Gênio escrevendo sobre
gênio.
Pedro J. Bondaczuk
O saudoso jornalista e
escritor paulistano Daniel Piza – que trabalhou no jornal “O Estado de São
Paulo” , foi comentarista esportivo da Rádio CBN e de lambuja, foi artista
plástico – em detalhado texto que publicou em 1º de setembro de 2008, observou
logo no primeiro parágrafo, que a vida de Machado de Assis “foi profundamente
associada ao Rio de Janeiro cujas transformações acompanhou de perto”. Lembrou
que o escritor carioca “conviveu com todas as classes sociais”. Foi, portanto,
sem tirar e nem pôr, o que os norte-americanos chamam de “self made man”. Ou
seja, o “homem que se faz sozinho”, por si próprio, mercê, exclusivamente, de
seu esforço, inteligência e talento. Autodidata, adquiriu tamanha cultura,
tanto conhecimento (e, insisto, exclusivamente por esforço pessoal, sobretudo
lendo muito e a propósito de tudo), que rivalizou (e provavelmente superou) os
indivíduos mais cultos do seu tempo. E não apenas da então capital do império,
o que já seria notável façanha, mas de todo o País.
Piza lembra: “Neto de
escravo alforriado, ascendeu gradualmente nas duas carreiras que teve: as de
funcionário público e homem de letras. Teve altos cargos nos ministérios da
Agricultura e dos Transportes e, aos 40 anos, já era reconhecido como o maior
ficcionista brasileiro”. O vínculo de Machado de Assis com o Rio de Janeiro –
íntimo, visceral, profundo e até anímico – tem que ser sempre, mesmo sob risco
até de se ser repetitivo, mencionado, destacado, valorizado e reiterado, por se
refletir no que foi e no que fez. Sua trajetória se deu da periferia em direção
ao centro, de acordo, inclusive, com sua ascensão social. Destaquei, em texto
anterior, os nove endereços das casas em que Machado de Assis residiu e,
coincidência ou não, o “roteiro” foi do subúrbio progressivamente rumo à zona
central da cidade.
Daniel Piza, em seu
citado texto de 2008 (que tenho em mãos), enfatiza, em determinado trecho: “A
essência do Rio machadiano era o hoje chamado ‘centro histórico’,
principalmente as ruas do Ouvidor, Direita e da Quitanda, a parte mais nobre,
onde ficavam os cafés, as lojas, os teatros e as livrarias. Também os bairros
da Glória e do Flamengo eram importantes, com seus hotéis, jardins e mansões.
Quando se mudou para as Laranjeiras, na Rua Cosme Velho, em 1884, Machado tinha
45 anos e queria distância das agitações urbanas. Nem por isso deixou de
interpretar sua cidade como ninguém”. Não deixou de fato.
Cabe, aqui, um
parêntese, talvez um tanto longo, mas que considero indispensável. Destina-se a
lembrar para quem o conheceu, e apresentar, para quem não teve esse privilégio,
o jornalista e escritor Daniel Piza. Paulistano “da gema” – nasceu na cidade de
São Paulo em 28 de março de 1970 – morreu, prematuramente, aos 41 anos de
idade, na cidadezinha de Gonçalves, em 30 de dezembro de 2011, na véspera do
réveillon, que comemorava com a família. Foi acometido de fulminante AVC, que pôs
fim, abruptamente, a uma brilhante carreira, que poderia ser infinitamente
maior, não fosse colhido de maneira tão repentina e surpreendente pela
“niveladora dos homens”.
Não, leitor, não estou
fugindo do tema. O elo entre Daniel Piza e Machado de Assis é, além do seu
texto de 1º de setembro de 2008, que cito a todo o momento, a biografia que
escreveu do “Bruxo do Cosme Velho”. E foi um livro tão bom, que recebeu
merecidos elogios da crítica quando do seu lançamento em 2005. O título, para
quem se interesse em adquiri-lo, é “Machado de Assis – um gênio brasileiro”,
publicado pela Imprensa Oficial. Recomendo, sem titubear, essa obra. Aliás,
naquele mesmo ano, Daniel Piza publicou outro livro, de alta qualidade
literária (e bastante informativo), em que também trata do maior escritor
brasileiro de todos os tempos, desta vez, porém, ao lado de três outros gênios
das letras mundiais. Foi “Mistérios da Literatura – Poe, Machado, Conrad e
Kafka”, pela Editora Mauad.
Genial, a bem da
verdade, foi este jornalista, de formação jurídica (formou-se em Direito pela
USP), que começou sua carreira na imprensa em 1991, no tradicional “O Estado de
São Paulo”, cobrindo a área cultural, encontrando tempo (não sei como) para
colaborar com diversas revistas especializadas em cultura e, de quebra, para
escrever e publicar livros e mais livros. E como os publicou! Foram dezessete
em seus escassos 41 anos de idade!!! E todos no curtíssimo período compreendido
entre 1996 e 2011! Houve ano (2003), em que publicou cinco livros de uma vez,
quantidade que muito escritor badalado não conseguiu escrever e nem publicar em
muitos e muitos anos de vida. Eles foram, pela ordem: “Ora bolas – da Copa de
98 ao penta” (Nova Alexandria), “Leituras do Brasil” (Talent), “Jornalismo
cultural” (Contexto), “Ayrton Senna – o eleito” (Ediouro) e “Academia
Brasileira de Letras – Histórias e revelações” (Dezembro Editorial).
Não é justo, e nem
inteligente, como se vê, que um escritor desse porte seja ignorado, ou então
esquecido, em um país em que a Literatura vem se caracterizando há já bom tempo
(salvo exceções) por uma “mesmice” acabrunhante e avassaladora. Destaco,
particularmente, nesta oportunidade, seu livro “Machado de Assis – um gênio
brasileiro”, por razões compreensíveis. Afinal, é um gênio escrevendo sobre
outro, o que não pode, convenhamos, passar batido. Estou seguro que não
passará.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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