Saturday, June 27, 2015

Gênio escrevendo sobre gênio.

Pedro J. Bondaczuk

O saudoso jornalista e escritor paulistano Daniel Piza – que trabalhou no jornal “O Estado de São Paulo” , foi comentarista esportivo da Rádio CBN e de lambuja, foi artista plástico – em detalhado texto que publicou em 1º de setembro de 2008, observou logo no primeiro parágrafo, que a vida de Machado de Assis “foi profundamente associada ao Rio de Janeiro cujas transformações acompanhou de perto”. Lembrou que o escritor carioca “conviveu com todas as classes sociais”. Foi, portanto, sem tirar e nem pôr, o que os norte-americanos chamam de “self made man”. Ou seja, o “homem que se faz sozinho”, por si próprio, mercê, exclusivamente, de seu esforço, inteligência e talento. Autodidata, adquiriu tamanha cultura, tanto conhecimento (e, insisto, exclusivamente por esforço pessoal, sobretudo lendo muito e a propósito de tudo), que rivalizou (e provavelmente superou) os indivíduos mais cultos do seu tempo. E não apenas da então capital do império, o que já seria notável façanha, mas de todo o País.

Piza lembra: “Neto de escravo alforriado, ascendeu gradualmente nas duas carreiras que teve: as de funcionário público e homem de letras. Teve altos cargos nos ministérios da Agricultura e dos Transportes e, aos 40 anos, já era reconhecido como o maior ficcionista brasileiro”. O vínculo de Machado de Assis com o Rio de Janeiro – íntimo, visceral, profundo e até anímico – tem que ser sempre, mesmo sob risco até de se ser repetitivo, mencionado, destacado, valorizado e reiterado, por se refletir no que foi e no que fez. Sua trajetória se deu da periferia em direção ao centro, de acordo, inclusive, com sua ascensão social. Destaquei, em texto anterior, os nove endereços das casas em que Machado de Assis residiu e, coincidência ou não, o “roteiro” foi do subúrbio progressivamente rumo à zona central da cidade.

Daniel Piza, em seu citado texto de 2008 (que tenho em mãos), enfatiza, em determinado trecho: “A essência do Rio machadiano era o hoje chamado ‘centro histórico’, principalmente as ruas do Ouvidor, Direita e da Quitanda, a parte mais nobre, onde ficavam os cafés, as lojas, os teatros e as livrarias. Também os bairros da Glória e do Flamengo eram importantes, com seus hotéis, jardins e mansões. Quando se mudou para as Laranjeiras, na Rua Cosme Velho, em 1884, Machado tinha 45 anos e queria distância das agitações urbanas. Nem por isso deixou de interpretar sua cidade como ninguém”. Não deixou de fato.

Cabe, aqui, um parêntese, talvez um tanto longo, mas que considero indispensável. Destina-se a lembrar para quem o conheceu, e apresentar, para quem não teve esse privilégio, o jornalista e escritor Daniel Piza. Paulistano “da gema” – nasceu na cidade de São Paulo em 28 de março de 1970 – morreu, prematuramente, aos 41 anos de idade, na cidadezinha de Gonçalves, em 30 de dezembro de 2011, na véspera do réveillon, que comemorava com a família. Foi acometido de fulminante AVC, que pôs fim, abruptamente, a uma brilhante carreira, que poderia ser infinitamente maior, não fosse colhido de maneira tão repentina e surpreendente pela “niveladora dos homens”.

Não, leitor, não estou fugindo do tema. O elo entre Daniel Piza e Machado de Assis é, além do seu texto de 1º de setembro de 2008, que cito a todo o momento, a biografia que escreveu do “Bruxo do Cosme Velho”. E foi um livro tão bom, que recebeu merecidos elogios da crítica quando do seu lançamento em 2005. O título, para quem se interesse em adquiri-lo, é “Machado de Assis – um gênio brasileiro”, publicado pela Imprensa Oficial. Recomendo, sem titubear, essa obra. Aliás, naquele mesmo ano, Daniel Piza publicou outro livro, de alta qualidade literária (e bastante informativo), em que também trata do maior escritor brasileiro de todos os tempos, desta vez, porém, ao lado de três outros gênios das letras mundiais. Foi “Mistérios da Literatura – Poe, Machado, Conrad e Kafka”, pela Editora Mauad.

Genial, a bem da verdade, foi este jornalista, de formação jurídica (formou-se em Direito pela USP), que começou sua carreira na imprensa em 1991, no tradicional “O Estado de São Paulo”, cobrindo a área cultural, encontrando tempo (não sei como) para colaborar com diversas revistas especializadas em cultura e, de quebra, para escrever e publicar livros e mais livros. E como os publicou! Foram dezessete em seus escassos 41 anos de idade!!! E todos no curtíssimo período compreendido entre 1996 e 2011! Houve ano (2003), em que publicou cinco livros de uma vez, quantidade que muito escritor badalado não conseguiu escrever e nem publicar em muitos e muitos anos de vida. Eles foram, pela ordem: “Ora bolas – da Copa de 98 ao penta” (Nova Alexandria), “Leituras do Brasil” (Talent), “Jornalismo cultural” (Contexto), “Ayrton Senna – o eleito” (Ediouro) e “Academia Brasileira de Letras – Histórias e revelações” (Dezembro Editorial).

Não é justo, e nem inteligente, como se vê, que um escritor desse porte seja ignorado, ou então esquecido, em um país em que a Literatura vem se caracterizando há já bom tempo (salvo exceções) por uma “mesmice” acabrunhante e avassaladora. Destaco, particularmente, nesta oportunidade, seu livro “Machado de Assis – um gênio brasileiro”, por razões compreensíveis. Afinal, é um gênio escrevendo sobre outro, o que não pode, convenhamos, passar batido. Estou seguro que não passará.


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