O dia mais trágico da
vida de Machado de Assis
Pedro
J. Bondaczuk
O amor é sentimento de
extremos. Não comporta meios-termos.
Enquanto dura, e é correspondido, nada nos produz maior satisfação –
física, mental, emocional etc - do que ele. É algo tão profundo e
transcendental, que ninguém conseguiu, jamais, descrever, de forma convincente
e consensual, a felicidade que ele proporciona. E olhem que, desde quando o
homem aprendeu a se expressar por palavras, bilhões (sem exagero), ao longo da
trajetória humana na Terra, já tentaram fazê-lo, em vão. Nem poetas, nem
romancistas, nem filósofos, nem ninguém conseguiu essa façanha. Paradoxalmente,
é, também, o sentimento que causa a maior dor que alguém possa sentir. Isso
ocorre, óbvio, com a separação. E não me refiro àquela que se dá quando ele
acaba, que é tão comum. Essa também faz sofrer, mas esse sofrimento é fichinha,
não é nem remotamente parecido com o da perda definitiva, por morte, de quem
amamos sem reservas e nem condições (o que, convenhamos, é sumamente raro).
São incontáveis os
casos de casais, com longa convivência sem que o amor tenha esfriado ou sido
abalado, em que, quando um dos dois amantes morre, o outro o acompanha a
seguir: ou em meses, ou em semanas ou em escassos dias depois da “partida para
a “eternidade” da parceira (ou parceiro). Li, não faz muito, que um homem (se
não me falha a memória, nos Estados Unidos), que estava perfeitamente saudável,
morreu quinze minutos após a morte da esposa, com a qual conviveu por sessenta
anos, entre namoro, noivado e casamento, sem nenhuma explicação lógica. Quem
sobrevive, no entanto, experimenta um sofrimento indescritível e inigualável.
Foi o que Machado de Assis, certamente, sofreu, a partir do fatídico dia 20 de
outubro de 1904, provavelmente (ou certamente?) o pior da sua vida, tormento
que durou quase quatro anos, até quando ele também morreu. Nessa data ocorreu a
morte de Carolina Augusta Xavier de Novaes Machado de Assis, com a qual o
escritor viveu, na mais completa harmonia, por 35 anos.
Não pensem que estou
fazendo drama barato, lançando mão de expediente sensacionalista, tentando
fazer (má) literatura com o sofrimento de alguém. Não estou! Todos os biógrafos
do grande escritor, baseados em cartas, testemunhos e farta documentação, são
unânimes em registrar que a morte da esposa arrasou, mental e
emocionalmente, aquele homem já doente.
E que ele jamais se recuperou do baque. É certo que, dotado de uma força mental
e espiritual invejáveis, Machado de Assis não não deixou de cumprir nenhum
compromisso assumido (inclusive profissional, como servidor público), tanto
intelectual, quanto social. Mas bastava olhar para ele para ver um homem sem
rumo, sem entusiasmo, sem alegria, sem esperanças ou perspectivas, sem nenhuma
vontade de viver. Era alguém que ansiava, apenas, a morte, para se encontrar,
alhures (ninguém sabe onde e nem como) com o amor da sua vida.
Carolina morreu pouco
antes de completar 70 anos de idade, após sofrer de “tumores de intestino”
(provavelmente câncer, doença na época praticamente desconhecida), certamente
com dores insuportáveis. Imaginem o que é você ver a pessoa que ama definhar,
se esvair diante de seus olhos, sem poder fazer coisa alguma para ajudá-la! E,
pior, pensem no desespero que é assistir à sua morte, pondo fim, até, áquelas
esperanças loucas que temos nessas circunstâncias de um milagre, que não
acontece!!! É terrível! Machado de Assis, insisto, nunca se recuperou desse
baque. Tornou-se taciturno, arredio, calado, além de ter suas doenças
(notadamente a epilepsia) agravadas. A saudade que sentia da mulher, o amor de
sua vida, era insuportável. Tanto que se tornava “palpável” até para o mais
distraído dos seus amigos e interlocutores.
Ele próprio (embora
discreto e reservado como sempre foi) confessou sua angústia e desamparo, como
atesta esta carta que escreveu a Joaquim Nabuco em que, em certo trecho
desabafou: “Junto a isto (sua profunda tristeza) a solidão em que vivo, depois
que minha mulher faleceu. Soube por algumas amigas dela de uma confidência que
ela lhes fazia; dizia-lhes que preferia ver-me morrer primeiro por saber a
falta maior que ela me faria. A realidade foi talvez maior que ela cuidava; a
falta é enorme. Tudo isso me abafa e entristece. Acabei”. A visita ao túmulo da
esposa tornou-se, dali por diante, programa obrigatório de todos os domingos,
enquanto teve condições de andar.
Em outra carta a
Joaquim Nabuco, Machado de Assis expressou seu mais intenso desejo de então: o
de morrer, para se reunir, para sempre, a Carolina. “Aqui me fico, por ora na mesma casa, no
mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga
Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em
recordá-la. Irei vê-la, e ela me esperará”, escreveu então. Estou convicto que
o amor não depende de nada: nem de beleza, nem de bondade, nem de inteligência,
nem de fortuna e nem de qualquer outra virtude para nascer. Surge, de repente,
sem aviso, do nada e, se o cultivarmos adequadamente, não morre jamais. Pode até
atenuar-se, mas não desaparecer. Imaginem, então, se a pessoa amada além de
tudo for virtuosa! Aí torna-se, mesmo, irresistível e inexpurgável. Era o caso
de Carolina, que era, sobretudo, pessoa bondosa.
Sou forçado a concordar
com o que o ator e diretor cinematográfico Woody Allen – aliás, admirador
confesso da obra de Machado de Assis, de quem revelou ter lido todos os livros
traduzidos para o inglês – afirmou, do seu jeitão, digamos, “destrambelhado”,
em recente entrevista: “Amar é sofrer. Para você evitar de sofrer, não deve
amar. Mas, dessa forma vai sofrer por não amar. Então, amar é sofrer, não amar
é sofrer, sofrer é sofrer. Ser feliz é amar, ser feliz, então, é sofrer. Mas
sofrer torna-nos infelizes. Então, para ser infeliz temos que amar, ou amar
para sofrer, ou sofrer de demasiada felicidade”. E não é?!!! Machado de Assis, após a perda da esposa,
certamente concordaria com Woody Allen, caso fosse seu contemporâneo, embora
duvide que se expressasse de modo tão enrolado ao exprimir essa verdade.. Eu
concordo!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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