O inovador segundo livro de Machado de
Assis
Pedro
J. Bondaczuk
O segundo livro de Machado de Assis,
também de poesias – o primeiro, recorde-se, foi “Crisálidas”, lançado em 1864 –
foi “Falenas”. Foi publicado em 1870, quando o autor tinha completado 31 anos
de idade e já estava casado. Essa obra ainda faz parte da sua fase Romântica,
posto que com várias inovações formais e temáticas que o diferenciaram (e
muito) de outros escritores dessa escola literária. É composto por 28 poemas,
com os seguintes títulos: “Flor da Mocidade”, “Quando Ela fala”, “Manhã de
Inverno”, “La Marchesa de Miramar”, “Sombras”, “Ite missa est”, “Ruínas”, “Musa
de Olhos verdes”, “Noivado”, “A Elvira”, “Lágrima de Cera”, “Livros e Flores”,
“Pássaros”, “O Verme”, “Un vieux pays”, “Luz entre Sombras”, “Lira Chinesa”,
“Uma Ode de Anacrionte”, “Pálida Elvira”, “Prelúdio”, “Visão”, “Menina e Moça”.
“No Espaço”, “Os Deuses da Grécia”, “Cegonhas e Rodovalhos”, “A um Legista”,
“Estâncias a Emma” e “A Morte de Ofélia”.
O livro foi editado no Rio de Janeiro,
mas impresso em Paris. Na época, o Brasil não tinha nada que lembrasse, sequer
remotamente, uma “indústria editorial”, mesmo que incipiente. Havia várias
gráficas que imprimiam livros, sobretudo na então Capital Federal, mas a custos
proibitivos para os autores e de qualidade de duvidosa para sofrível. Era um
trabalho rústico, artesanal, cheio de problemas e de erros, por falta, até, de
bons revisores. As obras impressas no Exterior (na França, Inglaterra e
Alemanha) eram escassas, raras e, principalmente, caras. As tiragens eram
pequenas (raramente passavam de mil exemplares) e pouquíssimas chegavam a
esgotar. Se hoje, fazer Literatura é bastante complicado, sobretudo para
escritores novatos, imaginem naquele tempo.
Se no aspecto de entusiasmo, de
descoberta do amor e de suas delícias e agruras, enfim, de paixão,
característicos dos moços, “Falenas” é mais “moderado” do que “Crisálidas”,
Machado de Assis, nesse livro, no entanto, foi ao extremo no que se refere à
expressão formal. Chegou, sem exagero, aos limites da linguagem dos românticos.
Na realidade, ultrapassou-os sobejamente. Pode-se dizer que estabeleceu novas
“fronteiras” linguísticas, como que antecipando, e em décadas, o modernismo.
Alguém escreveu (não me lembro quem), que é “nesses poemas que se pode
surpreender um poeta cada vez mais prosador”, mas sem perder vigor poético.
Pelo contrário.
Já é possível de se detectar, em
“Falenas”, posto que ainda um tanto timidamente, algumas das características
estilísticas que se tornariam marcas registradas em Literatura (e não somente
em poesia, contudo também em prosa, ficcional ou não) de Machado de Assis. Uma
delas foi sua tentativa de identificar motivações de atos e de sentimentos,
traçando perfis psicológicos dos respectivos agentes, em uma época em que não
se cogitava perscrutar a mente em busca dos seus segredos, ou seja, do que,
mesmo que oculto, determina ações e emoções, positivas ou não. Sigmund Freud,
para ser ter uma idéia, ainda era um adolescente de catorze anos e não havia,
por conseguinte, lançado as bases da psicanálise.
Percebe-se, na leitura de “Falenas”,
outro “distintivo” de Machado de Assis, que ele viria a desenvolver na
sequência ao máximo, que é o toque levemente irônico em seus textos, apenas
sugerido, mas perceptível ao leitor atento. A ironia, expressa em textos, cujo
superlativo é o sarcasmo, é um recurso perigoso, que exige muito talento de
quem recorre a ela, sob pena de se descambar para a grosseria. Em conversas
tetê-a-tête, em que a entonação de voz, os gestos e, principalmente, a
expressão facial entram em cena, o “perigo” é menor (embora sempre exista).
Pode se expressar por um sorriso de canto de boca, por um olhar esquivo e
por coisas assim, sem que o que se diz
desperte a mínima suspeita que se trate de qualquer espécie de crítica ou
restrição. Quem é seu destinatário, contudo, percebe, embora não tenha como
reagir, pois o que conta é o dito e não o apenas insinuado, argumento que pode
ser utilizado por quem é irônico.
Já por palavras escritas... não é
qualquer um que tem a habilidade, o feeling, a capacidade de utilizar esse
recurso sem descambar para a grosseria e a ofensa. O próprio Machado de Assis
definiu-a assim (de forma admirável) no conto “Teoria do medalhão”: “A ironia,
esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego
da decadência, contraído por Luciano, transmitido por Swift e Voltaire, feição
própria dos céticos e desabusados (,,,)”. Colhi essa citação no excelente texto
de John Gledson, de apresentação do livro “Contos uma antologia – Machado de
Assis”, publicado em fins do século XX pela Editora Companhia das Letras. O
“Bruxo do Cosme Velho”, porém, utilizou esse expediente com inigualável
maestria, como raríssimos escritores fizeram ou fazem ainda hoje. E essa
característica começa a se evidenciar já em alguns dos poemas de “Falenas”.
Outro aspecto que não me escapou (e nem
poderia) nesse livro foi uma sensualidade quase explícita do escritor. Não
confundi-la, porém, com pornografia, recurso dos medíocres que não sabem
distinguir as coisas e trocam os pés pelas mãos. Trata-se de um erotismo
ousado, sim, posto que realista, mas de extremo bom gosto na forma de ser
expressado. Pudera! Quem o expressou não foi qualquer um. Foi um mago das palavras, um gênio, um “Bruxo” que
mereceu esse apelido, que com seu talento e com os recursos intelectuais de que
era dotado, conseguia transformar reles pedras brutas em preciosas pepitas de
ouro. Provavelmente, essa sensualidade do escritor decorria da sua nova
condição de vida, a de casado, que experimentava, pois, na carne, a delícia do
amor carnal, sem que este, no entanto, perdesse grandeza, majestade e
transcendência. Tanto que, em determinado texto (não me lembro qual) Machado de
Assis defendeu que a relação sexual deveria se dar, sempre, como cerimônia
sagrada, como “oração”,como comunhão com o divino, pois dela é que “se origina
nova vida”. E não é?!!!
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