance de ser publicado.
Em uma crônica que
escrevi, em 26 de março de 2012, afirmei, a determinada altura: “Emile Zola
rotulou o escritor de ‘historiador da moral humana’. E estava errado? Claro que
não. É isso que nós, que exercemos essa fascinante, posto que perigosa e não
raro frustrante atividade (e o perigo reside na possibilidade de resvalarmos
facilmente para o ridículo), de fato somos. Para tanto, devemos ser, além de
atentíssimos observadores, pessoas muito bem informadas. Se não tivermos
condições de reunir, simultaneamente, essas duas características, será mais
prudente e inteligente escolhermos outra atividade, que não a literatura, para
exercer. Como criar personagens marcantes, verossímeis e que se destaquem sem
contar com essas virtudes que citei? Não vejo como”.
Na sequência,
complementei: “Zola conclui que o ficcionista, ‘historiador da moral humana’,
deve ser um pintor de tipos, um narrador de dramas, e um colecionador do bem e
do mal. Tanto sobre a moral como sobre a religião e a política, um escritor
deve ter idéias bem definidas; deve ter a sua opinião sobre os negócios dos
homens’. E não é assim? Se alguém discordar (embora não creio que se discorde),
que me explique como é possível se escrever sobre algo que se desconhece. Não
vejo como alguém possa fazer essa mágica. Ouso afirmar que não pode”.
Luciano Trigo, por seu
turno, acrescenta, na introdução do seu livro: “A relação de um escritor com
sua cidade é quase sempre um tema fascinante. Bastaria lembrar o inestimável
ensaio de Walter Benjamin sobre Baudelaire e Paris. No caso de Machado de
Assis, isso é ainda mais verdadeiro, não apenas porque o autor de Dom Casmurro
praticamente nunca deixou o Rio de Janeiro – daí a brincadeira do título “O
viajante imóvel”, pois a viagem dele é mais interior do que propriamente física
–, mas também pela presença assídua da cidade nos seus textos”. São raros seus
contos e romances em que algum ponto específico, algum aspecto característico,
alguma paisagem peculiar da então capital do Império não sejam citados. E
Machado o faz com naturalidade, com familiaridade, com a espontaneidade de quem
sabe do que fala, por conhecer de sobejo.
A relação umbilical de
escritores com determinadas cidades não se limita ao caso citado por Trigo, a
título de exemplo: o de Charles Baudelaire com Paris. Citei um deles, em
relação à mesma cidade, em texto que escrevi em 9 de outubro de 2014. Referi-me
na ocasião ao escritor francês, Patrick Modiano, na oportunidade em que foi
agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura. De acordo com os críticos, sua
principal característica literária é semelhante à de outro “monstro sagrado”
das letras, Marcel Proust, “pela temática adotada e pela profundidade de suas
reflexões”. Todavia, o aspecto que mais chama a atenção em Modiano é seu profundo
vínculo, seu apaixonado apego com a “Cidade Luz”, a ponto de torná-lo conhecido
como “A Voz de Paris”.
Por esse critério – e
por qualquer outro que se adote – Machado de Assis pode ser considerado, sem
nenhuma impropriedade e sem qualquer exagero, a lídima e vibrante “Voz do Rio
de Janeiro”. De acordo com os críticos, Patrick Modiano está para a “Cidade
Luz” (onde nasceu), como o cineasta Woody Allen está para Nova York. E o que
dizer, então, de Machado de Assis, que não só nasceu na Cidade Maravilhosa, mas
nela viveu, trabalhou, amou, sofreu e morreu? Sim, o que dizer desse “viajante
imóvel” (como Trigo o caracterizou)? Se quisermos estabelecer relação parecida,
ou semelhante com a anteriormente citada, teremos que concluir, até por questão
de justiça, se não de lógica: Machado de Assis está muitíssimo mais para o Rio
de Janeiro do que Patrick Modiano está para Paris (com vínculo fortíssimo,
admita-se) e do que Woody Allen está para Nova York!!!! Ou do que Charles
Baudelaire sempre estará para a “Cidade Luz”!!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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