Machado recusado
Pedro J.
Bondaczuk
As obras, quando consistentes e de qualidade, quer
em literatura, quer em qualquer outra atividade, quase sempre exaltam e
imortalizam seus autores. Como toda a regra, porém, esta também tem exceções.
Há casos de escritores que ficam conhecidos por somente um ou dois dos seus
livros, os de maior aceitação (porque melhor divulgados) por parte do público.
Os outros que escreveram, mesmo que de qualidade superior --- temática, ou
estilística, ou ambas --- passam batidos para os leitores e muitas vezes até
para os especialistas.
São "filhos" cuja paternidade não é
reconhecida, por razões, na maior parte dos casos, subjetivas. E, ao que se
saiba, não existe nenhum teste de DNA literário, para atestar a paternidade de
uma obra. O jornal Folha de S. Paulo fez uma experiência bastante interessante,
em abril de 2002 (se não me falha a memória), criticada por muitos, mas
bastante válida, que ilustra bem essa constatação. O então responsável pelo
caderno "Ilustrada", especializado em artes e variedades desse
prestigioso diário, enviou o que deu a entender serem os originais de um
romance pouco conhecido de ninguém menos do que Machado de Assis, sem
identificar, obviamente, o autor, para seis das maiores, mais poderosas e mais
expressivas editoras do País.
Levando em conta o fato de que se trata do escritor
brasileiro, tido e havido com a máxima justiça como senão o melhor, um dos
melhores de todos os tempos, autor emblemático no qual várias gerações de
romancistas e contistas se espelharam (e ainda se espelham), seria de se
esperar que o texto oferecido fosse, caso não se percebesse a burla e não se
identificasse seu verdadeiro autor, aceito de imediato, sem qualquer hesitação
ou restrição, não por uma, mas por todas as seis empresas da indústria
editorial que o receberam. Pela lógica, deveria haver, nesse caso, até mesmo
acirrada disputa para a aquisição do direito de publicação.
Afinal, a marca do estilo e da genialidade do
fundador da Academia Brasileira de Letras, que lhe garantiu a imortalidade nas
letras nacionais e até internacionais, está presente em cada página do referido
trabalho. No entanto, na literatura, como na vida, há casos em que os
"pais" sobrevivem aos "filhos" na memória da posteridade.
Nenhuma das seis editoras, às quais os originais do livro "Casa
Velha", de Machado de Assis, foram oferecidos, se dispôs a publicar tal
romance.
Há, é claro, a possibilidade da burla ter sido
detectada (o que não parece muito provável, pela resposta dada pelos
destinatários, pelo menos aqueles que responderam, para a recusa da obra). O
que me leva a outra hipótese: à presunção, lógica, de que os editores não
reconheceram o texto como de autoria do mais conhecido, estudado e comentado
escritor brasileiro de todos os tempos. E, o que é mais constrangedor: não
viram qualidades suficientes no texto para merecer seu aval, o que, em tese,
garantiria sua publicação. Em resumo: "bateram com a porta na cara"
do Machadão (muito provavelmente sem saberem que era ele).
Três das editoras sequer responderam à oferta dos
originais, feita pelo suposto autor (no caso o funcionário da Folha de S.
Paulo, que planejou o referido teste). Claro que podem ter percebido o embuste
e resolvido sequer dar trela àquilo que talvez interpretassem (no caso, com
razão), como "brincadeira de mau gosto". Prefiro acreditar nessa
hipótese. É a menos vexatória.
O pior foi o que aconteceu com as outras três.
Acusaram, por carta, o recebimento dos originais do livro, mas, gentilmente,
como de praxe quando se trata de escritor "desconhecido", declinaram
de publicar o romance, sem em momento algum mencionar o motivo. Provavelmente,
o texto sequer chegou a ser lido. Foi devolvido intacto, da forma como chegou.
Lamentável...
Se Machado de Assis foi recusado, sem a menor
cerimônia, sem que houvesse sequer a mais superficial apreciação dos supostos
"originais", o que podem esperar os autores novos, desconhecidos do
público, mesmo que criativos, excelentes ou até mesmo geniais, para editar os
seus primeiros livros? Daí, esse marasmo editorial, essa falta de romances de
qualidade (já nem diria excepcionais, que seria esperar demais, mas pelo menos
razoáveis), de poemas que pelo menos sejam inteligíveis, de contos que não se
limitem a lugares-comuns e de crônicas inteligentes, como as dos grandes
mestres do gênero, que aos poucos vão desaparecendo do cenário literário nacional.
Impingem-nos, em contrapartida, muitos autores que
nada têm a ver com a nossa realidade, gosto ou com a nossa cultura. Muitos
sequer apresentam o mínimo de criatividade e talento. Enquanto isso, temas que
deveriam refletir o nosso tempo e os nossos costumes, como o Carnaval, o
futebol, e outros tantos, não constam da maioria dos livros, tanto de autores
nacionais, quanto dos internacionais. Não faltam, diga-se de passagem, bons
escritores no País. Ocorre que nem todos têm dinheiro para bancar as próprias
edições. E os que o fazem, terminam,
invariavelmente, com "o mico na mão", com enormes encalhes, já que
não contam com recursos, e nem sequer com informações de como proceder para divulgação e distribuição das suas
obras.
O que há é absoluta falta de arrojo (ou até mesmo de
visão editorial) das editoras, que relutam, ou se negam, a apostar nos novos
talentos, embora, do ponto de vista econômico, a publicação de tais livros
implique, de fato, em riscos. Quem perde com isso é o público e, principalmente,
a cultura brasileira. Perpetua-se, dessa forma, também na literatura, uma
espécie de colonialismo. Lamentável...
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